Saiba como comunicar fatos no jornalismo científico

por James Breiner
Jan 26, 2023 em Jornalismo básico
Two women looking at a microscope

Tanto cientistas quanto jornalistas às vezes têm a experiência desconfortável de ver suas pesquisas e conclusões desafiadas por novas informações surpreendentes.

Se você é um jornalista ou cientista de verdade, você vê uma informação nova de mente aberta. E então você a testa. Você tenta prová-la ou refutá-la com base na melhor informação que você conseguir encontrar. A nova informação possivelmente amplia o contexto que você, cientista ou jornalista, precisa levar em consideração.

O que era um fato aceito precisa ser reconsiderado ou refutado. Na ciência, no jornalismo e em todas as ciências sociais, essa reavaliação realmente acontece frequentemente. Pesquisa e investigação descobrem continuamente novas informações sobre um tópico ou evento.

O que constitui um "fato"

Eu gosto das definições dessa questão feitas por Kenneth Angielczyk, do Museu Field de Ciência em Chicago.

  • Um fato é uma observação irrefutável de um fenômeno natural ou social. Nós podemos vê-lo diretamente e mostrar às pessoas;

  • Uma hipótese é uma ideia que podemos testar com observações adicionais. Nós coletamos evidências para ver se nossa hipótese se sustenta;

  • Uma teoria é uma explicação possível daquilo que observamos construída cuidadosamente, reunindo muitos fatos e hipóteses. As teorias podem se tornar mais fortes quando explicam mais fatos. Se uma teoria explica fatos de forma conclusiva, ela se torna aceita como a explicação mais possível para fatos observados.  

(Há um debate histórico extenso sobre como avaliar ou verificar teorias e hipóteses científicas: leia mais sobre o princípio da falseabilidade e o problema da indução ou do cisne negro.)

Vamos começar com a afirmação "a Terra é redonda". Este é um fato. Aqueles que argumentam que a Terra é plana não têm evidência científica para sustentar suas afirmações. Porém, isso não os impede de promover crenças pseudocientíficas nas redes sociais e de recrutar celebridades para a sua causa. 

Como os continentes se movem

 

 

Quando eu estudava geologia na universidade, em 1970, a teoria das placas tectônicas e deriva continental ainda estava sendo provada. Ela explicava como os continentes dos hemisférios oriental e ocidental um dia foram parte do mesmo continente e se separaram mais de 180 milhões de anos atrás. Uma olhada no globo sugeriria isso: a ponta do Brasil se encaixaria perfeitamente como uma peça de quebra-cabeça na fenda da África.

Mesmo assim, a teoria foi completamente rejeitada quando proposta pela primeira vez em 1912 pelo geofísico Alfred Wegener. Foi somente com métodos científicos aperfeiçoados e observações nos anos 1950 e 1960 que ela veio a se tornar um fato aceito. 

No último século, cientistas revisaram repetidamente suas explicações sobre as origens de nossa própria espécie, Homo sapiens. Avanços no estudo do DNA, clima e linguística, bem como novas descobertas de restos de esqueletos e culturais, tornaram a nossa árvore genealógica mais complexa. O melhor jornalismo científico sobre o tema pede a pesquisadores independentes que comentem sobre os métodos e limitações de qualquer estudo.

Quando a ciência é politizada

Vamos tomar como outro exemplo os recentes incêndios desastrosos na Califórnia. A organização ambiental Earth.org reconhece que "85-90% dos incêndios [na Califórnia] são causados por atividades humanas e negligência, dando a fonte de calor necessária para que eles comecem".

incêndio de El Dorado em 2020, que queimou 56.000 metros quadrados, foi causado por fogos de artifício usados em uma festa de chá revelação. Em última análise, porém, a Earth.org coloca a culpa na mudança climática por piorar todas as condições naturais que sempre desempenharam um papel nos incêndios florestais do estado.

Um repórter do podcast "This American Life" entrevistou um homem cuja casa foi destruída no incêndio de 2018 que destruiu a cidade de Paradise, na Califórnia, e matou 85 pessoas. O homem, Thomas Kelley, não aceitava o argumento de que a mudança climática era um fator. Onde ele obteve essa informação? Com o "ex-presidente do Greenpeace do Canadá, eu acho que foi em uma matéria da Fox News". 

