O que está funcionando no mundo para salvar o jornalismo

Jan 31, 2022 em Sustentabilidade da mídia
A stack of newspapers.

Em dois anos de pandemia de COVID-19, veículos jornalísticos grandes e pequenos continuam enfrentando sérios desafios: fluxos de receita instáveis, comportamento de leitores em constante mudança e repressão descarada de governos. Com a persistência da pandemia, os efeitos de medidas emergenciais e esforços de sustentabilidade de longo prazo — sejam eles bem sucedidos ou não — começam a se desenrolar para o jornalismo em todo o mundo.

Em um novo estudo publicado pela Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha,  "Salvando o Jornalismo 2: Estratégias Globais e um Olhar para o Jornalismo Investigativo", nós mergulhamos nas intervenções que obtiveram progresso e em quais necessidades ou obstáculos ainda persistem. O estudo aprofunda uma pesquisa de 2021 que analisou o desdobramento inicial de várias intervenções para apoiar o jornalismo, abrangendo filantropia, novos modelos de negócios, taxação de plataformas de tecnologia e subsídios públicos.

Confira na sequência alguns pontos principais e comentários de líderes do setor entrevistados para o estudo.  

Exigir que plataformas de tecnologia paguem veículos jornalísticos: o precedente legal da Austrália

Em fevereiro de 2021, a Austrália aprovou o Código de Negociação do Jornalismo, que exige que as empresas de tecnologia — particularmente a Meta, empresa que detém o Facebook, e o Google — paguem os veículos por conteúdo jornalístico publicado nessas plataformas. Embora o acordo oficial tenha sido mantido em segredo, Rod Sims, presidente da Comissão Australiana da Concorrência e do Consumidor, estima que os veículos jornalísticos na Austrália receberam no mínimo 200 milhões de dólares australianos.

Apesar do lobby e ameaças consideráveis das duas gigantes da tecnologia de encerrarem as atividades no país, o economista-chefe do Instituto Austrália, Richard Denniss, disse que o Código de Negociação do Jornalismo funcionou. "O Google e o Facebook não deixaram a Austrália, como tinham ameaçado. Muito dinheiro mudou de mãos e muitos empregos no jornalismo foram anunciados. Isso prova que não foi o fim do mundo."

O Código, no entanto, não beneficiou todas as empresas jornalísticas igualmente, observa Denniss. "O Código não tem nada de igualitário. O Google e o Facebook foram forçados a negociar e empresas maiores estão recebendo muito mais dinheiro do que as menores."

Essa discrepância reflete uma tensão persistente entre veículos grandes e estabelecidos e empresas menores e de nicho. Embora o financiamento do jornalismo tenha aumentado nos últimos anos, empresas maiores e tradicionais têm frequentemente se beneficiado mais desses novos programas ou políticas. Um desafio chave ao criar políticas públicas eficazes é dar atenção a uma gama ampla — e por vezes concorrente — de necessidades dos veículos grandes e dos pequenos e locais.

Para além da Austrália, a ameaça de novas medidas legais forçou o Facebook e o Google a dedicarem mais financiamento ao jornalismo em países que buscam adotar sua própria versão do Código australiano. Na França, o Google concordou em pagar mais de US$ 76 milhões a 121 veículos franceses ao longo de três anos, além de uma multa de US$ 593 milhões por não negociar honestamente com as publicações. No Canadá, a Meta anunciou um investimento de três anos no valor de 8 milhões de dólares canadenses para apoiar o jornalismo no país, além de uma parceria com 18 publicações em uma iniciativa para "contribuir com a sustentabilidade de longo prazo do jornalismo no Canadá."

Reconhecendo que esses pagamentos da Meta e do Google foram melhores do que pagamento nenhum, especialistas entrevistados ressaltam que um imposto sobre as empresas de tecnologia seria uma abordagem mais efetiva do que o Código imperfeito da Austrália. Impostos adicionais sobre essas empresas, ou publicidade online, com uma parte da receita destinada para o apoio ao jornalismo cívico e de qualidade, ofereceria uma supervisão mais transparente e independente sobre esses recursos, afirmam. "Um imposto sobre o Google e o Facebook teria sido melhor, o governo conservador não vai taxar o Google e o Facebook", disse Denniss. "Tivemos uma oportunidade única de pressionar essas empresas em escala global."

Como alternativa, no lugar de impostos, Andrew Jaspan, do The Conversation, propõe "um acordo voluntário com o Google e o Facebook para que eles paguem uma 'taxa' para um fundo independente", que iria se dedicar a lacunas do mercado, como cobertura de notícias regionais ou em áreas rurais, órgãos do Judiciário, polícia, governos locais e reportagem especializada em tópicos como ciência, saúde e meio ambiente. 

