Jornalistas mexicanos revelam informação que o governo quer manter em segredo

por Hanaa' Tameez
Apr 26, 2022 em Jornalismo investigativo
Sánchez and Neubauer launched Archivero (which means “archivist”) last month.

Em 15 de maio de 1992, Rosalino Sánchez Félix, mais conhecido como Chalino Sánchez, fazia o seu primeiro show esgotado em Culiacan, Sinaloa. O que teria sido uma noite especial para Chalino, que cantava em sua cidade natal, sofreu uma reviravolta quando uma pessoa na multidão entregou a ele um bilhete. Ele leu, mudou o comportamento e continuou a cantar.

Na manhã seguinte, ele foi encontrado morto. Ele tinha 31 anos.

Chalino era um ícone mexicano-americano mais conhecido pelos seus narcorridos, baladas que narram histórias de traficantes de drogas, e é amplamente conhecido como o primeiro grande astro do narcorrido. O vídeo dele lendo o bilhete e cantando "Alma Enamorada" tem mais de 92 milhões de visualizações só no YouTube.

Quase 30 anos depois, o assassinato de Chalino continua sem solução. Sua vida e morte inspiraram todos os tipos de teorias, conspirações e um podcast bilíngue de oito episódios da Futuro Media e Sonoro Media (corra em vez de andar para ouví-lo).

Mesmo assim, tanto entre jornalistas quanto entre as pessoas em geral, a pergunta continua: por que nós ainda não sabemos quem matou Chalino Sánchez?   

Foi assim que os jornalistas Dardo Neubauer e Laura Sánchez Ley, fundadores da Archivero, decidiram solicitar os registros relacionados ao caso de Chalino.

Sánchez e Neubauer lançaram o Archivero (que significa "arquivista") no mês passado. Eles solicitam documentos públicos para que sejam retirados do sigilo e revelam informações que o governo manteve em segredo. O objetivo deles é dar contexto e continuidade a pautas que estão no noticiário no momento e a casos não resolvidos, e encontrar assuntos para futuras matérias.

O acesso ao trabalho do Archivero é gratuito no momento. Sánchez e Neubauer são uma equipe de duas pessoas e nenhum dos dois trabalha no Archivero em tempo integral. Eles estão financiando o projeto por conta própria, apesar de oferecerem serviços pagos de pesquisa e consultoria. Eles também oferecem workshops e treinamentos sobre as leis de transparência do México e a Lei de Liberdade da Informação dos Estados Unidos.

O Archivero começou no TikTok, Twitter e Instagram. Sánchez e Neubauer construíram uma base de seguidores em partes perguntando aos usuários quais documentos eles deveriam solicitar. Eles planejam criar conteúdo com documentos e digitalizar os arquivos originais no site para que qualquer pessoa possa usar e analisá-los sem ter que fazer um requerimento de acesso. Nas noites de terça, eles fazem um Space no Twitter para discutir um caso de registro público relacionado à política.

 

Os documentos relacionados a Chalino foram os mais solicitados pelos seguidores do Archivero até o momento, diz Sánchez.

Quando eles solicitaram os registros públicos ligados ao assassinato de Chalino do departamento de transparência da Procuradoria Geral do Estado de Sinaloa, a resposta foi que o pedido não poderia ser concluído.

Foi revelado, no entanto, que as autoridades estão aparentemente ainda investigando o caso 30 anos depois. Divulgar o document revelaria a "estratégia investigativa" e métodos usados para encontrar o assassino de Chalino, alegou a Procuradoria. O órgão então enviou o pedido do Archivero para um comitê de transparência para manter os registros confidenciais por mais cinco anos.  

O Archivero explicou isso para os seguidores em uma thread do Twitter, com slides no Instagram e em um TikTok de 43 segundos, facilitando que os fãs de Chalino e as pessoas em geral entendessem o resultado da solicitação.

Outros assuntos já abordados pelo Archivero incluem como um traficante de drogas que matou um cardeal católico em Guadalajara desapareceu e como dois espiões dos Estados Unidos foram condenados por vazar informação para a KGB por meio da embaixada da União Soviética no México em 1971.

"Estamos falando de casos que não só marcaram a história política do México, mas que se relacionam com países latino-americanos e os Estados Unidos", diz Laura.

Neubauer, que é professor de Comunicação na Universidade Nacional Autônoma do México, e Sánchez, jornalista investigativa freelancer e escritora, decidiram lançar o Archivero depois de começarem a investigar o caso de três políticos que morreram em diferentes quedas de avião entre 2008 e 2011.

Na época da queda, o então presidente Felipe Calderón disse à população que o "mau tempo" tinha causado as quedas, diz Sánchez. Registros relacionados foram colocados em sigilo por um período de cinco anos por duas vezes, o que significa que eles finalmente ficaram disponíveis em 2021. Depois de muitos obstáculos — incluindo pagar por milhares de páginas de documentos, ouvir que os registros tinham sido perdidos mesmo já tendo pago por eles e não ter permissão para deixar a sede da Procuradoria com os documentos pagos até que um outro chefe de departamento assinasse — Sánchez e Neubauer começaram a inspecionar os documentos. 

"Descobrimos que a verdade não estava sendo dita e que o mau tempo não foi a única linha de investigação que o governo de Felipe Calderón tinha considerado", diz Sánchez. "Este documento retratou os medos reais deles. Eles tinham investigado o ETA [grupo terrorista basco] e as organizações criminosas Los Zetas e Sinaloa. Isso nos levou a dizer: precisamos encontrar um jeito inovador de compartilhar esses documentos." 

O jornalismo no México enfrenta vários desafios ao mesmo tempo, explicam Sánchez e Neubauer. Não só os jornalistas enfrentam ameaças físicas, mas a confiança no jornalismo é baixa e os veículos sofrem financeiramente (muitos dependem de publicidade do governo e só 18% da população paga por notícias). No ano passado, o presidente Andrés Manuel López Obrador tentou extinguir o Instituto Nacional de Informação do México (INAI), a agência independente do governo responsável por tratar de requerimentos de liberdade de informação.

Os desafios do setor podem afastar os jovens da profissão. Os alunos de jornalismo de Neubauer frequentemente o perguntam sobre o assassinato de jornalistas. É difícil encorajá-los a entrar na área em um momento tão turbulento.

"Com a dificuldade de acessar documentos, não são muitos os veículos dedicados à [reportagem baseada em documentos]. Eu acredito que podemos dar a nossa pequena contribuição para o setor de mídia do México", diz Neubauer.

Neubauer e Sánchez esperam que tornar o Archivero acessível e de fácil identificação desde o começo vai mostrar aos jovens que, sejam jornalistas ou não, eles têm o direito de acessar registros públicos.

"Estamos interessados em dar aos cidadãos acesso a esse tipo de documentação porque no México muitas verdades históricas foram construídas", diz Sánchez. "E [à medida que você obtém esses documentos] você percebe os problemas das investigações, tudo o que foi escondido e como "a verdade" não era verdadeira".


Este artigo foi originalmente publicado pelo Nieman Lab e reproduzido aqui com permissão. 

Foto por Romain Dancre no Unsplash