Dicas para noticiar um país estrangeiro com ética e precisão

Nov 1, 2022 em Jornalismo básico
Woman pointing at map beside a passport, camera and laptop

Embora a internet e a globalização tenham tornado mais fácil do que nunca cobrir um país estando fora dele, jornalistas precisam estar cientes do risco de espalhar desinformação ou fontes danosas quando não estiverem informando diretamente in loco.

Verificar fontes ou fazer a checagem de fatos normalmente é mais difícil quando se está fora do país, principalmente em regiões em conflito ou onde não há liberdade de imprensa. Sem o cuidado ou entendimento adequados do contexto e história de uma região, um jornalista no exterior também pode acabar escrevendo sem nuances e deturpando questões e grupos de pessoas. 

Abaixo estão as sugestões de três jornalistas com experiência em correspondência internacional para assegurar reportagens éticas e precisas.

Supere a barreira do idioma

Jornalistas que estão informando do exterior e não são nativos do país em questão precisam primeiro lidar com qualquer barreira linguística.

Apesar de falar birmanês funcionalmente, Emily Fishbein prefere se juntar a jornalistas locais para fazer entrevistas remotas para garantir acurácia e precisão. Dada a triste situação de segurança em Myanmar desde o golpe de fevereiro de 2021, qualquer informação errada pode não só comprometer a integridade de sua reportagem, mas também prejudicar suas fontes.

Sempre que possível, Fishbein também compartilha a autoria da matéria e divide o pagamento com um ou mais jornalistas locais que a ajudam com entrevistas e a coescrever o texto. 

Mesmo se você já fala o idioma, é importante aprender a linguagem técnica do assunto tratado e os regionalismos das suas fontes, diz Jared Olson, jornalista freelancer que cobre Honduras e que divide seu tempo entre Honduras e México. "Se alguém está falando de assuntos técnicos ou falando algum dialeto, como um trabalhador rural, é bem mais indistinguível ou [contém] muitos regionalismos. É difícil de entender", diz.

Jayson Caspercorrespondente no Oriente Médio do Christianity Today, que também cobre países como Ucrânia e Nigéria, determina se é o caso de usar um tradutor dependendo da situação. "Eu falo árabe e no geral me sinto confortável o bastante para fazer uma entrevista formal, mas eu peço paciência às fontes e ofereço a elas a oportunidade de revisar suas citações diretas em nome da precisão", diz. "Eu uso um tradutor em situações mais avançadas em que a precisão é crítica".

Mantenha a segurança das suas fontes

Ao cobrir áreas com liberdade de imprensa limitada ou conflitos armados contínuos, frequentemente a segurança das suas fontes está em jogo. Portanto, colocar a segurança delas em primeiro lugar é uma prioridade.

"Eu sigo o que minhas fontes fazem, já que geralmente elas estão mais cientes do que eu dos ricos a que estão sujeitas por falarem com jornalistas. Se eu percebo um risco que elas correm e elas não o percebem, nós analisamos quaisquer consequências em potencial", diz Casper. "Se for melhor para uma fonte permanecer calada em detrimento da matéria, não é meu papel pressioná-la. Normalmente, a matéria pode ser feita usando fontes diferentes."

Em Myanmar, Fishbein toma várias medidas para garantir a segurança das fontes e de jornalistas locais. Ela tenta marcar e realizar entrevistas em aplicativos seguros como o Signal e toma medidas adicionais, como usar mensagens temporárias para evitar vigilância militar. 

Ela também oferece aos parceiros locais de reportagem a chance de contribuir no processo de redação e de usar um pseudônimo por segurança. "Eu sempre verifico com os meus colegas de trabalho antes de sugerir a pauta e ao longo do processo de produção se eles estão confortáveis com a direção que a matéria está tomando e também se eles prefeririam usar um pseudônimo." Desde o golpe militar de 2021, o contexto político sensível requer que jornalistas e suas fontes se preocupem com a punição social de amigos e família que fontes podem sofrer depois de falar com a mídia, de acordo com Fishbein. 

Em Honduras, encontrar fontes que possam falar publicamente sobre abusos de direitos humanos, crimes de estado ou crimes corporativos pode ser difícil, diz Olson. Uma vez, enquanto documentava um caso particular de abuso do governo hondurenho, uma testemunha-chave que Olson havia entrevistado pediu que suas falas fossem completamente removidas devido a uma mudança na segurança. Para Olson, pedidos desse tipo devem ser respeitados. 

"Foi devastador em certo sentido, mas eu sabia que tínhamos que fazer isso. Tiramos as falas da matéria [e] deu tudo certo", diz.

Garanta a precisão

Jornalistas no exterior devem fazer todos os esforços para entender plenamente o contexto local e a situação que estão cobrindo. "Uma matéria fraca pode fazer mais mal do que bem. É muito importante ter um artigo que mostre a situação de forma abrangente de um jeito que dê informação nova para os leitores e que também possa ser bem claro e preciso", diz Fishbein.

Trabalhar em colaboração com jornalistas locais permite que Fishbein tenha mais profundidade e entendimento do contexto particular de sua matéria. Ela e seus parceiros de reportagem também se esforçam para fazer entrevistas extras e coletar mais materiais do que normalmente se inclui em uma reportagem para garantir a precisão da informação.

"[Assim], tudo pode ter verificação cruzada e nós podemos entender o pano de fundo [...], qual é o contexto e a história da questão e quem são as diferentes pessoas envolvidas e as diferentes perspectivas", diz.

Mesmo se você não pode estar presente fisicamente no país, Olson observa a importância de informar consistentemente sobre um único país ou região em vez de confiar em uma única matéria que pode ser característica da chamada "reportagem paraquedas". 

"O problema é que muitas vezes [os repórteres de paraquedas] carecem do contexto de terem passado tempo trabalhando repetidamente com esses países. Você precisa pelo menos estar cobrindo o lugar de forma consistente para entender o que está acontecendo", diz.

Para assegurar a precisão, Casper lê bastante, verifica informações duplamente e ouve sua intuição e o senso comum.

"Quando se trata de fatos relatados por minhas fontes, faço o mesmo que em outras reportagens — confiro a informação duplamente e verifico com outras fontes, e uso a intuição para detectar se o testemunho está de acordo com o meu entendimento da realidade. Temos que aprender muito rapidamente sobre assuntos que não são familiares, então precisamos ter a humildade necessária para duvidar de nós mesmos", diz.

Em todos os casos, os jornalistas têm o dever de transmitir o que está acontecendo o melhor possível. Em áreas com sérios conflitos, opiniões e fatos podem variar drasticamente: como eles são agregados e transmitidos pode significar a vida ou morte das pessoas no local.

Acima de tudo, jornalistas devem ter em mente a ética central do jornalismo. "É claro que o jornalista também tem suas convicções e pré-concepções, e precisa organizar a matéria de um jeito que vai interessar o leitor e garantir o entendimento mais profundo da questão", diz Casper. "Eu acho que ao manter os dois primeiros princípios dados acima, eu me mantenho suficientemente fora da matéria."


Foto por Element5 Digital via Unsplash.