Jornalismo de conscientização sobre o jornalismo: um novo recurso para a profissão

Jul 11, 2024 em Temas especializados
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Há alguns anos, Dave Seglins trabalhava como repórter na editoria jurídica cobrindo "casos bem bizarros e pesados", conforme ele descreve.

Em 2010, ele testemunhou os horrores causados por um assassino sadossexual quando cobria o caso nos tribunais. A experiência passou dos limites e o levou a um novo rumo na carreira.

"As imagens [mostradas no julgamento] eram simplesmente brutais. Eu saí dessa história com transtorno de estresse pós-traumático", diz o repórter ao relembrar o incidente. "Fiquei impressionado com o despreparo da minha redação para lidar comigo."

Cobrir tragédias e sofrimento humano está no centro do que o jornalismo faz. Mas pode haver um preço pessoal a ser pago quando eventos traumáticos fazem parte da equação. O "jornalismo instruído sobre traumas" é um conceito relativamente novo. Ele trata do entendimento do trauma sob diferentes pontos de vista, desde vítimas, sobreviventes e testemunhas até os jornalistas que cobrem essas histórias.

Hoje, Seglins, que trabalha na Canadian Broadcast News (CBC), em Toronto, é uma liderança na área do jornalismo de trauma. Ele coproduziu um kit de ferramentas criado para "preparar melhor as redações, os jornalistas e os educadores para a cobertura de violência, conflito e tragédia", conforme descrito no lançamento.

Parte do Trauma Aware Journalism Project (TAJ), o recurso inclui vídeos curtos e gratuitos, guias de estudo e conselhos de especialistas e de jornalistas experientes. A ênfase é em como jornalistas interagem com vítimas de violência e lidam com o impacto emocional do trauma em suas próprias psiques. Nas primeiras duas semanas desde o lançamento, o site do projeto recebeu 5.200 visitas únicas, um sinal de forte interesse, diz Seglins.

"Os jornalistas em atividade hoje e os estudantes entendem que esta é uma profissão traumática e querem habilidades básicas práticas, seja para fazer reportagens sobre as pessoas, famílias e comunidades mais vulneráveis ou para tomar conta de si mesmos", diz Bruce Shapiro, diretor-executivo do Dart Center for Journalism and Trauma da Faculdade de Jornalismo Columbia.

O kit de ferramentas do TAJ é um esforço conjunto do Dart, da CBC/Radio-Canada e do Fórum de Violência e Trauma do Jornalismo Canadense. Os materiais podem ser aplicados em redações, classes de jornalismo e em treinamentos de mídia em qualquer parte do mundo.

Um dos recursos do kit de ferramentas, com dicas essenciais para entrevistar crianças, feito por John Woodrow Cox, repórter do The Washington Post e vencedor do Dart Award for Excellence in Coverage of Trauma, inclui os seguintes conselhos:

  • Seja humano em primeiro lugar e jornalista em segundo
  • Faça o máximo de apuração possível
  • Descubra quais perguntas a criança fez
  • Na hora de entrevistar, deixe-a confortável
  • Não a subestime

"Em mais de uma década como repórter, a quantidade de coisas profundas que ouvi crianças dizendo excede e muito aquelas que ouvi de adultos. As crianças observam muito mais do que nós percebemos", escreve Cox.

Outros tópicos abordados pelo kit de ferramentas incluem entrevistas sobre trauma, cobertura de comunidades vulneráveis, relacionamento ético com fontes, autocuidado, liderança ciente de traumas, planejamento de pautas difíceis e manejo de imagens traumáticas.

As mentes por trás do projeto

Shapiro descreve Seglins e Ariel Ritchin, do Dart Center, como "as mentes" por trás do projeto. Ambos estão listados como produtores executivos.

Em 2022, Seglins, que supervisiona a capacitação em trauma da CBC, foi um dos autores do estudo nacional "Cuidado: um relatório sobre saúde mental, bem-estar e trauma na mídia canadense". Ele também é bolsista do Dart Center.

"Meu papel é ser um defensor interno e pressionar as pautas de interesse sobre saúde mental e conscientização sobre o trauma", diz Seglins.

Ritchin, veterano de 12 anos do Dart Center, ajuda jornalistas a lidar com problemas traumáticos no trabalho e na vida pessoal. Ele aconselha adaptar parte do kit de ferramentas ao que estiver acontecendo na comunidade onde o jornalista trabalha. Se houver uma grande população migrante, por exemplo, as sessões sobre comunidades vulneráveis ou sobre entrevistas com vítimas podem ser mais úteis.

Há planos para aumentar a quantidade de vídeos e acrescentar tópicos como ajuda mútua na mídia, aconselhamento para profissionais do jornalismo e novas pesquisas. "Este projeto está longe do fim. A fase 2 está a caminho", diz Ritchin. 

Seglins acrescenta: "nós estamos interessados em ouvir a opinião de quem começou a usar o kit de ferramentas. Ao preparar a fase 2, queremos saber quais outros assuntos na área de trauma e jornalismo os usuários gostariam que fossem incluídos."

As respostas podem ser enviadas aqui.

Amostra dos materiais do kit de ferramentas


Foto por Mitch por Unsplash,