Projeto 50:50, da BBC, muda representatividade na mídia

Sep 1, 2022 em Diversidade e Inclusão
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Entre 2005 e 2015, menos de um em cada cinco especialistas ouvidas em reportagens no mundo todo eram mulheres, de acordo com um estudo de 2020 sobre a ausência de perspectivas femininas no noticiário.

"Os homens são citados em notícias online no Reino Unido com duas vezes mais frequência que as mulheres, três vezes mais na África do Sul e nos Estados Unidos, quatro vezes mais no Quênia, cinco vezes mais na Nigéria e seis vezes mais na Índia", informa o estudo.

Autora da pesquisa, Luba Kassova diz que a supersaturação de fontes masculinas se deve ao desequilíbrio de gênero na mídia. "As notícias são produzidas majoritariamente por homens, destacam mais os homens e são consumidas mais por homens." 

Em 2016, Ros Atkins, apresentador da BBC, começou a criar, junto com seus colegas da Outside Source, ideias para mudar essa narrativa. Para reorganizar a mudança cultural e melhorar a produção de conteúdo da BBC, Atkins e sua equipe definiram três objetivos principais. "Eu queria ter dados melhores sobre a representatividade das mulheres no nosso jornalismo e conteúdo; explorar o impacto de incorporar a representatividade em nossos processos e pensamentos editoriais e de produção diários; e provar que a representatividade é não só um objetivo a ser buscado como também pode ser conquistado de forma consistente", diz Atkins.    

Esses objetivos levaram à criação do Projeto 50:50. Inicialmente, menos de 40% dos colaboradores da BBC eram mulheres. Quatro meses após o início do 50:50, as colaboradoras do site chegaram a 50%.

"[Atkins e sua equipe] estavam pensando no número de mulheres no ar no dia anterior, mas ninguém conseguiu lembrar-se de nenhuma. Então eles começaram a registrar isso. O simples fato de fazer o registro significa que as pessoas estão pensando sobre a questão, e aí eles passaram a ser mais criativos e trabalhar mais duro para colocar uma seleção mais diversa de pessoas no ar e tornar a nossa cobertura jornalística o mais inclusiva possível", diz Hewete Haileselassie, a líder de serviço interno do projeto.  

Como funciona

O Projeto 50:50 é um sistema de automonitoramento criado para se encaixar em fluxos de trabalho existentes e baseia-se em três princípios centrais: coleta de dados, mensuração dos dados e ênfase na qualidade. 

Ao coletar os dados, pesquisadores começam monitorando o conteúdo da BBC e o utilizam para incorporar mais vozes diversas à cobertura do veículo. "Os dados desempenham um papel crítico na conquista dos objetivos. Cada equipe participante do projeto contabiliza as pessoas mencionadas em seu conteúdo. Quantos homens e mulheres nós trazemos para discutir questões atuais? Isso nos ajuda a criar um banco de dados de colaboradores ao qual adicionamos pessoas e o compartilhamos com a equipe de jornalismo para que tenham acesso a um conjunto de especialistas que é mais diverso", diz Ifeoluwa Adediran, pesquisadora da iniciativa.  

A equipe também busca por especialistas no mundo todo familiarizados com as técnicas de entrevista da BBC e que podem oferecer insights oportunos sobre assuntos emergentes.

"Temos muitas especialistas no mundo todo, mas a maioria delas passa despercebida. O que nós fazemos é buscar [por elas] e convidá-las para eventos presenciais e virtuais nos quais elas conhecem editores, produtores e membros da equipe técnica da BBC que desmistificam o processo de entrevista", diz Haileselassie. 

A equipe registra na base de dados da BBC apenas colaboradores e especialistas. Pessoas que fazem parte do noticiário diário, como políticos ou testemunhas, não são contabilizadas. A base de dados resultante inclui repórteres, analistas, acadêmicos, especialistas e outras pessoas incorporadas à cobertura da BBC.

"Não há comprometimento da qualidade. Usamos o melhor colaborador na maioria das vezes, independentemente de seu impacto nos números do 50:50. A excelência editorial é sempre a prioridade. O Projeto 50:50 busca ajudar produtores de conteúdo a descobrirem novas vozes para melhor refletir a audiência que eles servem", acrescenta Haileselassie.

O que significa para o ecossistema de mídia

O projeto se expandiu da redação da BBC para uma rede global de organizações parceiras que estão implementando a metodologia. O número de parceiros, que inclui veículos públicos e privados e a academia, chega a 145 organizações em 30 países. Dentre elas estão a Deutsche Welle e a NDR.   

Neste ano, mais de 70 membros da rede global parceira do 50:50 publicaram seus dados junto com a BBC para mostrar o progresso na representatividade das mulheres em uma gama de conteúdos e áreas. Dentre as organizações que estavam abaixo da meta de 50% de mulheres especialistas em sua cobertura quando começaram o monitoramento, 73% melhoraram o equilíbrio de gênero de seu conteúdo.

"[Essas especialistas] têm o conhecimento para acrescentar colaborações significativas ao conteúdo da mídia, mas por passarem despercebidas, sempre temos o mesmo grupo de pessoas aparecendo nos programas em todo lugar. Mas com o Projeto 50:50, conseguimos atrair novas vozes. É basicamente ir atrás de novas vozes, especialmente de mulheres, incluí-las e ter suas perspectivas", diz Adediran.

A BBC planeja expandir o Projeto 50:50 por meio do teste e lançamento de um monitor de diversidade socioeconômica no fim do ano, com base na própria estrutura do projeto, junto com a meta de ter 25% da equipe oriunda de classes sociais mais baixas.

Lekan Otufodunrin, especialista em desenvolvimento de mídia, diz que iniciativas como o projeto da BBC são centrais para impulsionar o equilíbrio de gênero na mídia. "É uma abordagem estratégica intencional louvável para assegurar de forma justa a proporcionalidade das vozes femininas no conteúdo da mídia", diz. "Sem uma abordagem consciente como essa, a defesa pela presença de mais vozes femininas na mídia não vai ser conquistada. Quando se tem uma base de dados de mulheres especialistas, não há desculpa para não ter mulheres falando sobre nenhum assunto."  


Foto por K. Mitch Hodge no Unsplash.