Nas últimas décadas, os quenianos aceitaram o revisionismo histórico praticado desde a época da ocupação britânica. Muitos dos livros de história do país não contam a trajetória completa dos anos que levaram e que sucederam a independência, enquanto histórias das gerações mais velhas que lutaram pela independência e testemunharam o começo de uma nação estão sendo transmitidas com menos frequência.
Em um esforço para preservar sua história, a atual geração do Quênia está trabalhando para preencher essas lacunas por meio do arquivamento digital nas redes sociais. A seguir estão algumas contas nas redes sociais que estão abrindo esse caminho:
African Digital Heritage
Determinada a combinar sua bagagem em ciência da computação com sua paixão por história, a arquivista digital Chao Tayiana Maina criou a African Digital Heritage (ADH), organização sem fins lucrativos com sede em Nairóbi que cria métodos digitais para engajar criticamente com a herança africana. Um destaque do processo de arquivamento são versões em 3D e mapeamento de locais históricos no Quênia.
A ADH usa as redes sociais de três formas: para comunicar seu trabalho à audiência, para comunicar histórias que foram suprimidas ou marginalizadas devido à falta de acesso popular aos arquivos e para obter histórias perdidas. "As redes sociais têm sido um modo de mobilizar essas histórias [esquecidas]. A forma como fomos ensinados a interagir com a história na escola faz parecer que arquivos e museus são mais para estrangeiros e turistas", diz Maina. "Por isso nós compartilhamos registros em texto, vídeos, áudios, filmes de arquivo e afins para a acessibilidade do público."
Museu do Colonialismo Britânico
Desde que Maina cocriou o perfil no Twitter do Museu do Colonialismo Britânico (MBC na sigla em inglês) em 2017 como uma extensão de seu trabalho de arquivo com a ADH, a conta atraiu mais de 12.000 seguidores. Uma colaboração conjunta entre voluntários do Reino Unido e do Quênia, o museu dedica-se a apresentar um relato mais verdadeiro sobre a história da colonização britânica no país. A conta consegue isso entrevistando pessoas mais velhas que sobreviveram à colonização e fotografando lugares que servem como evidência das histórias escondidas da ocupação britânica no país.
"Começamos como um desafio à ideia do que um museu pode ser", diz Maina. "Apesar de termos sido empurrados para o ambiente online devido à falta de fundos, nós também estamos confrontando a ideia da tradicional experiência de museu estéril em que você não tem permissão para tocar nada e caminha soturnamente em um prédio parando brevemente para ler placas colocadas ao lado de pinturas, esculturas ou peças e depois vai embora."
O MBC recentemente expandiu-se para além do ambiente digital, realizando exposições físicas para mostrar suas descobertas tanto no Reino Unido quanto na África.
HistoryKE
Em 2015, Fred*, apaixonado por história e fotografia, foi incentivado por seus amigos a começar a conta no Twitter HistoryKE, baseada em seu conhecimento sobre a história do Quênia.
"Eu criei um grupo no Facebook para pessoas em diáspora que compartilhavam suas memórias e fatos sobre a África Oriental. Depois criei minha própria página. Eu decidi abrir também contas no Instagram e no Twitter, e o resto é história", diz.
A força da HistoryKE no Twitter vem da habilidade de Fred de contar histórias por meio de fios no Twitter. Um dos fios mais compartilhados trata do massacre de Kedong, em 1985, no qual membros da tribo Maasai mataram centenas de homens Kikuyu e Swahili.
"A maior parte do meu conteúdo é consumida por pessoas com menos de 30 anos. É por isso que eu escolhi as redes sociais. Se você esconder seu conhecimento em um site, os quenianos não vão ler, mas se você postar direto nas redes sociais, você pode viralizar", diz.
Desde então, Fred já colaborou com o Museum Nacional do Quênia, a Embaixada dos Estados Unidos no Quênia e com o coletivo de teatro Too Early for Birds. Ele espera que no futuro suas histórias virem animação para que possam alcançar uma audiência ainda maior no Quênia e no exterior.
Geography of Kenya
Nos últimos três anos, Mohamed Boru e Albert Gicheha, moradores de Nairóbi, exploraram o Quênia e compartilharam o que descobriram por meio da sua conta no Twitter, Geography of Kenya. Através de uma combinação de mapas, pesquisa na internet e trabalho de campo, Boru e Gicheha elaboraram fios que investigam elementos geográficos no país dentro de seu contexto humano. O objetivo é ser "uma vitrine das características geográficas do país e como elas moldam vidas", de acordo com a dupla.
Boru e Gicheha escolheram o Twitter como sua plataforma de preferência por duas razões: "[Primeiro], o Twitter tem uma linha do tempo que é cronológica, o que permite visibilidade e cada vez mais seguidores de um modo mais orgânico do que, digamos, o Instagram", diz Boru. "Segundo, o Twitter atrai pessoas mais intelectuais que parecem [ser] ideais para o tipo de legendas informativas e curtas que acompanham nossas fotos e vídeos."
Mas a dupla recentemente expandiu-se para além do Twitter. "Começamos agora minidocumentários no YouTube", contam. "Nós [também] tivemos um progresso significativo na produção de documentários sobre a geografia e história do Quênia, [o que era] nosso objetivo desde o começo."
Desafios
Embora essas contam continuem a trabalhar para combater o revisionismo histórico e manter gerações mais jovens informadas sobre sua história, elas ainda enfrentam vários desafios característicos de seu uso das redes sociais. Para começar, esses ativistas digitais não são pagos pelo seu trabalho. A maioria tem empregos em tempo integral, e o trabalho de arquivo é uma paixão paralela.
Críticas cruéis dirigidas às contas ou aos seus proprietários também é um problema, diz Fred. As 42 tribos do Quênia às vezes têm histórias e políticas que geram controvérsia, como os eventos que envolvem a rebelião Mau Mau, que levou à independência do país. Isso pode gerar alegações de que essas contas estão defendendo determinadas pautas. "Há também, por experiência, muitos [quenianos no Twitter] que têm fortes opiniões sobre a história do Quênia, de um modo relutante, e vão se opor a muitas coisas", diz Fred. "Uma forma deles fazerem isso é buscar 'contexto' ou citar 'falta de contexto' e desprezar um post ou fio."
Há também grandes lacunas na história quando se trata de eventos em particular. Documentos coloniais e fotografias frequentemente retratavam os quenianos nativos como selvagens em vez de simplesmente como pessoas com um modo de vida diferente. Ao mesmo tempo, muitas fotos e documentos hoje estão protegidos por direitos autorais, impedindo o compartilhamento gratuito dessas histórias inestimáveis.
Porém, o trabalho de arquivamento digital feito por essas contas é largamente positivo e está crescendo, com vários novos exemplos, como as páginas historykenya101, kenya_archives e KResearcher. "A falta de burocracia em um processo editorial levou à criação de conteúdo diverso que mostra diferentes lados do Quênia para além dos assuntos comuns", dizem Boru e Gicheha. "Essa diversidade de conteúdo, o amplo alcance e a natureza queniana dele ajudam de certo modo na construção de uma identidade nacional e de um senso de propriedade do nosso país."
*A fonte prefere manter o anonimato devido ao seu trabalho diário em uma empresa global de tecnologia.
Foto por Iwaria via Iwaria.