Dicas para incorporar pesquisa científica em reportagens

Jun 2, 2022 em Jornalismo de dados
A woman working in a lab.

Pesquisas científicas, relatórios de crises e documentos de especialistas são recursos importantes para fornecer tendências que explicam crises globais complexas.

No entanto, materiais científicos normalmente são extensos, tediosos e difíceis de serem transformados em matérias interessantes. Mas não precisa ser sempre assim.

“Eu me lembro de olhar para a sala de imprensa da COP26 no ano passado quando um relatório sobre crise climática foi divulgado. Os gráficos complexos entediaram os jornalistas, e isso é comum”, disse Paul Adepoju, gestor de comunidade do Fórum Global de Reportagem de Crises do ICFJ.

“Frequentemente, os jornalistas não sabem como lidar com esses relatórios para além do sumário executivo”, admitiu.

Jornalista de ciência e colaborador da Nature Africa, Adepoju disse que aprendeu como transformar estudos científicos complexos e técnicos em matérias simples que não se limitam ao sumário executivo.

Adepoju conversou com Akin Jimoh, editor-chefe da Nature Africa, durante o webinar “Transformando estudos e relatórios em matérias de destaque”, realizado pelo Fórum do ICFJ. Jimoh deu dicas sobre como repórteres podem usar estudos científicos para produzir matérias que possam ser entendidas facilmente pelos leitores.

 

Por que o jornalismo científico é importante

A pandemia da COVID-19 revelou que o jornalismo científico e o entendimento do público a respeito do mesmo é essencial, observou Jimoh.

Ex-bolsista do Knight Science Journalism no Instituto de Tecnologia de Massachussetts, Jimoh obteve experiência traduzindo a ciência para o público. Como bolsista, ele usou sua bagagem no jornalismo para informar sobre e incorporar pesquisas científicas em suas matérias.

“De todas as formas, os jornalistas de ciência são quem fazem a ponte entre quem não entende algo e o ato de tornar esse algo compreensível”, disse.

“Uma ferramenta que tem sido útil pra mim é a EurekAlert, que envia alertas de notícias sobre ciência, materiais de pesquisa ou materiais de imprensa para as instituições cadastradas. Jornalistas também podem se cadastrar, já que eles mandam conteúdo embargado, permitindo que você planeje a sua cobertura”, disse Adepoju.

Jimoh disse que o jornalismo científico é um tipo especial de reportagem que requer cuidado extra. “Precisamos interpretar a ciência, nós somos os intermediários entre a informação que o público precisa saber e entender”, disse.

Porém, repórteres de ciência também precisam lembrar que são jornalistas em primeiro lugar e cientistas em segundo. “Às vezes, ter uma bagagem científica pode ser limitador porque você quer obedecer a ética da ciência ou a ética de pesquisa. [Mas], como jornalista, você quer obedecer a ética do jornalismo”, disse.

Por exemplo, a ética científica pode fazer com que os cientistas esperem até publicar suas descobertas para dizer se algo é certo ou errado, enquanto jornalistas precisam trabalhar em cima daquilo que se sabe melhor no momento em que se escreve, e expor isso com clareza para os leitores.

Em um artigo recente publicado no The Guardian, o professor Jonathan Wolff, chefe do departamento de filosofia na Universidade de Londres, argumentou também que o foco dos jornalistas no equilíbrio em suas matérias tem sido aplicado de forma problemática na cobertura de descobertas científicas, ajudando a criar falsas noções do que de que fato está em debate.

Em qual tipo de pesquisa científica confiar

Ao buscar estudos, certifique-se de usar fontes oficiais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que é a autoridade quando se trata de questões de saúde, explicou Jimoh.

“Se for um periódico, é preciso verificar onde foi publicado. Há periódicos que sabemos que têm credibilidade, mas há aqueles que vivem mais ou menos copiando os outros, e só existem graças ao financiamento que recebem”, disse.

“Os pesquisadores passam muito tempo no laboratório, pesquisando por 20 a 30 anos até acharem uma resposta. Esta será uma grande descoberta e a pesquisa também se baseia no trabalho já existente feito por outros cientistas”, disse Jimoh.

Jimoh aconselhou os jornalistas a analisar quem são os financiadores que apoiam a pesquisa: “Pergunte se esta é uma pesquisa comercial, quais são os interesses, quem está patrocinando, qual reconhecimento tem essa publicação em particular. Verifique a revisão de literatura: ela cobre lacunas? Veja a lista de referências. A pesquisa oferece uma nova perspectiva? Esses são fatores que precisamos considerar constantemente no fim das contas.”

Componentes de uma pesquisa científica

A maioria dos estudos científicos, quando analisada, pode ser dividida nos seguintes componentes principais:

  • Resultados/descobertas
  • Discussões de resultados, conclusões e recomendações
  • As referências podem fornecer mais oportunidades para reportagens
  • Reconhecimentos

Nesses componentes principais, as conclusões ou recomendações costumam ser as mais úteis para os jornalistas. Tanto em relatórios científicos quanto em periódicos, os resultados ou descobertas dão uma perspectiva daquilo que os pesquisadores descobriram, de acordo com Jimoh.

“As referências e citações também podem te direcionar para outros trabalhos se, por exemplo, você quiser fazer uma reportagem e precisar de mais estudos e links. Saber ler um estudo é só metade do trabalho; a outra metade é ficar por dentro das tendências e descobertas atuais, lendo com frequência sobre várias disciplinas”, disse Jimoh.

“Precisamos monitorar e ler amplamente em termos de questões científicas ou de pesquisa importantes, como mudanças climáticas, agricultura, engenharia, etc. Precisamos tirar um tempo para ler porque, como jornalista científico, você precisa continuar lendo e observando o que está acontecendo”, reconheceu Jimoh.

Jimoh concluiu dizendo que os jornalistas científicos não trabalham no vácuo e, no final das contas, eles têm a responsabilidade de educar a audiência sobre questões atuais. “Somos capazes de abordar questões relacionadas a políticas a partir do que estamos escrevendo. Se conscientizarmos o público sobre o que está acontecendo, isso vai longe.”

Recursos adicionais

Periódicos científicos


Foto por National Cancer Institute no Unsplash.