 

 

O tal ex-presidente do Greenpeace é Patrick Moore (biografia detalhada aqui). A mídia conservadora e os republicanos o amam, enquanto a mídia liberal e os democratas o abominam, como ilustra este artigo de opinião.

Moore deixou o Greenpeace em 1986 porque ele sentiu que a organização tinha se tornado muito radicalmente inclinada à esquerda. Nos 36 anos que se passaram, ele ganhou a vida como consultor da indústria, inclusive de oponentes de grupos ambientais. Ele é convidado frequente de programas da Fox News e já depôs no Congresso dos Estados Unidos.

Devemos acreditar no Dr. Patrick Moore?

Ele tem credenciais científicas. A tese de pós-doutorado dele foi sobre a contaminação do oceano com metais pesados causada pela indústria da mineração. Porém, ele contradiz o consenso científico segundo o qual o carbono na atmosfera gerado por humanos está causando o aquecimento global. Moore argumenta que quanto mais carbono, melhor, e não menos. A pergunta que jornalistas devem fazer é: Mostre-nos a ciência, Dr. Moore.

Quanto aos jornalistas, precisamos distinguir entre hipóteses e crenças. O padrão científico é que uma hipótese que não pode ser refutada é uma crença.

Considere a hipótese de que "após a morte, nós vamos para o céu ou para o inferno". Ninguém pode encontrar evidência para provar ou refutar que um desses lugares existe a não ser na literatura sagrada. Aliás, as religiões discordam entre si sobre a vida após a morte. Nós só temos poesia e profecia, não prova ou refutação. Essa é a definição de uma crença.

Garganta Profunda

O jornalismo tem sido chamado de primeiro rascunho da história, e com razão. Em eventos de interesse público, o jornalismo tem a responsabilidade de divulgar a melhor informação disponível em determinado momento e atualizá-la se necessário.

Veja como a história do Watergate tem sido continuamente revisada ao longo do tempo com novas informações. A identidade do Garganta Profunda, a fonte anônima do repórter Bob Woodward, do Washington Post, que ajudou a derrubar Richard Nixon da presidência, foi revelada quase 30 anos depois do escândalo estourar. O reconhecimento póstumo do papel do editor do Post Barry Sussman como o herói não reconhecido da investigação é outro exemplo.

Em relação a assuntos controversos, como a segurança e eficácia das vacinas de COVID-19 ou as causas das tendências do aquecimento global, jornalistas têm uma tarefa árdua. Eles não podem testar de forma independente as teorias científicas. Mas podem encontrar autoridades independentes para verificar dados ou oferecer explicações alternativas. Isso não é fácil de se fazer quando a mídia confiável está tentando competir com manchetes sensacionalistas enganosas e memes virais.

Combate à desinformação científica

O Nieman Lab publicou recentemente um estudo intitulado "Como a ciência ajuda a alimentar uma cultura de desinformação".

A autora, Joelle Renstrom, escreveu:

“Nós tendemos a culpar as redes sociais e o noticiário pelo excesso de desinformação sobre ciência, mas o problema frequentemente começa com a empreitada científica em si... Instituições frequentemente incentivam cientistas a optarem pela estabilidade no emprego para focar em quantidade em vez de qualidade das publicações e para exagerar resultados de estudos para além dos limites da análise rigorosa."

A própria indústria da publicação científica contribui com o problema ao divulgar antecipadamente online trabalhos científicos enquanto eles ainda estão em andamento e antes que seus métodos e conclusões tenham sido revisados por pares.

As assessorias de imprensa das universidades colocam mais lenha na fogueira, já que promovem o trabalho de seus pesquisadores para ajudá-los a conseguir subsídios e prêmios. Elas às vezes exageram. Renstroom sugere que os próprios cientistas revisem os releases de antemão.

Ela tem várias outras sugestões para reduzir a desinformação:

  • Cientistas devem usar menos siglas e jargões científicos para que o público em geral possa entender a pesquisa. São os chamados resumos para leigos ou resumos em linguagem simples;

  • "Cientistas também podem se comunicar com o público com mais eficácia aproveitando as redes sociais." Muitos falham na comunicação fora de suas próprias redes acadêmicas.

  • Cientistas devem sempre engajar mais diretamente com o público para comunicar o valor e a confiabilidade de seu trabalho.


Este texto foi originalmente publicado por James Breiner em sua newsletter no Substack e republicado aqui em versão condensada com permissão. 

Foto por National Cancer Institute via Unsplash.