Como jornalistas podem usar a triangulação para lapidar pautas

por Paul Bradshaw
Mar 31, 2023 em Jornalismo básico
Two people going over documents

Neste trecho editado da futura terceira edição do Online Journalism Handbook, eu mostro como uma abordagem de "triangulação" com as fontes pode ajudar a ampliar a pesquisa da pauta e melhorar a reportagem. 


Dois séculos atrás, os jornalistas foram chamados de repórteres porque tiravam suas informações de relatórios oficiais (report em inglês) — ou seja, documentos.

Mais tarde, no fim do século XIX, uma nova fonte se tornou parte da prática jornalística: pessoas, com a adição de entrevistas e relatos de testemunhas às matérias.

O fim do século XX viu a reportagem passar por outra expansão no levantamento de fontes, quando dados digitais entraram para o conjunto de recursos dos jornalistas.

Embora reportagens já incluíssem tabelas e outras fontes de dados, as propriedades dos dados digitais — eles são filtráveis, classificáveis e pesquisáveis — são significativas e fazem dos dados um tipo de fonte qualitativamente diferente.

Como documentos, pessoas e dados levam uns aos outros

Considerar o levantamento de fontes nessas três dimensões — pessoas, documentos e dados — pode ser particularmente útil no planejamento da reportagem.

Isso pode garantir que sua apuração seja original, com várias camadas e, em particular, pode te ajudar a pensar sobre como cada tipo de fonte pode levar uma à outra:

  • Documentos podem te levar a pessoas: um exemplo óbvio seria uma página de um site (um documento) que lista detalhes de contato — mas você também pode usar um relatório ou apresentação para chegar a um especialista (o autor), ou um documento sobre uma reunião ou transmissão ao vivo para identificar as pessoas que estavam presentes
  • De forma inversa, pessoas podem te levar a documentos: um especialista pode te contar sobre uma pesquisa ou um entrevistado pode mencionar uma mensagem que recebeu ou um arquivo que viu
  • Igualmente, pessoas podem te levar a dados: fornecendo a você uma planilha ou indicando uma tabela em um relatório, por exemplo 
  • dados podem te levar a pessoas: classificar dados para encontrar os maiores ou menores valores pode te ajudar a identificar um estudo de caso em potencial ou o lugar que você precisa visitar para fazer entrevistas. Dados também normalmente vêm com detalhes de contato de uma pessoa com quem você pode conversar para obter mais contexto 
  • Documentos podem te levar a dados também: eles podem estar incluídos em uma tabela ou apêndice, linkados ou mencionados 
  • E por último, dados podem te levar a documentos: por exemplo, você pode usar um termo em um conjunto de dados para realizar uma pesquisa ou usar dados para submeter um pedido via Lei de Acesso à Informação para documentos sobre um problema em particular (por exemplo, uma piora nos números)
Triangulation diagram

 

Saber como "triangular" entre os diferentes tipos de fontes é uma habilidade fundamental para um jornalista — ela vai melhorar suas reportagens e te ajudar a desvendar novos rumos de uma pauta.

Uma atualização nas redes sociais é um documento, não uma pessoa

Considerar o uso de fontes nessas três dimensões também pode nos ajudar a pensar mais criticamente diante de diferentes estratégias no uso de fontes online.

Por exemplo, a Rede Mundial de Computadores é fundamentalmente uma rede de documentos — atualizações nas redes sociais ou em perfis são documentos, não pessoas — e a abundância desses documentos quase que certamente afastou o trabalho com fontes da dependência anterior de entrevistas.

Por que isso é importante? Afinal, ainda tem uma pessoa digitando a atualização nas redes sociais, não tem? Que diferença faz se as palavras vêm via uma entrevista ou via uma conta nas redes sociais?

A diferença reside no propósito e no controle. Quando um jornalista fala com uma pessoa diretamente, tem certa independência editorial para agir em nome de sua audiência — da negociação do assunto e direção da conversa à capacidade de reagir às respostas que estão sendo dadas.  

Jornalistas podem esclarecer e verificar, pedir mais detalhes ou questionar quando outras informações contradizem o que está sendo dito.

Isso não significa que o jornalista tem controle total: a fonte tem independência também e pode tentar controlar a entrevista de diferentes formas. Mas o repórter deve ser capaz de fazer as perguntas que sua audiência espera dele. 

A mudança de pessoas para (uma rede de) documentos também afastou a reportagem de documentos formais e não-públicos para um ambiente de pesquisa dominado por documentação informal e pública.

Isso tem duas implicações: primeiro, significa que o repórter provavelmente não tem exclusividade; segundo, significa que a informação foi criada com um objetivo particular em mente para aquela audiência (por exemplo, para moldar uma narrativa).

Pergunte-se quais lacunas de fontes há em cada matéria

Quando estivermos trabalhando em uma pauta, podemos nos perguntar quais lacunas de fontes temos na nossa reportagem:

  • Se ela for baseada em um documento público (por exemplo, um tweet), temos pessoas (aspas originais) para dar mais detalhes e incluir um elemento original na nossa cobertura? Precisamos de dados (ou outros documentos) para contextualizar a afirmação ou verificá-la?
  • Se ela for baseada em pessoas, conseguimos encontrar documentos ou dados que contextualizem e confirmem — ou questionem — o que elas estão dizendo?
  • Se ela for baseada em dados, precisamos de documentos para nos ajudar a ter um entendimento com precisão? Conseguimos encontrar pessoas que forneçam uma dimensão humana à pauta?

Pensar nos termos desse triângulo pode ajudar a evitar pontos cegos e os perigos óbvios de confundir um tipo de fonte com outra.


Paul Bradshaw é diretor do mestrado em jornalismo de dados da Universidade da Cidade de Birmingham.

Este artigo foi originalmente publicado no Online Journalism Blog e republicado na IJNet com permissão do autor.

Foto por Romain Dancre via Unsplash.