Dicas para cobrir a invasão da Rússia à Ucrânia

Feb 28, 2022 em Reportagem de crise
Ukraine flag

No início da manhã do dia 24 de fevereiro, a Rússia iniciou uma invasão da Ucrânia em grande escala, naquele que é o mais significativo ataque militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Ordenada pelo presidente Vladimir Putin, a invasão russa vem na sequência da anexação da Crimeia em 2014 e de oito anos de apoio a rebeldes separatistas no leste da Ucrânia. 

Em um webinar recente do Fórum Pamela Howard de Reportagem de Crises Globais do ICFJ, a diretora de engajamento de comunidade do ICFJ, Stella Roque, conversou com dois jornalistas que estão cobrindo de perto a invasão: Ostap Yarysh, repórter internacional do Serviço Ucraniano da Voice of America, com sede em Washington, D.C., e Tom Mutch, jornalista freelancer que cobre crime e conflitos em Kiev, na Ucrânia.

No momento da entrevista, ambos trabalhavam noite e dia desde os estágios iniciais da invasão. Eles compartilharam informações importantes para colegas jornalistas no mundo todo que cobrem o início da guerra e deram conselhos sobre como cobrir melhor o conflito para audiências internacionais.

 

Reconheça o impacto global

A invasão russa à Ucrânia pode parecer distante, especialmente se você não está na Europa, mas as ramificações têm potencial para consequências globais de longo prazo. "Uma coisa que eu acho que tem relevância mundial é a ideia de que temos essa ordem liberal internacional imperfeita", disse Mutch. "A maior tragédia da crise na Ucrânia, junto com o sofrimento da população ucraniana, poderia ser a ideia de que se a Rússia se safar de impor seus objetivos políticos e diplomáticos por meio da força militar, isso cria um exemplo não apenas para essa região em particular, mas para o mundo."

Yarysh concordou. "Principalmente quando falamos de ditaduras e outros países autoritários como a China ou o Irã, isso poderia dar a eles um pretexto de que eles também podem não ser punidos por seus atos", disse, observando ainda como a guerra poderia afetar países próximos, incluindo potencialmente estados membros da OTAN. "Vemos que isso não é só no leste da Ucrânia; há outras instalações e cidades que foram bombardeadas que estão a pouco mais de 20 quilômetros da Polônia, que é um país da OTAN."  

Entenda a linguagem e o contexto

"Primeiro, o elemento importante para ambos os lados - aqui nos Estados Unidos e quem está cobrindo na Ucrânia - é a tradução correta das coisas", disse Yarysh.

Traduções mal feitas trazem o risco não intencional de espalhar desinformação se não forem verificadas. Esse é um receio especialmente predominante em um acontecimento que se desenvolve rapidamente e se a sua redação não tem na equipe um falante nativo.

É crucial que os jornalistas comuniquem com clareza a dinâmica do conflito, acrescentou Mutch. "Embora você possa demonstrar que a Rússia tem interesses de segurança legítimos em relação à expansão da OTAN, não há absolutamente nada que a Ucrânia tenha feito para justificar o que aconteceu e o que está acontecendo agora", disse. "Casos como este mostram que, ao mesmo tempo em que você dá uma perspectiva do lado agressivo - neste caso, a Rússia - você mostra que ele é o agressor nessa situação."

Informar esses fatos aos leitores ajuda a cortar a desinformação que busca obscurecer as ações da Rússia. "Essa não é apenas uma guerra física, mas também uma guerra de informação", disse Yarysh.

Humanize o conflito

Jornalistas devem dar à sua cobertura da guerra uma face humana do melhor jeito que puderem. Embora fatos e números contem uma história, entrevistar pessoas diretamente afetadas pelo conflito dá aos leitores um entendimento mais íntimo da guerra e de suas consequências. "Quando outras pessoas leem essas histórias e veem que o problema tem uma face humana, é muito mais fácil de criar uma identificação", disse Yarysh.

"A pauta não é 'eu sou um correspondente estrangeiro, estou aqui no meio da ação', mesmo que isso seja o que os editores querem", concordou Mutch. "É sobre conseguir aquele elemento humano local crucial, seja quando as sirenes de ataque aéreo tocam e as pessoas estão amontoadas no metrô [durante um bombardeio] ou quando as pessoas estão em rodoviárias ou estações de trem tentando sair de Kiev, tentando fugir para o oeste, ou pessoas que conhecemos estão presas nas cidades do leste."

Isso significa também que jornalistas devem evitar a tentação de mostrar só o que é sensacionalista ou violento. "O meu conselho seria tratar as pessoas como seres humanos e não apenas como material para uma pauta", disse Yarysh. 

Cuide-se

Segurança deve ser uma prioridade para jornalistas que cobrem a guerra na Ucrânia. "É uma fala batida, mas é verdade - nenhuma pauta vale arriscar sua vida ou integridade física. Não vale a pena assumir esses riscos apenas para ter uma imagem da linha de frente de tanques ou coisas do tipo", disse Mutch. Principalmente nos primeiros dias do conflito, quando as linhas de frente são mais fluidas, não saber como as coisas vão estar em 24 horas significa que jornalistas devem tomar precauções extras para sua segurança pessoal.

Jornalistas que pretendem cobrir a guerra na Ucrânia ou conflitos futuros devem considerar seriamente fazer treinamento sobre ambientes hostis, sugeriu Mutch. "Você precisa ter preparo físico e mental para a primeira vez que um foguete ou uma bala ou uma explosão caírem perto de você. Você vai ter uma reação emocional que não necessariamente você vai conseguir prever", disse.

Ter conhecimento básico em primeiros-socorros, segurança de veículos e residências e outras dicas de segurança podem não te preparar completamente para uma zona de conflito, mas pelo menos te dão as ferramentas adequadas para manter a segurança. Exemplos incluem estes treinamentos da International Women’s Foundation e estes cursos compartilhados pela Rory Peck Trust. Consulte também estes recursos da IJNet para conselhos sobre como aperfeiçoar sua segurança e avaliação de risco.

"Quanto mais você faz [reportagens sobre conflitos] mais você aprende sobre você mesmo e seus níveis de conforto", disse Mutch. "Você aprende qual é a sua resiliência emocional e sua capacidade de lidar com estresse e trauma."


Foto por Yehor Milohrodskyi no Unsplash.


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Jornalista freelancer

Devin Windelspecht

Devin Windelspecht é editor da Rede de Jornalistas Internacionais (IJNet). Antes de trabalhar na IJNet, ele era jornalista freelancer e cobria preservação e direitos humanos.