Algumas das táticas usadas por presidentes populistas incluem tentar reprimir a mídia independente, lançar campanhas de trolls para desacreditar jornalistas, intimidar legalmente as publicações, atacar jornalistas específicos e fazer ameaças orquestradas de violência, disseram os participantes da mesa redonda no Simpósio Internacional de Jornalismo Online, realizado virtualmente pela Universidade do Texas, Austin.
A sessão foi liderada por Kathleen Kingsbury, editora da página editorial do New York Times.
Ataques online
Sérgio Dávila, diretor de redação da Folha de S. Paulo, disse que sua publicação já tinha um histórico de revelar a corrupção de Jair Bolsonaro e de sua família antes mesmo de ele se tornar presidente do Brasil em 2018. Por isso, Bolsonaro regularmente critica a Folha durante aparições públicas.
Depois que a repórter Patricia Campos Mello revelou como Bolsonaro e seus apoiadores usaram o WhatsApp — a rede social mais popular do Brasil com 100 milhões de usuários — para espalhar desinformação sobre um adversário político, foi iniciada uma campanha de difamação contra ela, usando fotos adulteradas com insinuações sexuais.
A Folha também já foi alvo de 4 milhões de mensagens de ataque no Twitter, sendo 80% delas vindas de aliados conservadores do presidente, disse Dávila.
Obtendo estatísticas sobre COVID-19
A guerra de Bolsonaro contra a mídia independente ganhou mais relevância durante a crise de COVID-19, em que o Brasil teve um dos surtos mais graves do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Bolsonaro minimizou o perigo do vírus e bloqueou o acesso a informações sobre mortes e infecções.
Como resposta, os principais veículos de comunicação do Brasil se uniram para registrar suas próprias estatísticas diárias, compilando dados de fontes locais. Esta colaboração é a primeira para a mídia altamente competitiva do país, disse Dávila.
Outras estratégias que a Folha adotou para se defender são: treinamento de funcionários sobre como se proteger e responder a ameaças, criação de curso online gratuito para jovens sobre as práticas da ditadura militar de 1964-1985 e lançamento de campanha de assinatura digital para substituir receitas perdidas de publicidade.
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O caso da mídia na Hungria
A mídia independente está em uma situação muito mais precária na Hungria, disse Peter Erdelyi do 444.hu. Lá, o primeiro-ministro Viktor Orban e seu partido de direita Fidesz vêm corroendo a mídia independente desde que assumiram o poder em 2010.
Oligarcas poderosos alinhados ao partido adquiriram 18 jornais independentes nos últimos anos. O governo agora controla uma rede de 476 agências de notícias impressas, rádio e televisão.
A publicação de Erdelyi foi lançada em 2013 e teve visitas mensais de 14 a 20 milhões desde janeiro, de acordo com a SimilarWeb. Tem sido altamente crítica ao governo, que respondeu bloqueando o acesso da publicação a funcionários públicos e documentos públicos.
Na Hungria, as campanhas de difamação financiadas pelo governo são terceirizadas para trolls, membros da equipe são difamados sob a premissa de que “a mídia independente é um estratagema”, disse Erdelyi.
A estratégia da mídia tem sido engajar-se em uma campanha para educar o público sobre o papel da mídia independente e como ela atende ao público em geral. Às vezes, isso significa ir para a cova do leão. Erdelyi debateu publicamente membros do regime em um programa de televisão moderado por um apresentador hostil.
“Conseguimos persuadir algumas pessoas de nosso público”, disse Erdelyi.
'Populistas são mais eficientes'
Anna Gielewska, vice-presidente da Reporters Foundation na Polônia, acabou de concluir um ano de bolsa na Universidade de Stanford, onde estudou como regimes populistas em todo o mundo estão trabalhando juntos.
“Os populistas são mais eficazes em despertar o medo e a raiva e manipular o público”, disse ela. Eles enchem as mídias sociais com mensagens conflitantes para que o público não saiba em quem confiar na mídia.
