A cobertura da crise de refugiados ucranianos na Polônia

Apr 7, 2022 em Reportagem de crise
Agnieszka Żądło with refugees

Quando a Rússia iniciou a invasão em larga escala da Ucrânia no fim de fevereiro, a jornalista da Newsweek Agnieszka Żądło, 34, ficou em choque. Ela ficou descrente, inquieta e incapaz de se concentrar em qualquer coisa fora do noticiário sobre a guerra.

Vivendo em Varsóvia, na Polônia, Żądło interrompeu as férias para viajar até a fronteira do país com a Ucrânia. As cidades fronteiriças de Hrubieszów, Korczowa, Medyka, Przemyśl e Ustrzyki Dolne tinham reservado todos os imóveis em aluguel apenas para refugiados, por isso ela e outros colegas da imprensa penaram para encontrar hotéis disponíveis e a um bom preço em lugares mais distantes. 

"O clima na fronteira com a Ucrânia era diferente do que eu tinha vivido poucos meses antes na fronteira com Belarus", diz Żądło, se referindo à sua cobertura da crise de refugiados na fronteira de Belarus com a Polônia no ano passado, quando as autoridades polonesas não foram tão receptivas. "Não há censura ou estado de emergência [com a crise de refugiados ucranianos]. A segurança e os policiais tinham compaixão, ajudavam carregando os pertences de mulheres refugiadas e as crianças nos braços delas." 

Desde o início da guerra, mais de quatro milhões de ucranianos fugiram do país e quase 2,5 milhões desse total foram para a Polônia. Jornalistas — tanto ucranianos quanto correspondentes estrangeiros — arriscaram suas vidas para cobrir a crise de refugiados e muitos outros aspectos da invasão russa.

Antes de Żądło partir para a fronteira, a Newsweek a forneceu um treinamento de segurança e equipamentos como capacete, colete à prova de balas e GPS. No primeiro dia dela em Lviv, no oeste da Ucrânia, ela usou o colete à prova de balas, apesar de ser desconfortável. No dia seguinte, ela o cobriu com um casaco de inverno. Ela não queria assustar pessoas desalojadas que chegavam aos montes dos rincões da Ucrânia.

 

Agnieszka Żądło with winter jacket over bulletproof vest
Crédito: Roman Grigorij.

 

"Quando eu cheguei em Lviv, já havia um toque de recolher e não tinha lugar para ficar; na primeira noite, eu não tive escolha a não ser dormir no chão frio da estação de trem", diz Żądło. "Os alarmes soaram várias vezes no dia, mas ninguém correu para abrigos, como em outras partes da Ucrânia onde cidades foram bombardeadas."

Żądło já retornou da cobertura e está agora de férias em Mazury, na Polônia. Longe do conflito, ela está deixando a adrenalina diminuir e tentando parar de comer doces para lidar com o estresse. Ela assiste Netflix, mas em vez de uma distração leve, resolve ver "Como se tornar um tirano".

Ela beira as lágrimas quando se lembra de imagens e conversas que teve com mulheres e crianças refugiadas há poucos dias. Felizmente, para Żądło, a empresa onde trabalha cobre o custo de psicoterapia.

Ela recorda sua mais recente viagem a trabalho, que incluiu ajudar jornalistas de Taiwan a entrarem na Ucrânia.

"Eu ia encontrar jornalistas de Taiwan e levá-los para Lviv. Eles vieram para a Polônia para cobrir a crise de refugiados e queriam entrar na Ucrânia para escrever sobre a guerra. Eu estava os ajudando", relembra. "Teve uma explosão em Jaworów, a 25 quilômetros da fronteira polonesa. Eu achei que isso foi uma desculpa para eu não ir pra lá porque não tinha mais força pra isso e estava com muito medo."

 

Agnieszka Żądło with refugees
Foto cedida por Agnieszka Żądło.

 

A família está acima de tudo para Żądło. Principalmente quando se trata de explicar o perigo para o seu filho mais novo.

"Meu filho tem 11 anos", diz. "Tanto faz pra ele se eu estou na Polônia ou na Ucrânia; na cabeça dele, eu estou na guerra e ele está bravo. Eu falo pra ele que esse é um momento crítico na história do mundo e preciso estar lá. Este trabalho é minha paixão, mas ele só pergunta: 'por que não vão outros no seu lugar?'"

Żądło sugeriu ao filho que fosse proativo e oferecesse ajuda. "Emoções também são ajuda humanitária, então eu fiz com que ele fizesse algumas panquecas e as levasse para a estação central de trem de Varsóvia, onde há muitas crianças ucranianas desalojadas que adoram doces", diz.

"Jornalistas poloneses sempre tentam ajudar", observa Żądło sobre o que testemunhou na fronteira. "Se tiver lugar no carro, você vai entregar comida e remédio de grupos de ajuda."

Os jornalistas de Taiwan a perguntaram: "Por que os poloneses ajudaram com tanta rapidez?" O fato é que uma das razões é o medo de que essa guerra aconteça conosco também. 

Ajudando os refugiados fora do jornalismo

Kamil Bałuk tem 34 anos e é jornalista freelancer em Varsóvia, escritor, autor de livros de não-ficção, tem um podcast, e também é pai de uma menina de três anos e de um menino de nove meses.

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, do nada o livro no qual ele vinha trabalhando, sobre a Holanda contemporânea, pareceu irrelevante. Ele queria fazer algo, mas o quê? Ele não fala russo nem ucraniano e não tem familiaridade com a história e os problemas dos dois países. Diferentemente de muitos poloneses que receberam refugiados em suas casas, ele não podia fazer o mesmo, já que seu apartamento é pequeno e seus filhos têm problemas de saúde.

Mas Bałuk tinha tempo livre e um carro com bancos para crianças. Ele entrou em contato com um grupo de voluntários, o Zasoby, e se prontificou para ajudar como motorista para levar os refugiados da estação de trem até o apartamento de seus anfitriões. "As mulheres e crianças preferem motoristas mulheres; infelizmente, a maioria dos motoristas é homem. Para diminuir o medo delas, eu mostrei uma foto com minha esposa e filhos na piscina, onde apareço alegre e inofensivo." 

Bałuk começou a se acalmar depois de dois dias de trabalho. "Pela primeira vez na minha vida profissional, não quero agir como um jornalista", diz. "Se os refugiados no meu carro estão em silêncio, eu fico quieto também."

Ele testemunhou os danos da guerra de perto através do seu trabalho voluntário. "Um dia perguntei a uma mãe e à filha adolescente de onde elas vinham, e elas falaram que era de Kharkiv. Naquele dia, a cidade tinha sido bombardeada intensamente, então o que eu perguntaria na sequência? Qualquer pergunta soaria idiota", ele pensou. "Era meia-noite e essa mulher de repente disse que não acreditava que estava em Varsóvia. Pelo espelho retrovisor, eu vi uma lágrima caindo no rosto dela, mas no segundo seguinte ela mudou a expressão para a de uma mulher forte e abastada da cidade grande."


Imagem principal cedida por Agnieszka Żądło.