13 dicas para investigar desinformação política

Dec 20, 2022 em Combate à desinformação
Empty seats in political chamber

Quase todos os smartphones no Brasil têm o WhatsApp instalado.

Ao mesmo tempo em que o aplicativo de mensagem garante comunicação fácil dentro e fora do Brasil, seu uso amplo também facilitou a proliferação de desinformação às vésperas da eleição presidencial de 2018. Naquela época, Patricia Campos Mello, jornalista da Folha de São Paulo, cobriu de perto a disseminação em massa de desinformação no WhatsApp. 

Valendo-se dessa experiência, Campos Mello deu uma série de dicas para jornalistas que investigam desinformação política durante uma aula especial do projeto Disarming Disinformation, do ICFJ, realizada em parceria com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.

(1) Comece conversando

Comece o seu trabalho conversando com as pessoas.

Em 2018, as campanhas políticas no Brasil contrataram agências de marketing para espalhar desinformação por meio de mensagens em massa no WhatsApp. Campos Mello falou com especialistas de campanhas de marketing e seus funcionários, criando uma lista de empresas e agências de marketing que estavam fornecendo esses serviços de mensagem para as campanhas.

"Na época, as pessoas não sabiam o que era disparo de mensagens em massa. Nem nós [jornalistas], nem o TSE, nem ninguém. Era algo que estávamos começando a entender", disse.

(2) Busque dados

Em seguida, procure dados. No Brasil, por exemplo, os jornalistas podem pesquisar no DivulgaCand, uma base de dados do TSE com uma gama ampla de informações relacionadas às eleições. Isso inclui detalhes sobre doadores de campanhas, empresas contratadas, bens dos candidatos, dentre outras.

Faça uma busca também sobre as empresas que você está investigando. Saber o endereço das propriedades, números de telefone e outros detalhes vai permitir que você investigue mais profundamente.

(3) Encontre delatores

Saber detalhes das empresas também permite que você investigue quais delas têm processos na Justiça. Busque por funcionários ou ex-funcionários que as estão processando, por exemplo. Em geral, essas pessoas são mais propensas a falar com jornalistas.

"Delator, funcionário, ex-funcionário [...] isso é sempre importante", disse Campos Mello. "Há sempre uma Disneylândia de dados para descobrir, mas ajuda muito quando você tem um delator."

Campos Mello explicou como usou a base de dados do Tribunal Regional do Trabalho para analisar processos contra as agências que estavam fornecendo os serviços de disparo em massa. A partir dessas informações, ela conseguiu fazer uma lista de fontes em potencial para sua investigação.

(4) Solicite documentos

Alguns delatores podem enviar informação espontaneamente, mas jornalistas também devem fazer uma busca proativa de dados e documentos dessas fontes. Solicite fotos, planilhas, trocas de mensagens, dentre outros de delatores para reforçar o seu trabalho, aconselhou Campos Mello. 

(5) Verifique suas fontes

Jornalistas devem ter cuidado extra com suas fontes. Sempre verifique se elas estão falando a verdade e proteja a identidade delas para garantir que não vão sofrer represálias.

Por exemplo, depois de publicar suas primeiras matérias sobre a desinformação que estava investigando, Campos Mello recebeu mensagens diretas nas redes sociais de uma pessoa que disse estar interessada em colaborar. A pessoa dizia trabalhar em uma agência de marketing.

"Eu precisei checar se ele realmente trabalhava naquela agência, então tive que coletar mais informações. Ao mesmo tempo, eu assegurei que iria preservar a identidade dele", disse. 

(6) Colabore

Colaborações podem fortalecer a luta contra a desinformação. Jornalistas podem pesquisar, por exemplo, por universidades e centros de pesquisa com os quais trabalhar para agregar valor às suas investigações.

Durante a eleição de 2022 no Brasil, jornalistas fizeram uma parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro para ajudar a monitorar o WhatsApp e o Telegram, visto que a universidade já estava analisando os sites mais compartilhados pelos políticos. 

(7) Conheça as ferramentas à sua disposição

Jornalistas devem identificar ferramentas gratuitas que vão ajudar com suas investigações, incluindo:

  • Wayback Machine

A Wayback Machine é uma base de dados digital que disponibiliza gratuitamente bilhões de páginas da internet. Apagar os registros da Wayback Machine é difícil e requer ação legal, observou Campos Mello.

  • Palver

Palver é uma empresa de tecnologia que monitora grupos públicos do WhatsApp. Ela fez uma parceria com o TSE durante as eleições de 2022 no Brasil. O painel é fácil de usar e de navegar, e tem filtros de termos específicos, arquivos anexados, dentre outros.

