A jornalista burkinabé Mariam Ouédraogo dedica-se à cobertura de guerra e suas consequências devastadoras para os civis no seu país natal, Burkina Faso.
Devido à sua série de reportagens nas quais documentou os horrores vividos pelas mulheres, incluindo estupro e ataques realizados por grupos terroristas do país do Oeste da África, ela se tornou a primeira mulher jornalista a vencer o prestigiado prêmio Bayeux Calvados-Normandy Award, em 2022.
Neste ano, Ouédraogo é vencedora do Prêmio Internacional de Jornalismo ICFJ Knight 2023, sendo celebrada por sua reportagem de impacto e comprometimento com a cobertura de questões sensíveis com tato.
Ouédraogo prioriza em seu trabalho as experiências e perspectivas de sobreviventes; ela acredita que o jornalismo deve centrar-se na humanidade. Mas isso pode ter um custo mental: Ouédraogo deu uma pausa no trabalho devido aos efeitos do transtorno de estresse pós-traumático. "Tenho focado em melhorar; isso se tornou parte da minha rotina", diz.
Durante uma sessão recente do Fórum de Reportagem de Crise do ICFJ em francês, Ouédraogo refletiu sobre sua cobertura das mulheres afetadas pelo terrorismo e compartilhou ideias e conselhos para realizar investigações sobre assuntos sensíveis. Ela discutiu como entrevistar com responsabilidade as pessoas sobre essas questões e deu recomendações sobre como jornalistas podem tomar conta de si mesmos ao longo do processo.
A seguir estão alguns dos pontos principais:
Defina seus objetivos
Ouédraogo busca, por meio de sua reportagem, "compreender e explicar melhor o fenômeno da violência sexual, revelar a extensão da violência e documentar as estratégias de sobreviventes."
Jornalistas devem estabelecer objetivos claros antes de ir a campo para reportar, ela aconselha. "É vital entender como abordar as vítimas, já que elas estão passando por uma dor imensa", diz. "Quando você está mergulhando em questões tão sensíveis, é crucial adaptar-se à realidade, exercer a paciência e demonstrar sensibilidade. Criar uma conexão diz respeito a manter uma conexão humana, não somente assumir o papel de um jornalista."
Ouédraogo usa essa abordagem para convencer seus editores da importância de seu trabalho. É uma tática que ela acredita que outros jornalistas podem empregar. "O abuso sexual segue sendo uma questão sensível na nossa sociedade, particularmente quando envolve atos cometidos por indivíduos armados", diz.
Ela conta como, depois de um ano de pesquisa e reportagem aprofundadas, que incluíram conversas até tarde da noite com suas fontes, ela derramou lágrimas junto com uma sobrevivente. Porém, ela aconselha os colegas a manterem certa distância emocional das fontes para evitar sobrecarregá-los mental e emocionalmente.
Depois de voltarem da reportagem em campo, jornalistas também devem dar a si mesmos tempo para se ajustar e refletir, acrescenta. "Tire um tempo para processar sua experiência, permita-se refletir e compreender sua relutância inicial em revisitar os relatos".
Investigue estrategicamente e com tato
Jornalistas devem incorporar uma diversidade de perspectivas na sua reportagem e métodos mistos de narrativas, segundo Ouédraogo. Por exemplo, considere apresentar a sua cobertura em uma série de artigos em vez de encaixar informação demais em um único texto. Essa estratégia a ajudou a conquistar o prêmio Bayeux Calvados-Normandy.
É fundamental mostrar respeito pelas fontes e proteger o anonimato delas quando necessário. Ela sugeriu considerar usar ilustrações nas matérias, ou fotos de sobreviventes tiradas de costas que impedem a identificação de características.
Ela encorajou os jornalistas a não hesitar em investigar o tema da violência sexual. "Persista na produção dessas matérias aprofundadas", diz Ouédraogo. "Mesmo que elas não gerem receita para a redação, elas estimulam decisões e provocam mudanças."
Mantenha a segurança física
Para contar essas histórias angustiantes, Ouédraogo se assegurou de sempre ouvir com atenção; mas houve momentos em que ela se viu perplexa diante de relatos de crueldade inimaginável. "Você vai se sentir impotente em algumas situações", alerta.
Antes de ir a campo, Ouédraogo continua, é importante consultar as autoridades para obter um entendimento abrangente dos seus arredores e tema. "Faça todos os esforços para assegurar as autorizações necessárias, desde que isso não prejudique a sua investigação."
Jornalistas devem ser flexíveis diante das mudanças nas condições em campo, ampliar sua rede de fontes e criar confiança, diz. "Evite chamar atenção indevida; às vezes, evitar o uso de credenciais ou coletes ajudar a se misturar melhor com o ambiente."
Jornalistas também devem estar cientes dos desafios que podem encontrar, e se planejar de acordo. Ouédraogo relembra como, em antigas reportagens, ela mergulhou na vida diária de mulheres forçadas a se prostituir para entender melhor as consequências que elas enfrentavam. "Sem chegar até o fim, eu pude me conectar com as pessoas que exploravam as mulheres estupradas por preços repugnantes", relembra.
Priorize sua saúde mental
Ouédraogo fez um hiato do seu trabalho depois de ser diagnosticada com trauma vicário devido à natureza de suas investigações.
"É uma necessidade porque o que você encontra em campo vai muitas vezes divergir significativamente das suas expectativas iniciais", diz. "Procure orientação de um profissional de saúde mental para prevenir quaisquer contratempos emocionais durante o trabalho."
Repórteres também devem levar em conta "a escassez de dados e limitações de recursos de tempo e financeiros, principalmente quando nossas redações não oferecem esses recursos."
Proteger as fontes durante o trabalho é fundamental. "Acerte no equilíbrio entre manter o anonimato e garantir a precisão para não produzir uma matéria sem autenticidade", diz.
Imagem principal cedida por Mariam Ouédraogo.
Este artigo foi publicado originalmente na IJNet em francês.