Uma inovação em inteligência artificial nas redações

Aug 22, 2022 em Inovação da mídia
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A tecnologia no jornalismo está em constante evolução. Do jornalismo feito com smartphone à produção de notícias no Twitter e TikTok, passando pelo jornalismo de dados, os repórteres hoje dependem de novas tecnologias para facilitar seu trabalho e fazer com que suas matérias tenham mais impacto e engajamento. 

Atualmente, grandes redações estão introduzindo uma nova tecnologia no seu trabalho: inteligência artificial (IA). Pequenas redações também estão interessadas nessa ferramenta, mesmo que ainda não possam implementá-la. Algumas previsões apontam que 90% das notícias vão ser escritas por tecnologia artificial até 2025 - de fato, provavelmente você já leu uma matéria esportiva ou um resumo das eleições feito pelo menos parcialmente por uma IA. 

A IA pode ser entendida, de modo geral, como qualquer tecnologia que simula a inteligência humana: extrair padrões de dados, prever eventos futuros e/ou adaptar a performance com base em erros passados. Nem toda IA é futurista: um software de transcrição, por exemplo, usa IA para reconhecer e gerar palavras a partir de um arquivo de áudio.

Isso não quer dizer que a IA foi feita para substituir o trabalho de jornalistas. Em vez disso, ela assume tarefas repetitivas, simples ou que fazem uso intensivo de dados para que jornalistas humanos possam focar em histórias que requerem criatividade, análise multifacetada e bom julgamento.

Em 2019, a Polis, o think tank de mídia da Faculdade de Economia de Londres, e a Google News Initiative criaram a iniciativa JournalismAI para promover o uso de inteligência artificial entre os jornalistas. O programa de bolsas JournalismAI Fellowship começou neste ano com o objetivo de inovar em ferramentas que auxiliam o trabalho nas redações.   

Para saber mais sobre como a IA está influenciando o jornalismo, eu conversei com o chefe e diretor da iniciativa, Mattia Peretti, e a diretora do programa de bolsas, Lakshmi Sivadas, sobre o programa, a iniciativa e o que o projeto JournalismAI significa para o futuro das redações.

Rede global

O programa de bolsas tem origem em uma série de "Desafios de Colaboração" que a equipe do JournalismAI realizou entre 2020 e 2021. De acordo com Peretti, os Desafios de Colaboração surgiram "de forma orgânica", sem processo seletivo ou uma organização formal para as pessoas interessadas em participar. Muitos projetos úteis baseados em inteligência artificial foram concluídos durante os desafios, muitos dos quais ainda estão disponíveis online. No ano seguinte, o processo foi formalizado e modificado para a criação do programa de bolsas.

Embora a iniciativa JournalismAI seja focada na formação de jornalistas que não estão familiarizados com inteligência artificial, o programa de bolsas dá um passo adiante ao aprimorar as habilidades de jornalistas que já usam a IA nas redações.

"O que fazemos por eles, através do programa de bolsas, é colocá-los em contato com uma rede global de pessoas que estão no mesmo nível", diz Peretti. "Ao permitir que colaborem uns com os outros, podemos ajudá-los a acelerar a adoção e implementação de IA, e mostrar à nossa comunidade as possibilidades existentes."

O programa selecionou 46 jornalistas. No total, 16 países de seis continentes estão representados na turma. Tendo em vista problemas emergentes, como o viés de gênero e racial e o enquadramento racial, a equipe do JournalismAI estimulou fortemente a diversidade na seleção dos bolsistas.

"Nossa ideia era que se trouxéssemos pessoas representativas de grandes populações no mundo, elas poderiam reconhecer os preconceitos que existem em bases de dados", diz Sivadas. "Assim, ao desenvolver os projetos no programa de bolsas, elas vão ser capazes tanto de identificar em que ponto do processo está o preconceito quanto de mitigá-lo."