  • CrowdTangle

CrowdTangle é uma ferramenta da Meta que monitora narrativas que circulam nas redes sociais. Ela pode ajudar os jornalistas a analisar tópicos que estão em alta e os que não estão. Ao usar essas informações, jornalistas podem evitar "amplificar desinformação com a ilusão de que [estão] ajudando a combatê-la", disse Campos Mello.

Se você escrever sobre algo que não tem tanta tração, você provavelmente está ajudando o desinformante a espalhar a desinformação para novas audiências. 

  • SimilarWeb

SimilarWeb é outra ferramenta útil para monitorar desinformação. "Com o SimilarWeb, nós medimos quais sites eram os mais compartilhados em grupos do WhatsApp e por políticos. Analisamos esses sites para ver se eles tinham uma grande audiência ou não. Os resultados foram assustadores", disse Campos Mello.

Muitos desses sites pegam notícias de fontes jornalísticas confiáveis e as reformulam com um viés de extrema direita, distorcendo a informação, disse a jornalista.

(8) Faça um mapeamento

Monitorar a desinformação é parte da nossa nova realidade, disse Campos Mello. "Mapear todos esses sites — sabendo como eles foram financiados e quem são as pessoas por trás deles — é outra coisa interessante a se fazer."

(9) Monitore mudanças na legislação

Jornalistas devem monitorar mudanças na legislação que venham a afetar a facilidade com que a desinformação se espalha online. 

"Por exemplo, houve várias determinações, resoluções do TSE e mudanças em políticas das redes sociais em relação ao que podia ou não podia ser feito em anúncios políticos", disse Campos Mello. "Essas políticas, na teoria, têm regras para forçar o Google a conter a disseminação de informações falsas sobre o sistema eleitoral ou informações falsas sobre política." 

(10) Cruze os dados

É possível cruzar dados públicos de campanhas políticas com dados fornecidos por plataformas de Big Tech. Tanto o Google quanto a Meta têm bibliotecas de anúncios, por exemplo, que os jornalistas podem usar para verificar os gastos declarados por indivíduos ou empresas.

"No caso de propaganda na internet, somente o candidato ou [seu] partido podem pagar a plataforma para promover conteúdo político. O que nós vimos [no Brasil] foi pessoas fazendo anúncios contra o candidato X em favor do candidato Y", disse.

(11) Siga o dinheiro

Protestos com pautas antidemocráticas explodiram no Brasil depois das eleições de 2022. Muitos dos organizadores dos protestos receberam recursos de empresários poderosos.

Ao seguir o dinheiro, jornalistas podem identificar os agentes que ajudam a organizar — neste caso — os protestos, quem recebeu as doações, e então entrar em contato com essas pessoas.

(12) Monitore tribunais e órgãos de controle

Jornalistas, acadêmicos e verificadores de fatos devem monitorar as ações dos tribunais bem como dos órgãos de controle do governo para orientar suas investigações.

"Quem supervisiona isso, além de jornalistas, acadêmicos e verificadores de fatos?", disse Campos Mello. "Um ponto interessante para observar é como o sistema judiciário obedece às suas próprias regras  — se está cumprindo seu dever ou não."

(13) Tenha cuidado ao fazer uma investigação

Combater a desinformação nas eleições de 2022 no Brasil foi ainda mais desafiador do que em 2018. Há quatro anos, informações falsas circulavam em um número limitado de plataformas. Agora, há uma infraestrutura muito mais ampla. 

"Em 2022, a desinformação ficou mais ampla porque líderes políticos são mais influentes online com mais seguidores. Há uma grande quantidade de YouTubers e sites de notícias de baixa qualidade que se apresentam como fontes jornalísticas confiáveis e imparciais, bem como o TikTok, Kwai e outras plataformas de vídeos curtos", explicou Campos Mello.  

Esse ecossistema e as narrativas políticas que proliferam neles atingem fortemente o jornalismo profissional. "Os jornalistas são os principais investigadores de campanhas de desinformação e também um dos principais alvos", disse Campos Mello. "Temos que ter cuidado."


O programa Disarming Disinformation é gerenciado pelo ICFJ com recursos da Scripps Howard Foundation, organização filiada ao Scripps Howard Fund, que apoia os esforços beneficentes da The E.W. Scripps Company. O projeto de três anos vai empoderar jornalistas e estudantes de jornalismo para combater a desinformação na mídia.    

Foto por Michal Matlon via Unsplash.