Startup oferece jornalismo de serviço para pessoas em zonas de conflito

por Sarah Scire
Oct 12, 2022 em Reportagem de crise
Protest for stopping the war in Ukraine. Photo by <a href="https://unsplash.com/@iamphilbo?utm_source=unsplash&utm_medium=referral&utm_content=creditCopyText">Philbo 🇺🇦</a> on <a href="https://unsplash.com/s/photos/russia-ukraine?utm_source=unsplash&utm_medium=referral&utm_content=creditCopyText">Unsplash</a>

"Meu filho pode ser convocado. Estou em pânico. O que posso fazer?" "Posso cruzar a fronteira em um carro que não está registrado no meu nome?" "É verdade que não posso ser convocado para o exército se tiver muitas tatuagens?"

Estas são algumas das perguntas ansiosas que a Helpdesk.media tem recebido em sua central de ajuda. Nos últimos nove dias, a startup de jornalismo russa recebeu mais de 20.000 perguntas, de acordo com seu fundador. Uma equipe de cerca de 50 pessoas  — que trabalham remotamente e em escritórios em Riga, Kiev e Tbilisi — responde às questões de uma audiência que é aproximadamente 60% russa e 40% ucraniana.

"Somos uma equipe conjunta de jornalistas russos e ucranianos — uma situação única nas atuais circunstâncias", destaca o fundador Ilia Krasilshchik.

Ben Smith, cofundador da Semafor e ex-colunista do The New York Times, descreveu a Helpdesk como "jornalismo de serviço para pessoas em zonas de conflito" e classificou a startup de jornalismo como "um dos projetos de mídia mais interessantes originados do conflito na Ucrânia".

Além de operar uma linha direta, a Helpdesk publica matérias sobre a guerra da Ucrânia no Telegram e no Instagram. O número de pessoas recorrendo ao veículo independente para se informar é surpreendente. Krasilshchik diz que a conta do Helpdesk no Instagram está alcançando 2,5 milhões de pessoas por mês, enquanto o Telegram atinge 3 milhões por dia (o Telegram é uma das poucas plataformas que os russos podem acessar conteúdo jornalístico independente e é o aplicativo mais baixado no país nos últimos meses).

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Krasilshchik criou o que hoje é a Helpdesk logo após a guerra na Ucrânia começar (a versão em inglês do veículo se chamava War.evidence). Krasilshchik já foi editor do Meduza, um dos principais veículos independentes russos, e fez uma pausa no jornalismo para trabalhar com a empresa de tecnologia russa Yandex. 

"Eu entendi que a única coisa que posso fazer agora é voltar para a mídia", diz Krasilshchik.

Mas Krasilshchik diz que ele também queria ajudar as pessoas diretamente.

"E este é um conflito eterno: você não consegue combinar jornalismo e ativismo", diz. "Foi então que tivemos uma ideia: podemos lançar um projeto 2 em 1. A primeira parte vai consistir em conteúdo de mídia nas redes sociais (e temos 15 anos de experiência no melhor veículo russo para fazer isso bem). E a segunda parte vai ser a Helpdesk, lançada por especialistas em apoio profissional os quais eu conheço do meu tempo na Yandex. A segunda parte é ativismo puro. Mas de um jeito que ambas as partes ajudam uma à outra."

Como era de se esperar, as perguntas mais frequentes são sobre como evitar o alistamento obrigatório no exército russo. Quando o presidente Vladimir Putin anunciou a convocação militar, a Helpdesk prontamente publicou um guia online para evitar o recrutamento ("Lembre que você pode se esonder na Rússia e que a guerra pode ser muito mais perigosa que um processo criminal ou a prisão"). O guia foi rapidamente bloqueado pelo governo russo. Mesmo assim, a Helpdesk continua respondendo questões individualmente e publica atualizações regulares sobre a viabilidade de cruzar a fronteira em direção a países como a Finlândia, Noruega, Geórgia, Belarus, Mongólia, dentre outros.

Na semana passada, por exemplo, o canal da Helpdesk no Telegram recomendou evitar o controle alfandegário de Ozinki, no Cazaquistão, porque os viajantes estavam esperando até três dias na fila. A espera em Komsomolsky era mais curta — "cerca de um dia" apenas — mas os leitores foram alertados que a estrada após o controle alfandegário é "muito ruim" e que "faz muito frio" durante a espera.

Para aqueles que buscam respostas por estarem vivenciando sofrimento psicológico, os operadores da Helpdesk seguem um manual para oferecer ajuda. Se o operador perceber que a pessoa está apresentando tendências suicidas, ele pode oferecer ajuda psicológica profissional por meio de uma organização parceira. 

Além das contas nas redes sociais que estão em funcionamento hoje, Krasilshchik planeja lançar um aplicativo dentro de um mês para ajudar os chats da Helpdesk. 

"Não faz sentido lançar um site. A Rússia vai bloqueá-lo em questão de dias", diz Krasilshchik. "A internet na Rússia é rápida o bastante para fazer um chat, então não há problema. O objetivo principal é tornar essas conversas seguras."

Ele acrescenta que "foi por essa razão que construímos nosso próprio sistema de chat protegido por senha. Não temos nenhuma autenticação, é totalmente anônimo, você pode deletar suas conversas sempre que quiser. E deletamos automaticamente uma conversa inteira depois de sete dias de resolução do caso".

Por motivos óbvios, a Helpdesk não coleta nenhuma informação de identificação das pessoas que enviam perguntas. Krasilshchik não sabe a idade média, o gênero ou local das pessoas que buscam ajuda com a Helpdesk  — ele só sabe que muitas estão aterrorizadas.

A equipe da Helpdesk enxerga seu jornalismo — que inclui matérias em primeira pessoa sobre recrutamento involuntário e evidências gráficas de tortura em cidades ocupadas pela Rússia — como um funil que permite que mais pessoas descubram a linha direta da Helpdesk.

"O suporte nos permite entender o que está de fato acontecendo com russos e ucranianos, o que é realmente importante, porque praticamente não há mais jornalistas russos no país", diz Krasilshchik. 

Arrecadar fundos tem sido difícil porque a Visa e a Mastercard suspenderam as operações na Rússia, mas a organização pode receber dinheiro do ocidente, e já recebeu recursos da empresa de capital de risco North Base Media, com sede em Maryland. Ela arrecadou US$ 1,6 milhão até o momento, e Krasilshchik espera que o orçamento anual chegue a US$ 3 milhões.

"No momento, temos recursos o suficiente para alguns meses", diz Krasilshchik. "Mas depois que começou a convocação militar, tivemos que contratar mais pessoas, então precisamos urgentemente conseguir mais dinheiro."


Este artigo foi originalmente publicado pelo Nieman Lab e reproduzido aqui com permissão. 

Foto por Philbo 🇺🇦 via Unsplash.