Organizações preservam história da Nigéria

Oct 25, 2022 em Temas especializados
Nigerians waving flags.

A introdução da internet na Nigéria nos anos 1990 tornou materiais históricos e culturais mais acessíveis. Mesmo assim, embora jornalistas, pesquisadores e artistas tenham mais facilidade para compartilhar seu trabalho com uma ampla audiência online nos dias de hoje, partes da história nigeriana estão se deteriorando em papéis por todo o país. 

Durante o ano escolar de 2009/2010, o governo decidiu remover o ensino de história do currículo escolar primário e secundário na Nigéria. De acordo com o The Guardian, "as razões oficiais apresentadas [para a remoção da disciplina] foram, dentre outras, que estudantes evitam o assunto; poucos empregos estão disponíveis para graduados em história; e há uma carência de professores de história. Lamentavelmente, a Nigéria não tem hoje registros oficiais da guerra civil que foi de 1967 a 1970", referindo-se à guerra mortal entre o governo nigeriano e os separatistas da República de Biafra, no sudeste do país. 

Ter acesso a documentos históricos online pode avançar o conhecimento sobre o passado e os estudos, ao mesmo tempo em que ajuda a embasar escolhas que as pessoas fazem no presente. Da mesma forma, jornalistas ficam mais bem equipados para engajar grandes audiências, incluindo aqueles que foram historicamente marginalizados.

A falta de materiais históricos disponíveis pode levar à desinformação, informações falsas e uma carência de contexto com o qual engajar o passado e reimaginar o futuro. Para remediar a situação, vários projetos foram lançados no país para assegurar que a história da Nigéria esteja disponível online mais facilmente.

Projeto de Arquivos Ameaçados da Empresa Ferroviária da Nigéria

Em janeiro, Alex Ugwuja, historiador e professor na Universidade Nnamdi Azikiwe, lançou o Projeto de Arquivos Ameaçados da Empresa Ferroviária da Nigéria, em colaboração com a Legacy 1995, uma organização que identifica e protege prédios e monumentos históricos. O objetivo do projeto é restaurar e digitalizar os materiais sobre ferrovias na Nigéria localizados em Ebute Metta, Lagos. "Nossa maior motivação é preservar documentos que têm significância histórica", diz Ugwuja. "Podemos não saber como as ferrovias foram importantes para a Nigéria colonial, [mas] olhando nos registros que ficaram, são revelados mais detalhes sobre as ferrovias como o hub econômico da Nigéria. Esse conteúdo não só revela uma visão profunda sobre o passado e as ações do governo britânico [relacionadas ao colonialismo], como também sobre o entendimento do futuro do país."

O projeto foca nos arquivos de mecânica e engenharia civil da ferrovia. Esses documentos precisam ser manejados com cuidado devido à sua situação e o mau estado de conservação. "Quando você chega perto deles, eles se dissolvem em pó", diz Ugwuja. "Mas como fomos treinados, tentamos recuperar o máximo que podemos e os digitalizamos antes deles se desintegrarem completamente."

O projeto é financiado pelo Programa de Arquivos Ameaçados da Biblioteca Britânica, que custeia projetos arquivísticos pelo mundo, e ajuda a digitalizar materiais que estão ameaçados devido a negligência, más condições de armazenamento e fatores ambientais. A iniciativa também capacita profissionais, como Ugwuja e sua equipe, em técnicas de digitalização. 

De acordo com Ugwuja, os materiais finais digitalizados são de propriedade da Biblioteca Britânica, da Ferroviária da Nigéria e do Arquivo Nacional da Nigéria, com sede na capital Abuja. "Há muitas formalidades legais às quais temos que aderir", diz. "Tudo vai ficar hospedado no servidor do [Programa de Arquivos Ameaçados]. Esperamos que antes do fim deste ano, a Biblioteca Britânica publique [os materiais]."