Créditos fiscais e medidas governamentais: França e Indonésia

Na França, o governo aprovou um crédito fiscal único em julho de 2020 para que assinantes de publicações apoiassem a mídia em crise com receita extra. Porém, o crédito só entrou em vigor em maio de 2021, quase 10 meses depois. Ele complementou uma gama ampla de medidas emergenciais, esforços econômicos transversais e um plano de recuperação no valor de 483 milhões de euros.

Embora as medidas tenham de fato ajudado a sustentar as publicações que passavam por dificuldades, um relatório do Senado francês clamou por uma mudança filosófica na indústria para que ela se adapte às mudanças constantes nos hábitos do leitor e reduza a contínua dependência de financiamento público, que é um risco à independência da mídia. Antes do plano de recuperação, o auxílio público ao jornalismo já representava mais de 20% da receita do setor — um aumento de 6% ao longo da última década. Conforme enfatiza o relatório, é necessária uma grande evolução para evitar que a ajuda pública ao jornalismo se torne um receita cada vez mais vital que mascara problemas estruturais e profundos ligados à queda na distribuição e uma ênfase exagerada no jornalismo impresso em vez do jornalismo digital. 

Na Indonésia, conforme relata meu colega Matthew Reysio-Cruz, o governo anunciou um estímulo ao jornalismo em julho de 2020 com créditos fiscais e subsídios diretos. As políticas extinguiram o imposto adicional para jornais impressos, suspenderam a cobrança de energia elétrica para a mídia, diminuíram os impostos empresariais em 50% e isentaram do imposto de renda empregados que recebem até 200 milhões de rúpias indonésias (US$ 14.000) no ano. Além disso, o governo subsidiou os veículos com pagamentos diretos, condicionados à publicação mensal de um número determinado de reportagens sobre a COVID-19, como distanciamento social, higienização das mãos e uso de máscaras.

Essas políticas foram controversas. Enquanto alguns atribuíram a elas a salvação do jornalismo na era pandêmica, outros questionaram a influência direta do governo em quais assuntos teriam cobertura. M. Taufiqurrahman, editor-chefe do The Jakarta Post, o maior jornal diário da Indonésia publicado em inglês, considera que a injeção de recursos como contrapartida de conteúdo foi útil para o veículo. "Do ponto de vista organizacional, isso nos ajudou a sobreviver durante a pandemia", diz.

Por outro lado, para Abdul Manan, ex-presidente da Aliança de Jornalistas Independentes, os subsídios do governo "não foram saudáveis" para o jornalismo. "O governo e a mídia são duas entidades diferentes com papéis diferentes. É muito importante ter uma separação clara", afirma.

Outros pontos importantes

Liberdade de imprensa em primeiro lugar

Ainda que sejam necessários mais recursos, eles não são suficientes sozinhos para manter o jornalismo de qualidade e independente. A dimensão mais importante de um ecossistema de mídia próspero deve ser o respeito à liberdade de expressão. "Sem o respeito aos direitos fundamentais e à liberdade de imprensa, não há recursos ou foco no futuro que garantam um jornalismo genuinamente independente", explica um estudo recente do Fórum de Informação e Democracia.

Para ter escala, apoio público e vontade política são vitais

Investimentos altos são necessários para o crescimento de qualquer negócio; não é diferente no jornalismo. Programas eficazes e com apoio público não são simples e é preciso haver reconhecimento público da necessidade do jornalismo como um bem público. Nos Estados Unidos, o estado de New Jersey reuniu um grupo de universidades públicas e fundações para criar o Consórcio de Informação Cívica — o primeiro do tipo no país — que vai destinar financiamento público para lidar com os desertos de notícias e desinformação no estado. Depois de fornecer US$ 500.000 em subsídios em 2021, o consórcio vai aumentar seus recursos em 2022.

Transformando o jornalismo do zero

Para Angelica Das, diretora associada do Fundo para a Democracia, desenvolver a confiança e fornecer aos leitores a informação que eles verdadeiramente precisam é crítico. "Não há uma única ferramenta ou processo para salvar ou transformar o jornalismo, mas sim uma necessidade de mudar o roteiro e partir do zero", diz. "Você está ganhando confiança? Você é inclusivo? Você é culturalmente relevante? Você está satisfazendo necessidades básicas de informação? Se você não está satisfazendo as necessidades básicas do dia a dia, então você não consegue construir uma audiência para o jornalismo ou gerar receita."


Foto por Thomas Charters no Unsplash.