Quando o CIPER foi selecionado para o Fundo Velocidad, o programa que tinha permitido ao veículo recompor suas receitas dava os primeiros passos. Depois de ter perdido, no final de 2018, 90% de seu financiamento, que vinha do Grupo Copesa, uma holding de mídia do Chile, a equipe do CIPER decidiu buscar apoio dos seus leitores. Com essa ideia, a primeira etapa de aceleração no Velocidad os permitiu fazer uma análise geral e começar a trabalhar em frentes distintas.
O modelo se tornou mais robusto com a criação de uma área de sustentabilidade, um planejamento para as redes sociais, treinamento sobre linguagem digital, desenvolvimento de SEO e implementação de seu software de gestão de relacionamento com clientes (CRM, em inglês). E com a segunda etapa da aceleração viria o desafio de consolidar todo esse avanço, especialmente o fortalecimento da área de sustentabilidade.
O caso do CIPER é um grande exemplo sobre como uma publicação com compromisso social e rigor jornalístico pode garantir sua sobrevivência pensando um pouco mais além do que se faz estritamente de conteúdo.
A comunidade como peça fundamental do modelo
O CIPER chegou ao Velocidad com 1.500 membros e na primeira etapa de aceleração (março a setembro de 2020) aumentou esse número em 81%, ao superar os 2.900. A Comunidad +CIPER oferece uma filiação que dá acesso a encontros com os jornalistas da publicação, conversas com especialistas e alertas antecipados das investigações. Não há restrição do conteúdo para aqueles que não colaboram financeiramente. Dessa forma, o CIPER cria um laço de compromisso mútuo com a sociedade civil e com quem tem a possibilidade de se tornar um membro, sem tornar seus conteúdos exclusivos ou propriedade de um setor.
Apesar de ter identificado e comprovado o apoio de sua comunidade, o CIPER tinha o desafio de criar uma estrutura que garantisse um esquema de crescimento. Atualmente, 70% das receitas do veículo vêm do programa de membros, treinamentos, venda de conteúdos para terceiros e doações.
Para conseguir isso, uma das primeiras recomendações feitas pela equipe da aceleradora foi a criação de cargos especificamente focados na sustentabilidade. Outros profissionais se juntaram à equipe liderada pelo diretor Pedro Ramírez e pela editora da comunidade +CIPER, Claudia Urquieta. Marcelo Silva entrou na equipe no início da Fase 1, dedicando-se a apoiar a criação desse setor, organizando inicialmente as tarefas administrativas e a projeção financeira. E, na Fase 2, foram contratados Manuel Vargas como gerente de produto, Francisca Soto, como assistente do programa de membros, e Rocío Palacios, como assistente administrativa. Hoje há seis pessoas trabalhando com foco na sustentabilidade, três em tempo integral e três em meio período. Isto garantiu um olhar transversal sobre os processos que o CIPER atravessou ao longo dos meses em que sua estrutura foi repensada. Como aconteceu com outros meios de comunicação acelerados pelo programa, a criação desta equipe permitiu um melhor acompanhamento das finanças do CIPER, com mais projeção e planejamento.
A este crescimento nos recursos humanos acrescentou-se o crescimento em tecnologia. A equipe desafiou sua própria forma de ver os processos dentro da publicação: se queriam administrar o programa de membros da forma adequada, tinham que deixar para trás os métodos artesanais e mudar para um sistema que permitisse isso. Foi assim que o CIPER conseguiu estruturar um CRM desenvolvido especialmente para se ajustar às suas necessidades como meio e àquelas do vínculo com sua comunidade.
Com o desenvolvimento do programa de membros como meta dentro do Velocidad, o CIPER recebeu consultorias táticas para conhecer melhor essa comunidade que o apoiava. Para isso, o treinamento em métricas e audiências se tornou central e ajudou muito o trabalho de Constanza Pastor, a responsável pelas redes sociais. "Não fazíamos isso, víamos nossos seguidores, não tínhamos nenhuma estratégia. Isso nos permitiu perceber a necessidade de criar um perfil dos membros com dados duros. Estamos terminando de redesenhar o site e este desenho inclui a fórmula para acompanhar nossos membros onde eles forem", explica Claudia Urquieta.
Através do Velocidad, o veículo também incorporou a mentalidade de produto para a publicação de suas matérias. Dessa forma, o CIPER incluiu em seu processo de trabalho interno uma série de reuniões entre as áreas de sustentabilidade, redes sociais e editorial para planejar os melhores formatos para interpelar a audiência.
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Cada matéria investigativa agora tem uma estratégia de publicação, acompanhada de uma campanha que busca incentivar a adesão de novos membros e outra de distribuição em outros canais para ampliar o impacto (entrevistas no rádio, TV, etc). Após as primeiras matérias divulgadas com essa estratégia, o CIPER conseguiu mais de 100 novos membros.
