No dia 7 de outubro, às 11h da manhã em ponto no horário de Oslo, o presidente do Comitê Nobel abriu as portas do Instituto Nobel da Noruega para anunciar, diante de ansiosos jornalistas de veículos estrangeiros, o laureado deste ano com o prêmio da paz.
No ano passado, Berit Reiss-Andersen anunciou que o prêmio da paz de 2021 seria concedido à jornalista filipina Maria Ressa e ao jornalista russo Dmitry Muratov por seus "esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma precondição para a democracia e paz duradoura". Foi uma decisão anunciada como uma vitória para a liberdade de imprensa no mundo todo. O prêmio veio num momento em que jornalistas estavam sob ataque crescente, incluindo em países normalmente considerados democráticos e pacíficos. Em um ponto da história em que mentiras e desinformação poluem nossas esferas públicas, estados agem de forma extraterritorial para silenciar jornalistas em atos de brutalidade assustadora, com jornalistas mulheres particularmente expostas ao ódio e intensa violência online, este prêmio foi simbolicamente importante e também visionário.
A crescente relevância do prêmio de 2021
Um ano depois, a relevância do prêmio de 2021 ganhou impulso adicional. No contexto da invasão da Rússia à Ucrânia em 24 de fevereiro, é notável como partes do raciocínio do Comitê Nobel podem ser vistas como um prenúncio do que estava por vir: "o jornalismo livre, independente e baseado em fatos protege contra o abuso de poder, mentiras e propaganda de guerra."
Quando Dimitry Muratov, editor do jornal independente russo Novaya Gazeta, foi anunciado como um dos vencedores do Prêmio Nobel da Paz, ele aceitou o prêmio em nome de seis bravos colegas mortos desde que o jornal foi criado, em 1993. A mais famosa delas, sem dúvida, foi Anna Politkovskaya. A repórter investigativa cobriu a guerra da Chechênia, focando na corrupção e no sofrimento da população local. Politkovskaya foi morta a tiros quando voltava para casa depois do trabalho no dia 7 de outubro de 2006. Em entrevistas, Muratov conta como a mesa de Politkovskaya ainda está no canto da redação da Novaya Gazeta, exatamente como ela a deixou 16 anos atrás.
Nos primeiros dias após a invasão da Rússia à Ucrânia, a voz de Muratov era distinta em um contexto cada vez mais sombrio. Uma nova lei de mídia tinha sido aprovado na Rússia, ameaçando prender jornalistas por até 15 anos por espalhar "notícias falsas" sobre os militares russos. Em um movimento repugnante para a verdade, palavras como "invasão" e "guerra" foram banidas e jornalistas russos foram obrigados a descrever o conflito na Ucrânia como uma "operação militar especial". Uma semana após a invasão, a Novaya Gazeta publicou a seguinte mensagem em ucraniano e russo: "Nós nunca vamos reconhecer a Ucrânia como um inimigo ou o ucraniano como a língua do inimigo."
Pouco depois, o jornal foi forçado a deletar todo o material sobre a guerra em seu site.
Por fim, Muratov decidiu leiloar sua medalha do Prêmio Nobel e deu todo o dinheiro arrecadado a refugiados ucranianos. Três décadas antes, o vencedor do Nobel da Paz de 1990, Michael Gorbachev – o último presidente da União Soviética – usou parte do dinheiro que recebeu com o prêmio para ajudar no estabelecimento da Novaya Gazeta. Gorbachev morreu no fim de agosto. Na mesma semana em que ele foi enterrado, um tribunal de Moscou revogou a licença que a Novaya Gazeta tinha para funcionar dentro da Rússia, e efetivamente pôs fim a qualquer possibilidade de o jornalismo independente ser feito no país.
A responsabilidade das empresas globais de tecnologia
A desinformação viral também é uma arma da guerra moderna e é esse desastre contra o qual Maria Ressa luta diariamente. Como cofundadora e CEO do Rappler, que está na linha de frente da luta pela liberdade de imprensa nas Filipinas, Ressa provou ser uma defensora destemida dos fatos, da verdade e da liberdade de expressão. Ela esteve à frente da exposição de manipulações nas redes sociais ligadas ao governo e supervisionou investigações de assassinatos extrajudiciais associados à chamada "guerra às drogas" do ex-presidente Rodrigo Duterte. Ao mesmo tempo, ela enfrentou perseguição legal implacável, que resultou em várias prisões, condenação por uma acusação forjada de difamação cibernética criminal e seis outros processos em andamento que, juntos, podem deixá-la presa por 100 anos. Enquanto isso, o Rappler enfrenta uma ordem judicial de fechamento.
Maria Ressa é alvo de uma enxurrada online de violência de gênero e é uma das únicas 18 mulheres a receber o Prêmio Nobel desde sua criação 120 anos atrás. Apenas seis dessas mulheres foram reconhecidas individualmente. Ela considera as empresas de redes sociais cúmplices da crise global de desinformação que enfraquece a democracia e alimenta ataques à imprensa. Ela também considera o Facebook parcialmente responsável por sua própria situação. Em seu discurso de aceitação no dia 10 de dezembro do ano passado, ela asseverou que as grandes empresas de tecnologia praticam "capitalismo de vigilância". Ela afirmou que as empresas que controlam nossa informação distorcem fatos e foram feitas para nos dividir e nos radicalizar.
Há algumas semanas, a corajosa jornalista e CEO do Rappler esteve em Oslo novamente para discursar no Centro do Nobel da Paz. Lá, ela alertou que o mundo tem até 2024 para reverter a erosão da democracia antes de atingir um ponto crítico. Ela expressou grave preocupação com as consequências das eleições na Itália (vencida pela candidata de extrema-direita), no Brasil (onde o resultado ainda está em aberto), Turquia, Indonésia e Índia, bem como a eleição presidencial dos Estados Unidos em 2024. Em cada um desses casos, o desafio existencial da desinformação viral, redes de conspiração e exploração geopolítica das plataformas de redes sociais ameaçam mergulhar o planeta no "mundo invertido" – uma distopia antidemocrática que lembra o assustador universo paralelo de Stranger Things.
Em busca de soluções
Mas Ressa mantém a esperança de que nós podemos mudar o futuro se pudermos consertar nosso ecossistema de informação que se alimenta de divisão e cria sociedades polarizadas, raivosas, amedrontadas e receptivas a líderes intolerantes. Devemos pressionar pela responsabilização das grandes empresas de tecnologia, para as quais emoções como o medo e a raiva geram mais "tráfego" e, portanto, rendem mais dinheiro. Devemos buscar conhecimento verdadeiro e nos posicionarmos para que as opiniões extremas e aqueles que gritam mais alto não sejam os únicos a definir a agenda. Ressa enfatiza a necessidade de retornar às notícias baseadas em fatos e mediadas editorialmente nestes tempos perigosos.
É crucial encontrar soluções para os desafios causados pelas fraquezas do sistema de informação. Isso vai definir quais oportunidades teremos para a paz. Um ano após a decisão do Comitê Nobel de conceder o prêmio da paz a Ressa e Muratov, os dois laureados continuam com um brilho radiante.
Este artigo foi originalmente publicado pela organização-mãe da IJNet, o Centro Internacional para Jornalistas.
Imagem por Florian Pircher via Pixabay.