Como identificar quem financia desinformação

Dec 14, 2022 em Combate à desinformação
Man holding money

Sites que são facilitadores da desinformação frequentemente empregam uma combinação de fontes de receita. Ao identificar essas fontes de lucro, jornalistas podem encontrar os responsáveis e traçar as redes por trás do financiamento do conteúdo falso online. Identificar quem perpetua a desinformação é vital para desmascarar mentiras e desvendar a verdade.

"Antes, pensava-se que a desinformação era orgânica, mas hoje percebemos que ela é organizada com objetivos muito específicos em mente", diz Rosental Alves, diretor e fundador do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, em sua fala no lançamento da nova iniciativa do ICFJ, o projeto Desarmando a Desinformação.   

Na primeira das quatro aulas especiais realizadas em parceria com o Knight Center, Craig Silverman, repórter da ProPublica, falou sobre os fundamentos para identificar anúncios online relacionados à desinformação e o mapeamento dos financiadores por trás deles.

Fontes de receita das publicações de desinformação

Anúncios em banners e de conteúdo são os dois tipos mais comuns de publicidade digital. Os anúncios em banner aparecem nas laterais ou bordas de um site, enquanto os anúncios de conteúdo são aqueles formatados para se parecerem com o conteúdo de um site. Estes últimos normalmente são estruturados como um artigo, com uma manchete e uma foto.

Ambos os tipos de anúncios são inseridos em um processo de leilão automatizado chamado de publicidade programática, no qual os anúncios têm como alvo os usuários, com base em detalhes obtidos no histórico de buscas dos mesmos. O resultado desse sistema intermediário, explicou Silverman, é que "os anunciantes frequentemente não estão cientes de onde os seus anúncios podem aparecer."

O conteúdo patrocinado é um tipo tradicional de publieditorial; é apresentado como um conteúdo editorial, mas rotulado como um anúncio com a divulgação de quem é o anunciante. Normalmente presente no conteúdo patrocinado, os links de afiliados direcionam para sites onde é possível comprar produtos. O site que contém o link recebe um pagamento, em um sistema baseado em comissões. "Eles são diferentes da publicidade programática por causa da relação direta entre o conteúdo patrocinado e a publicação", disse Silverman.

Sites, dentre eles os que propagam desinformação, tipicamente usam outras formas de financiamento também. Elas incluem ecommerce, através da qual os sites vendem merchandise e produtos de saúde, doações dos leitores e programas de assinatura que oferecem à audiência conteúdo exclusivo mediante pagamento. Esta última fonte pode facilitar conteúdos que driblam os verificadores de fatos, devido à relação direta da receita. 

Por fim, através de financiadores ocultos, indivíduos, empresas e Estados podem financiar uma causa de interesse sem revelar a identidade dos mesmos. Isso não deixa vestígios na internet para que investigadores rastreiem a fonte. "A última fonte de receita, os financiadores ocultos, é a mais difícil de acompanhar porque fica escondida", disse Silverman. "O dinheiro vem de fontes desconhecidas." 

Dicas para investigar

Ao começar a busca pelos responsáveis por financiar a desinformação online, é preciso primeiro identificar quaisquer anúncios nos sites em questão e determinar suas origens, disse Silverman.

No caso dos anúncios em banner, "busque por um triângulo pequeno no canto superior direito e clique nele para ver a rede de anúncios que o colocou no site", ele explicou. "É com quem o site está trabalhando para ganhar dinheiro."

Silverman continuou: "Para analisar doações, observe o serviço de processamento de pagamentos que está sendo usado (Pay Pal, por exemplo), clicando no link de doação para ver se ele revela mais sobre o nome, a empresa ou indivíduo solicitando dinheiro, e colete possíveis contatos para construir uma rede a ser usada na investigação." Para encontrar o ecommerce, busque por links de produtos no site. Quando encontrá-los, investigue mais a fundo para descobrir "quem está fornecendo a loja online e quais produtos estão sendo vendidos", disse. 

Financiadores ocultos impõem um grande desafio, alertou Silverman. Ele notou, no entanto, que há formas de detectar financiamentos secretos. Sites que têm fontes de receita ocultas podem não ser monetizados ou não ter ajuda financeira expressa o suficiente para sustentar sua produção, equipe e operações. Essa "incompatibilidade de recursos", explicou Silverman, "explica que o financiamento está vindo de fontes menos óbvias".

Para obter mais informações sobre o financiamento de uma organização, ele sugeriu que os investigadores conversem com ex-funcionários, contratantes ou colaboradores que possam ter contribuições valiosas. Encontrar documentos de uma organização, como registros corporativos, vai permitir que os jornalistas identifiquem entidades ou proprietários que possam ter ligações com ou serem os financiadores diretos.

Para mergulhar ainda mais fundo nas fontes de um anúncio, os investigadores devem verificar o arquivo ads.txt do mesmo e prestar bastante atenção aos registros diretos para ver quais parceiros estão listados. Silverman também destacou ferramentas de navegadores que podem escanear sites e detectar o tipo de tecnologia de anúncios usada, o que pode ajudar a acelerar o processo investigativo. Dentre elas estão o plug-in Ghostery, que ajuda a identificar anúncios e seus laços financeiros; e o Blacklight, do The Markup, que escaneia os parceiros de anúncios de um site e a tecnologia usada por eles.

Os investigadores precisam desativar os bloqueadores de anúncios ao realizarem esse tipo de pesquisa para que possam ver todos os anúncios em um site. Do contrário, alguns anúncios podem ficar de fora. Silverman ainda sugeriu que os investigadores façam a pesquisa usando também os perfis ou contas de seus colegas e de outras pessoas para levar em consideração os anúncios mostrados a eles. Os navegadores que cada um usa e seus históricos de busca individualizados vão gerar uma seleção única de anúncios, consequentemente ampliando o acesso a dados. 

Silverman concluiu com alguns pontos adicionais. Ao fazer a investigação, é crucial observar o que um site está vendendo ou promovendo, para distinguir entre relação direta e anúncios intermediários, e identificar se há esforços para ocultar as fontes de receita. Fique de olho também nas tendências que podem ajudar a ligar os pontos que demonstrem provas de ação coordenada entre os financiadores de desinformação. 


A iniciativa Desarmando a Desinformação do ICFJ tem duração de três anos e foi lançada em reação ao problema crescente da informação falsa que circula deliberadamente no jornalismo e em diferentes mídias, diminuindo a confiança das pessoas em repórteres que buscam a verdade, e o incessante combustível financeiro por trás disso. 

Foto por lucas Favre no Unsplash.