Com isso, e a partir de uma articulação estratégica entre o foco no produto e na sustentabilidade, em parceria com a redação, o CIPER conseguiu mais eficiência no momento de buscar e fidelizar sua audiência que posteriormente se tornará parte do programa de membros.
O valor do compromisso com a cidadania
Com a equipe fortalecida e dedicada a aumentar as adesões ao programa de membros, o CIPER propôs uma outra meta: alavancar esse apoio e assim diversificar suas receitas para além do programa de membros. Decidiram fazer um grande evento. "Uma das perguntas que surgem da sustentabilidade é, justamente, como gerar mais receita para a estrutura", disse Javier Borelli, consultor estratégico do CIPER na Fase 2. "Por isso aproveitamos o conhecimento e a visibilidade do CIPER em um momento de muita transformação social no Chile para promover discussões sobre temas centrais."
O evento online que se concretizou no dia 4 de setembro com o lema "O Chile mudou a página" propôs um intercâmbio com a audiência sobre temas chave da agenda política chilena em tempos de transformação da sociedade. Para realizá-lo, o CIPER convidou 15 especialistas, artistas e representantes de movimentos sociais, que debateram com a equipe do veículo temas da agenda política e social chilena, como impostos, gênero, acesso a recursos naturais e o avanço das drogas. Entre outros objetivos, o evento quis dar um gás nas receitas e aumentar o número de membros. O resultado superou as expectativas da publicação, que chegou a fazer consultorias específicas para convocar o público: o evento reuniu 785 pessoas, trouxe 21 novos membros para a comunidade e arrecadou US$ 3.400, superando a meta inicial em 15%. Porém, além dos números, isso permitiu ao CIPER consolidar o crescimento depois de meses de trabalho intenso na segunda fase do Velocidad.
Para o evento, o CIPER aplicou o mesmo conceito de membros que usa para o acesso aos seus conteúdos. Convidou as pessoas para participar colaborando com o que pudessem, com o objetivo de que ninguém ficasse de fora.
Outra forma de continuar a diversificação de receitas se concentrou na vertente de formação do CIPER, através da qual a equipe ensina seu "Método CIPER" não só a outros jornalistas como também a cidadãos. Fiéis ao seu compromisso com o acesso à informação pública e à participação cidadã nos processos sociais, a equipe de jornalistas do meio sempre apostou na democratização da informação em seu país. Desde como usar a lei de transparência até como exigir informação sobre os processos parlamentares, Claudia Urquieta explica que a prioridade para eles não é criar certificados somente para profissionais, mas sim entregar a todas as pessoas um kit de ferramentas para que qualquer um possa investigar com base em dados abertos. O lançamento da plataforma de cursos, facilitados por jornalistas ou ex-jornalistas do CIPER, foi projetado para a última fase do Velocidad, uma vez finalizado o evento.
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O futuro
Todos os esforços do CIPER desde o começo do Velocidad foram pensados para garantir sua continuidade jornalística sem sacrificar o conteúdo nem a perspectiva. É um veículo chileno com forte rigor jornalístico, com foco na reportagem rigorosa e na investigação. O CIPER tem um compromisso expresso com a sociedade civil, a transparência, a luta contra a corrupção e a defesa dos direitos humanos. Atualmente conta com uma equipe de cinco jornalistas investigativos: Nicolás Sepúlveda, Benjamín Miranda, Nicolás Massai, Macarena Segovia e Paulina Toro, sob a edição de um de seus cofundadores, Pedro Ramírez. Está longe de ser um veículo de notícias diárias, e está ancorado fortemente no impacto comunitário e social de seu trabalho.
Todo crescimento traz um desafio central: garantir que o progresso seja mantido, que não se vacile, que ele não diminua. Tanto a equipe do Velocidad como do CIPER mencionam que a meta para o veículo agora é continuar de maneira autônoma aquilo que conseguiram fazer graças ao apoio da aceleradora e de seus especialistas. Este desafio tem quatro intenções concretas: manter a equipe que foi formada e os novos processos que foram incorporados, aprofundar as trocas no fluxo de trabalho de modo a permitir uma gestão interna mais eficiente, diversificar as receitas para além do programa de membros (com o evento e também cursos) e alcançar os seis mil membros para sustentar a receita gerada pela comunidade.
A expectativa é garantir uma estrutura sustentável para o trabalho diário que permita continuar com o compromisso com a sociedade civil e os direitos no Chile. "Não queremos ficar estagnados nem fazer sempre a mesma coisa: já temos ideias que queremos colocar em prática e estratégias para desenvolver no ano que vem", disse Claudia. Quatorze anos de trabalho e uma reinvenção radical comprovam: o CIPER é o exemplo de um meio de comunicação que nunca fica no mesmo lugar.
Foto cortesia: CIPER.
Este artigo é parte de uma série sobre meios de comunicação acelerados pelo Velocidad, um programa implementado pelo ICFJ, organização responsável pela IJNet, e SembraMedia, com o apoio da Luminate.