Desde que o autodeclarado presidente de esquerda do México, Andres Manuel Lopez Obrador (AMLO), foi eleito em 2018, jornalistas seguem enfrentando assédio de políticos e de atores políticos.
Atualmente, o jornalismo mexicano está sob o mesmo risco assim como esteve sob o governo de partidos de direita, desta vez por causa do Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) e do ataque público violento feito por AMLO contra jornalistas críticos. Tentativas de controlar a grande mídia, estabelecidas durante os 70 anos de controle do governo do Partido Revolucionário Institucional (PRI) para orientar os interesses nacionais, ainda são prevalentes nos dias de hoje, com a prática de cooptação da mídia por políticos mantida na transição de um governo unipartidário e na atual administração presidencial.
Ao longo de 20 anos após a bem-sucedida transição de poder político, intimidação e tentativas de cooptação da mídia estão impondo um desafio severo à liberdade de veículos independentes no país.
Jornalismo sob o governo AMLO
A eleição por maioria esmagadora de Obrador ocorreu com base em uma plataforma que clamava pelo fim da corrupção no México. Porém, desde o início do governo, a relação de AMLO com a mídia crítica e independente tem sido tensa, com o presidente pedindo abertamente aos jornalistas que se alinhem e até mesmo se filiem ao seu partido político, o MORENA.
Ao longo de sua administração, a linha entre o jornalismo independente e jornalistas cooptados ficou cada vez mais fragilizada. Veículos e jornalistas críticos a AMLO e ao MORENA foram acusados de serem pagos pela oposição. Enquanto isso, AMLO encorajou seus apoiadores a recorrerem a blogs, vídeos e redes sociais em vez da mídia tradicional. Seus milhões de apoiadores antes consumiam a informação da mídia alternativa, refletindo o sentimento nacional de descrédito com os grandes veículos.
"O executivo federal e outros membros do governo insultaram a imprensa, classificando-a como vendida e paga por conservadores ou neoliberais", diz Pedro Cardenas, coordenador da equipe de Proteção e Defesa para o México e América Central na organização Article 19. "O presidente acusa a mídia de ser paga pela oposição ou por outros países. Ele a classifica como agressões diretas, ignorando o fato de que a mídia crítica existia antes com outros presidentes", diz.
De acordo com um relatório anual da Article 19, chamado "Negación", o presidente e outros membros de seu governo vêm continuamente insultando a imprensa em conferências matinais diárias, com pelo menos 71 incidentes registrados desde que AMLO foi eleito.
O resultado é que, embora os índices de aprovação de AMLO estejam altos, a confiança na mídia mexicana implode rapidamente.
Histórico de cooptação
Os desafios enfrentados hoje pelos jornalistas mexicanos não são novos. Depois de décadas de governo unipartidário com o PRI, a primeira transição política pacífica na história do México aconteceu no ano 2000, quando Vicente Fox, do Partido de Ação Nacional (PAN), venceu a eleição presidencial. A eleição pavimentou o caminho para que o México se tornasse uma democracia multipartidária de fato, mas fez pouco para mudar um histórico arraigado de cooptação da mídia pelo governo.
Ao longo de seu governo, a presidência de Fox usou a cooptação da mídia para atacar rivais e apoiar as campanhas políticas do PAN. Jornalistas alinhados ao governo eram chamados de "vendidos". A cooptação da grande mídia e de jornalistas continuou com o sucessor de Fox, Felipe Calderón, que venceu a eleição em 2012 contra AMLO, em um pleito manchado por alegações de fraude.
Durante esse período, jornalistas que não se alinharam ao governo foram presos. Por exemplo, em 2013, o jornalista Jesus Lemus Barajas foi sequestrado pela polícia e mais tarde condenado a 20 anos de prisão depois de investigar relações do governo com o crime organizado, acusado pela promotoria, sem provas, de fazer parte de um cartel. Paralelamente, durante o breve retorno do PRI ao poder com Enrique Peña Nieto, milhões foram injetados na mídia para influenciar uma cobertura favorável.
Apesar da mudança no governo, quase nada mudou para jornalistas que confrontam o poder no México. Tentativas do governo de cooptar cobertura positiva e descreditar reportagem crítica atingiram novos níveis, com consequências para a independência e segurança de jornalistas.
Consequências para o jornalismo mexicano
O crescimento da mídia alternativa, principalmente por meio de páginas do Facebook que se autoproclamam jornalísticas, fez com que crescesse o número de cidadãos que publicam notícias sem o rigor jornalístico, encorajando a disseminação de desinformação e até de ameaças diretas.
Na cidade fronteiriça de Tijuana, o administrador de uma página do Facebook chamada “Tijuana em Guerra” usou a narrativa de "mídia vendida" do presidente para atacar repórteres profissionais. Durante as transmissões ao vivo da página, seguidores comentaram em capturas de tela dos repórteres com afirmações do tipo "conheço esse repórter e sei onde ele mora".
De acordo com Cardenas, ameças como essa são um resultado direto da retórica de AMLO. "Esse discurso gera um efeito dominó em que o ambiente no México se torna permissivo diante da agressão. Dito de outro modo, não é que o presidente cria violência, mas o discurso dele reitera que a imprensa, como adversária ou inimiga, é estigmatizada", diz. As consequências são uma forma sutil de cooptação que desencoraja qualquer reportagem crítica à AMLO ou ao seu governo.
Por exemplo, Sonia de Anda, membro do coletivo Yosisoyperiodista, que luta pela defesa de jornalistas no México, sofreu assédio online no Facebook após o assassinato do fotojornalista Margarito Martinez, em janeiro. Pouco depois do assassinato, Martinez foi acusado por um membro da mídia alternativa, durante uma transmissão ao vivo, de administrar uma página no Facebook que expunha membros de cartéis.
"Essa situação que o governo mexicano criou abriu as portas para que grupos organizados preparassem influenciadores para se infiltrarem profundamente na sociedade. O que os influenciadores falam sobre o jornalismo? Que somos vendidos porque não publicamos mensagens dos cartéis e porque não mostramos os rostos de criminosos", diz de Anda. "Margarito é uma vítima de um deles".
Adriana Amado, autora do livro “Las Metáforas del Periodismos” (“As metáforas do Jornalismo"), disse durante um evento sobre crises mundiais que a retórica do presidente mexicano se parece com a do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que também usou sua posição para desafiar jornalistas de quem ele não gostava.
"Isso não só afeta um único jornalista como também é um alerta para seus colegas", explica Amado. "É uma mensagem de retaliação para aqueles que falam sobre tópicos ou pessoas específicas, o que leva à autocensura, que é uma forma mais sutil de censura do que ataques físicos contra jornalistas."
Para jornalistas no México, o grande desafio continua sendo superar a tentativa de cooptar a mídia independente, seja sob o governo AMLO ou outro governo. Sobreviver aos ataques violentos do poder vai exigir ainda mais da vocação, profissionalismo, paixão, bravura e honestidade que o jornalismo requer.
Foto por Jorge Aguilar via Unsplash.