Aeronaves belarussas não voam mais para países da União Europeia. O bloco tomou essa decisão no fim de maio, depois que um voo da Ryanair que ia da Grécia para a Lituânia teve um pouso forçado em Minsk, capital de Belarus, após um alerta de bomba emitido pelos controladores de tráfego aéreo. Nenhuma bomba foi encontrada.
Muitos, incluindo a Anistia Internacional, acreditam que o pouso forçado teve outro motivo.
A bordo do avião estava Raman Pratasevich, jornalista belorusso que havia deixado o país em 2019, receoso da perseguição das autoridades. Ele era o editor do NEXTA, canal do Telegram que tinha sido declarado um "meio de comunicação extremista" pelo governo de Belarus. Após o pouso da aeronave, Pratasevich foi acusado de diversos crimes, incluindo "organizar agitação social" em agosto de 2020. O CEO da Ryanair, Michael O'Leary, chamou o incidente de "um caso de sequestro de aeronave e pirataria com patrocínio estatal".
Lançado em 2018, o canal do Telegram NEXTA se tornou popular graças ao seu conteúdo social e político único. O seu criador, Stephan Putilo, disse que queria "acumular todo o lixo da Belarus de Lukashenko", em referência ao autoritário presidente do país. O canal foi um dos poucos meios de comunicação a oferecer informação com credibilidade durante as agitações populares de 2020, quando o acesso à internet foi interrompido por vários dias.
Que tipo de veículo é o NEXTA, se trabalhar nele leva à perseguição estatal implacável de um de seus jornalistas?
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Como o Telegram virou a principal fonte de notícias em Belarus
O pico da popularidade do NEXTA foi em agosto de 2020, quando atingiu 2 milhões de assinantes, em um país com 9 milhões de habitantes. Com pouco mais de 1 milhão de usuários atualmente, o veículo ainda é o canal do Telegram mais popular de Belarus.
Além do NEXTA, havia outros canais grandes que ostentavam mais de 100.000 assinantes antes de agosto de 2020. Era o caso do Brain-dead Belarus, com 218.000 assinantes hoje, e o Belarus is shocked!, que hoje soma 87.000 assinantes. Eles permanecem entre as publicações mais lidas do país, e junto deles muitos outros canais populares surgiram. De acordo com este estudo de 2020 do Centre For European Transformation, até novembro de 2020, 22 canais tinham ultrapassado os 100.000 assinantes. Hoje, no entanto, de acordo com a organização sem fins-lucrativos Tgstat, há apenas 12 canais desse porte.
O mesmo estudo registra como o crescimento explosivo do Telegram em Belarus começou em março de 2020, observando como o aplicativo serviu tanto como uma fonte de notícias quanto como uma plataforma de mobilização. O que o tornou popular? Os pesquisadores escrevem: "A relativa segurança do Telegram e sua imagem inicialmente estimularam seu uso por blogueiros vanguardistas, e depois por uma proporção substancial dos expoentes da mudança no país."
De acordo com uma avaliação da International Strategic Action Network for Security, o ambiente do Telegram era mais ou menos livre de um "controle total". Os canais tornaram possível "receber notícias diretamente de fontes primárias" e participar de discussões nas seções de comentários.
O que a mídia tem pela frente?
Algumas tendências que podem impactar o futuro do jornalismo em Belarus já são evidentes.
Em primeiro lugar, determinadas leis que regulamentam os meios de comunicação estão mudando. Desde junho, por exemplo, jornalistas não podem mais cobrir ao vivo eventos públicos não autorizados. É um esforço óbvio das autoridades para privar os jornalistas opositores do regime Lukashenko de sua liberdade de expressão ou impedi-los de trabalhar. No fim de maio, o Ministro da Informação, Vladimir Pertsov, disse que algumas pessoas "poderiam colocar uma máscara de jornalista e tentar participar de atividades destrutivas, subversivas e até terroristas".
O número de meios de comunicação independentes no país está diminuindo também. O exemplo mais emblemático do cerco fechado foi o Tut.by, o maior site independente do país, encerrado pelas autoridades em meados de maio. O conselho editorial do site informou que o site tinha cerca de 3,3 milhões de leitores em Belarus. Agora, as pessoas não conseguem acessar o site, nem mesmo com uma VPN, por isso ele funciona no Telegram, onde as autoridades não conseguem bloqueá-lo. Atualmente, o Tut.by tem 518.000 assinantes no aplicativo, o que o torna o segundo maior canal em Belarus.
Infelizmente, ser um jornalista em Belarus hoje é excessivamente perigoso. O Comitê de Proteção aos Jornalistas estimou, por exemplo, que o país está entre um dos recordistas mundiais na prisão de jornalistas. Detenções e multas por causa de reportagens são predominantes, e muitos profissionais de comunicação são forçados a deixar o país por razões de segurança.
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Os canais de notícias no Telegram vão substituir sites tradicionais?
De acordo com Andrej Bastunec, presidente da Associação de Jornalistas Belorussos, as autoridades em Belarus "querem sistematicamente, de uma só vez, dar um fim à disseminação de informação em todos os segmentos — tanto na mídia independente tradicional quanto na mídia online".
O jornalista Ilya Dobrotvor acrescenta que o governo espera substituir a mídia independente com seus próprios veículos. "As autoridades estão preparando um veículo que deve substituir o Tut.by. Recebi uma oferta de emprego neste novo site e não neguei na época porque estava planejando deixar o país", ele disse em uma entrevista concedida após fugir de Belarus para a Polônia.
Bastunec espera que, à medida que o estado tentar fechar o cerco contra a mídia independente, outras iniciativas não ligadas ao governo vão preencher o vazio. "Não vão ser veículos controlados pelo estado", ele diz, "apesar das injeções gigantescas [de dinheiro] em suas operações".
Os canais do Telegram vão estar à altura? Marina Zolotova, editora-chefe do Tut.by, atualmente presa, compartilhou sua opinião sobre a questão no ano passado: "Se você acabar com toda a mídia independente, só vão sobrar os canais de TV comandados pelo governo, jornais e canais [independentes] no Telegram. O mais popular deles tem mais de 2 milhões de assinantes [à época]. Não conheço nenhum outro país onde um quinto da população é assinante de um único canal do Telegram", ela disse.
"Reportagens publicadas por veículos independentes estão de acordo com padrões profissionais e são revisadas antes de serem publicadas. No entanto, ninguém demanda isso dos canais do Tegram", continuou Zolotova. "Se não houver nenhuma mídia independente, as pessoas não vão ser influenciadas por jornais [partidários] como o Belarus Today-Soviet Belarus e canais estatais. Elas vão ser influenciadas apenas por canais do Telegram. Se o governo concorda com isso, não precisa da gente. Se ele não concorda, então ele precisa da gente.
O que ler no Telegram de Belarus:
- Para notícias sobre Belarus: Tut.by.
- O canal NEXTA, do qual Raman Pratasevich era editor. Em Belarus, o canal foi declarado um veículo extremista.
- Motolko, help!, que costumava cobrir questões sobre planejamento urbano, mas tem se aprofundado mais em conteúdo social e político. O governo também o declarou extremista. Ele tem seu próprio grupo com 9.000 usuários.
- O canal da Associação dos Jornalistas Belarussos, que discute o jornalismo no país.
- Grupos de belarussos que vivem tanto no país quanto no exterior.
Foto por Olya Shnarkevich no Unsplash.
Este artigo foi originalmente publicado no nosso site em russo.