Archivi.ng

Archivi.ng foi criado em 2020 com o objetivo de digitalizar todos os dias um jornal publicado entre 1º de janeiro de 1960 e 31 de dezembro de 2010. "O Google criou o viés de recência", diz Fu’ad Lawal, que já trabalhou como jornalista e hoje é chefe de projetos no Archivi.ng. "[Os nigerianos] tendem a se engajar com o país sem muito contexto. O único meio mais importante que tenta registrar tudo que acontece na história é a mídia."  

Com passagens por redações da Pulse e Big Cabal Media, empresa de propriedade da Tech Cabal e da Zikoko, Lawal reconhece a importância de digitalizar informação que só existe em jornais. Para ele, tudo se resume a uma única questão: "E se de repente nós pudéssemos ter acesso a cada um dos dias da história da Nigéria, principalmente a reportagens que foram manchete, de 1960 a 2010?" 

Digitalizar também abre caminhos para apresentar a história por meio de formatos de mídia. "O filme 76 [produção histórica sobre o golpe militar de 1976, seis anos após a guerra civil no país] foi feito com base em jornais publicados em duas semanas", diz Lawal. "Quais tipos de filmes nós faríamos se tivéssemos 18.000 dias de jornais?" A esperança é que a digitalização de 18.000 dias da história da Nigéria lance luz sobre o cenário político e econômico atual do país.

Documentação da brutalidade policial

Outro projeto focado em digitalização e acessibilidade é o Projeto sobre Brutalidade Policial na Nigéria, conhecido como Projeto POBIN, lançado em agosto de 2020 por Socrates Mbamalu, Similolowa Akinbode, Ayoola Salakopor mim.   

O projeto foi criado para destacar a magnitude e o impacto duradouro da brutalidade policial na Nigéria a fim de que o governo e as forças policiais possam ser responsabilizados com mais eficiência. Por décadas, houve inúmeros casos não registrados de violência policial no país. Muitos cidadãos morreram e se tornaram hashtags esquecidas. Nós do Projeto POBIN sentimos a necessidade de um repositório para manter vivas as memórias dos que foram mortos pela polícia.

A equipe do POBIN, incluindo voluntários, conversa com vítimas da brutalidade policial e seus familiares. As histórias começaram a ser coletadas em jornais antigos, sendo o registro mais antigo no site do projeto datado de 1981. O projeto tem o objetivo de se tornar um recurso de dados de fácil acesso sobre o entendimento da brutalidade policial na Nigéria para o grande público.

Desafios da digitalização de arquivos

Digitalizar arquivos implica uma série de desafios. Por exemplo, foi difícil para a equipe do projeto Archivi.ng se registrar na Comissão de Assuntos Corporativos, dentre outros contratempos. Após o lançamento do projeto, a equipe logo percebeu que os jornais são categorizados como obras literárias. "Você não pode simplesmente pegar os direitos autorais de outras pessoas e começar a escanear", diz Lawal. "Os direitos pertencem a quem publicou." Encontrar essas pessoas e obter o consentimento delas é um desafio adicional.

A COVID-19 também criou obstáculos únicos. Escanear documentos de formato longo, como páginas de jornais, requer scanners que custam mais de US$ 30.000. "E devido à COVID-19, há uma crise na cadeia de suprimentos. Está sendo extremamente difícil conseguir um scanner", diz Lawal.

"Há uma cultura na Nigéria que não é favorável à produção de conhecimento", diz Ugwuja. "Essa cultura é o que chamamos de imprudência documental — a falta de capacidade de ver valor nas coisas que não são de uso imediato. Mesmo que [documentos históricos] não sejam de uso imediato hoje, isso não significa que você não vai usá-los no futuro. A incapacidade de encontrar o que estava no passado pode acabar não te dando margem para projetar o que vai vir no futuro", diz.

Apesar dos desafios, projetos arquivísticos como estes podem preservar a informação que de outra forma seria inacessível a jornalistas. Ao contextualizar eventos históricos enquanto engajam suas audiências, essas iniciativas ajudam a orientar tomadas de decisão mais embasadas no futuro.


Foto por Tope. A Asokere via Unsplash.