Benefícios da IA

O principal objetivo do programa de bolsas é criar um software que incorpore IA para beneficiar as redações dos participantes e também redações no mundo todo. Diferentemente do OpenAI ou o DeepMind, do Google, cujas pesquisas focam na criação de inteligência artificial geral — um software que funciona como um cérebro humano independente — todos os projetos do JournalismAI são ferramentas que requerem a contribuição ou supervisão de jornalistas humanos. 

Muitos desses projetos têm o objetivo de auxiliar em uma das três áreas do jornalismo que o relatório do JournalismAI de 2019 destacou: apuração, produção de conteúdo e distribuição de conteúdo finalizado para a audiência.

Cada uma dessas áreas oferece um potencial animador para o jornalismo. A IA para apuração pode identificar tendências e monitorar menções a assuntos e eventos, e obter informações, por exemplo, coletando e citando artigos de vários veículos que discutem a mesma questão. Uma IA que produz notícias e trabalha na criação de conteúdo pode escrever artigos em formato de tópicos ou reformatar matérias para diferentes audiências em uma fração do tempo que levaria para um ser humano fazer o mesmo. Por fim, uma IA de distribuição de notícias busca dar mais impacto às matérias por meio do processamento de informações dos leitores: ela encontra a audiência para o conteúdo de um determinado veículo, monitora o comportamento de leitores e personaliza o fluxo de notícias para que os eleitores vejam o que mais lhes interessa.      

"Não há um único estudante de jornalismo que tenha decidido seguir a carreira nessa área porque estava louco para analisar documentos de PDF um dia atrás do outro", diz Peretti. "Isso é algo que o aprendizado de máquina faz muito bem e eu acho que nós deveríamos estar felizes de poder ter o apoio de um software que faça tudo isso pra nós." 

Entre os mentores do programa este ano estão Ines Montani. cofundadora e CEO da empresa de software ExplosionDavid Caswell, ex-gerente de produto do BBC News Labs; e vários membros do Knight Lab da Universidade Northwestern. Os mentores atendem demandas de verificação de fatos, habilidades técnicas avançadas, dentre outras.  

"Nós não fizemos uma lista de mentores e falamos [para os bolsistas]: 'esses são os seus mentores, trabalhem com eles'; isso não tinha sentido já que não sabíamos ainda em que as equipes queriam trabalhar. Por isso, tentamos encontrar especialistas em assuntos específicos que pudessem ajudá-las nos casos específicos que elas estão explorando", diz Peretti. "Partimos das necessidades das nossas equipes."

Garantindo responsabilidade

Dez projetos vão nascer do programa de bolsas este ano. Dentre eles, estão o Detector de Ataques, cujo objetivo é detectar discurso de ódio contra jornalistas e ativistas ambientais em português e espanhol; e o Parrot, que identifica e mensura a disseminação de conteúdo fabricado por governos. Tanto estes dois projetos quanto os demais vão ser divulgados no festival JournalismAI, no início de dezembro.

Peretti diz que todos os projetos são feitos tendo em mente o uso de IA ética. Nenhum deles foi pensado para funcionar sem supervisão humana. Ele acrescenta que seria "extremamente perigoso" permitir o uso não-supervisionado a essa altura.

"A palavra que nós usamos repetidamente é 'responsável'", diz Peretti. "Eu fico animado com o que tenho visto na área e quero assumir que parte disso se deve ao trabalho que nós fazemos. Mas precisamos continuar a reforçar [o uso responsável da IA] se queremos verdadeiramente que a IA seja uma força benéfica para o jornalismo."

Sivadas acredita que a IA está se tornando mais prevalente em redações globais e logo vai ser inevitável. Ela citou Michaëla Cancela, participante do Desafio de Colaboração de 2020, dizendo: "você pode decidir ser uma das pessoas que toma as decisões sobre como isso será usado ou sentar e ver a tecnologia destruir os sistemas e práticas éticas a partir das quais o jornalismo foi construído." 


Foto por Umberto via Unsplash.