Em sua Polônia natal, Gielewska teme que o presidente conservador recentemente reeleito, Andrzej Duda, siga o modelo húngaro. O governo está ameaçando nacionalizar a mídia independente e eliminar a propriedade estrangeira, especialmente de empresas de mídia alemãs.
Ela acredita que a mídia deve adotar uma tática primordial dos populistas: mais colaboração internacional. A mídia independente deve trabalhar em conjunto para publicar histórias reprimidas em um país, para que os fatos possam chegar à comunidade internacional. Um exemplo claro que ela mencionou foi o Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP).
Entre outras táticas que ela identificou:
- Desenvolver apoio legal de organizações de defesa para proteger jornalistas e mídia de processos por difamação e outros crimes
- Estabelecer um fundo global para o jornalismo de interesse público
- Criar manuais anti-propaganda e anti-desinformação que organizações jornalísticas podem usar
- Desenvolver parcerias intersetoriais entre acadêmicos, jornalistas e organizações de interesse público
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No México, o inimigo número 1 do presidente é a imprensa
Juan E. Pardinas, diretor editorial geral do grupo Reforma no México, disse que quando Andrés Manuel Lopez Obrador alcançou a presidência por uma margem tão esmagadora em 2018, ele neutralizou seus adversários políticos. Ele precisava de um novo inimigo e encontrou um na imprensa.
Durante seus primeiros 20 meses no poder, Lopez Obrador (mais conhecido como AMLO), criticou o Reforma 200 vezes, disse Pardinas. O presidente se refere a “la prensa golpista”, acusando a imprensa de querer derrubar o governo.
“AMLO diz que estamos tentando destruir a democracia”, disse Pardinas.
O governo mexicano, seja qual for o partido, há muito tempo é a maior fonte de receita de publicidade do país. O governo tradicionalmente direciona a receita de publicidade para a mídia amiga e a retira daqueles que criticam os poderosos. Um veículo de comunicação amigo recebeu US$18 milhões em receita publicitária no ano passado, disse Pardinas, sem identificá-lo. Esse fluxo de receita sufoca vozes independentes.
De certa forma, os comediantes que satirizam o presidente têm uma tarefa mais fácil do que os jornalistas, disse Pardinas. Os comediantes podem simplesmente zombar das declarações ridículas, enganosas ou falsas do governo. Os jornalistas, por outro lado, devem primeiro relatar a declaração oficial e depois mostrar por que ela não é verdadeira. A essa altura, as pessoas nem estão ouvindo.
Mais regulamentação governamental?
Durante a sessão de perguntas e respostas, os participantes discutiram se as plataformas de mídia social, como WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter deveriam assumir mais responsabilidade pelo conteúdo que publicam.
Essas plataformas estão gerando uma receita enorme com anúncios, mas muito de seu conteúdo é patentemente falso e difamatório. Ao contrário das organizações de mídia, as plataformas não têm responsabilidade legal de policiar seu conteúdo na maioria dos países.
Dávila disse que o WhatsApp é uma “mídia social escura” no Brasil porque você não pode rastrear o conteúdo até sua fonte final.
Erdelyi não está entusiasmado em colocar o governo no comando do policiamento das mentiras nas redes sociais de seu país, já que o próprio governo é a principal fonte de desinformação. No entanto, ele defende o policiamento de “comportamentos inautênticos”, nos quais os atores políticos se escondem atrás de personagens e avatares falsos.
Kingsbury tentou encerrar a sessão com uma nota positiva. Os painelistas agradeceram, afirmando seu compromisso de servir suas comunidades com notícias e informações confiáveis, apesar dos ataques a eles e a seus funcionários.
Dávila disse que os jornalistas não devem se posicionar como adversários dos que estão no poder, mas, “Devemos agir sem medo”. Ele terminou citando o editor do Washington Post, Marty Baron: “Não estamos em guerra. Estamos trabalhando."
Este artigo foi publicado originalmente por James Breiner em seu blog, "James Breiner: Entrepreneurial Journalism" e reproduzido na IJNet com permissão.
Imagem principal sob licença CC no Unsplash por Sergey Zolkin