Vamos repensar o significado da objetividade no século 21

Feb 15, 2022 em Jornalismo básico
Magnifying glass

Vivemos atualmente em um ecossistema de jornalismo no qual a personalidade é valorizada talvez mais do que nunca. Cada vez mais, há a expectativa de que nós, profissionais de mídia, ofereçamos reações imediatas e comentários quando uma notícia surge.

Em seu artigo de previsões para 2022 para o Nieman Lab, Julia Munslow, do The Wall Street Journal, explicou como a geração Z valoriza a autenticidade. É uma das razões pelas quais essa população mais jovem confia mais em influenciadores do que em jornalistas tradicionais. Para muitos, autenticidade significa perspectivas cheias de opinião em vez de reportagem baseada em fatos.

Figuras da direita têm explorado melhor do que ninguém a crescente ênfase colocada na personalidade no jornalismo. Vozes de destaque, muitas das quais são irresponsáveis diante de fatos, construíram uma legião de seguidores maior do que muitos jornalistas famosos. Ao mesmo tempo, muitos criticaram legitimamente a mídia tradicional pelo uso dos "dois lados do jornalismo" e o fracasso em encarar de frente a desinformação incitada pela direita.

Fazer jornalismo hoje não significa ter que deixar a objetividade para trás, mas sim repensar o que ela significa exatamente — talvez, focar mais em honestidade em vez de uma certa noção ambígua do que a objetividade possa envolver. Eu conversei com três jornalistas sobre seus pontos de vista em relação à objetividade e como eles lidam com o contexto atual.  

Valorize os fatos

Pontos de vista que são baseados em fatos devem ganhar espaço. Pegue o exemplo da crise climática. A maioria esmagadora — 99% — dos cientistas e especialistas concorda que a mudança climática está acontecendo, que o ser humano está contribuindo com a situação e que é uma ameaça à existência do planeta. O 1% que argumenta contra isso não baseia seu posicionamento em fatos, mesmo assim essa porção frequentemente recebe o mesmo espaço para expor suas alegações sem fundamento. Não faz sentido facilitar a discussão sendo que ela normaliza informação enganosa.

"Estamos em condições de assumir a ideia de que não há dois lados. Não há dois lados sobre a mudança climática; não há dois lados sobre a democracia; não há dois lados sobre o racismo", diz Ali Velshi, âncora da MSNBC que também já trabalhou na CNN e Al Jazeera.

O ponto de vista de Velshi é reforçado por Peter Sterne, editor-chefe do New York Focus e fundador da U.S. Press Freedom Tracker. "O trabalho de um repórter não é obter aceitação, mas sim apresentar os fatos. Se um lado está dizendo 'esses fatos que você trouxe não nos agradam, não vamos acreditar neles', você tem um lado que pode dizer 'esses fatos não me agradam, mas eles são o que são'", diz Sterne.

O consenso entre os jornalistas com os quais conversei é que os repórteres devem apresentar fatos e incluir vozes tipicamente excluídas no lugar daqueles que incitam alegações falsas sem respaldo na realidade. "Eu acho que o trabalho de um jornalista é confortar os afligidos, o que significa observar quem são as pessoas relativamente com menos poder na sociedade e quais grupos geralmente não têm suas preocupações aceitas e respeitadas e assegurar que essas vozes estejam no centro das coisas", acrescenta Sterne. 

Dar espaço e ter empatia

No contexto hiperpartidário atual, é fácil interromper o diálogo. O desafio para os jornalistas é como podemos, antes de tudo, explorar os sistemas que radicalizam as pessoas e as fazem cair em teorias da conspiração absurdas e abraçar ideologias de ódio. Essas questões têm origem em uma vulnerabilidade muito real. Ignorar a raiz do problema não ajuda ninguém.

Há uma diferença, porém, entre ouvir quem apoia ideologias e ações danosas e dar espaço que permita a disseminação das mesmas.

"Qual a diferença entre ouvir pessoas com o propósito de ter empatia e validar ou dar espaço a elas? Eu acho que há diferenças. Há pessoas com as quais você tem que ter bastante cuidado para dar espaço porque elas são disseminadoras profissionais de desinformação", acrescenta Velshi, apontando para vozes como a do ex-funcionário do governo Trump Peter Navarro, que espalhou desinformação ativamente nas principais redes de TV e publicações. 

Linguagem direta

O jornalismo baseado em fatos poderia tirar uma página do manual de redação de opinião: use uma linguagem inequivocamente clara. Se uma medida é racista, chame-a de racista. Se uma declaração é inverídica, chame-a de mentira. Linguagem passiva minimiza a possível gravidade de uma questão.

O jornalismo deve sempre ficar do lado dos fatos. Se um lado do debate está optando por não se alinhar a isso, os jornalistas não devem dar a esse lado um espaço igualitário.

Molly Jong-Fast é uma colunista do The Atlantic conhecida por ter um ponto de vista bem franco e com tendências liberais. Ainda que o posicionamento dela seja parcial, a abordagem direta que ela usa pode servir de lição para todo jornalista.

"Você não consegue ser apartidário quando se trata de democracia, e é aí que muitas pessoas se complicam. Além disso, como é uma imprensa livre em uma autocracia? Ninguém sabe", diz Jong-Fast.

Ela reconhece que há uma linha tênue entre ser direto e parecer condescendente e, consequentemente, tendencioso. "Certamente isso faz muita gente pensar que as pessoas estão sendo tendenciosas, e acho que isso às vezes é verdade e na maioria das vezes não é." 

No fim das contas, o trabalho de um jornalista é fazer com que pessoas e instituições prestem contas — com fatos e honestidade.


Foto por Markus Winkler no Unsplash.