Para engajar a audiência na mudança climática: pautas sobre patrimônio cultural

por Lameez Omarjee
Aug 30, 2023 em Reportagem de meio ambiente
Icebergs

"Encontre uma coisa com a qual as pessoas se importam e explique a elas por que a mudança climática vai colocar essa coisa em risco." 

Este foi o conselho que o cientista do clima sul-africano Nicholas Simpson compartilhou comigo em outubro de 2022 durante uma entrevista sobre como a mudança climática ameaça a perda de patrimônios mundiais nos parques nacionais da África do Sul. 

Simpson é um dos autores de uma pesquisa de fevereiro de 2022 que mostrou que se mantivermos as emissões climáticas descontroladas, até 2050 quase 200 lugares considerados patrimônio na África podem estar expostos a eventos extremos como inundação e erosão, das ruínas Tipasa na Argélia às ruínas da vila de pescadores Curral Velho em Cabo Verde. 

"Perder todo esse patrimônio seria como perder muito da nossa memória, nossa identidade e quem nós somos", disse Simpson.  

Eu sabia que esta seria uma fala importante para incluir no meu artigo porque ela ligava uma coisa com a qual as pessoas se importam — seu patrimônio — à crise climática. 

Desde que comecei a trabalhar como repórter de sustentabilidade para o maior site de notícias da África do Sul, o News24, venho tentando comunicar as relações entre a mudança climática e as experiências da nossa audiência para que o tema pareça menos abstrato e distante.

Digital News Report 2022 do Reuters Institute mostrou que menos de 50% das audiências pesquisadas na África do Sul, no Quênia e na Nigéria se interessam pela mudança climática enquanto um assunto do noticiário. O mesmo estudo concluiu que é mais difícil de engajar as audiências pelo mundo na ciência por trás da mudança climática, principalmente tendo em vista outros desafios diários que elas enfrentam.

Mas a mudança climática já está afetando muitos africanos e exacerbando desafios existentes, embora o continente seja responsável por menos de 4% das emissões globais. No início do ano, o Ciclone Freddy atingiu a costa sul do continente duas vezes, deixando mais de 500 mortos no Malauí, em Moçambique e em Madagascar. 

Perder lugares considerados patrimônios também faz parte dessa destruição. Em alguns casos, é uma perda prática, como a perda de subsistência de comunidades locais que se beneficiariam do turismo. Em outros, é uma perda emocional, de identidade e das histórias de gerações que vieram antes e que fazem de nós as pessoas que somos hoje.

Como uma pessoa negra que cresceu na África do Sul, eu e muitos outros tivemos parte de nossa herança subtraída pelo regime do apartheid. Meus pais e avós tiveram suas identidades ditadas, com base na cor de sua pele. Comunidades inteiras foram deslocadas e sua bagagem cultural foi diluída por causa da opressão. Há hoje partes da minha árvore genealógica, minha herança, que estão faltando. Eu carrego essa perda hoje e não gostaria que outras pessoas e gerações futuras vivessem o mesmo, principalmente se isso pode ser evitado com ações significativas para limitar os impactos climáticos. 

Para contar essas histórias, eu contei não só com histórias pessoais mas também com pesquisa científica. Isso inclui um estudo de setembro de 2022 sobre os impactos climáticos em locais declarados patrimônio na África do Sul na Montanha Table e nos parques nacionais Mapungubwe e Kruger. Os resultados do estudo indicam que patrimônios em todos os três locais têm alta vulnerabilidade a eventos relacionados ao clima.

O Parque Nacional Mapungubwe está localizado no norte da África do Sul, na fronteira com Botswana e o Zimbábue. É conhecido por sua importância cultural e resquícios de uma antiga civilização, comércio e desenvolvimento, assim como as ruínas Thulamela, localizadas no Parque Nacional Kruger, na mesma região. Esses patrimônios são vulneráveis a inundações e calor extremo que podem danificar estruturas antigas, levar embora artefatos ainda não descobertos e desbotar pinturas rupestres.   

Quanto à Montanha Table, no sudeste do país, seu patrimônio "natural", como a vida vegetal indígena, está em risco de extinção por causa dos impactos da seca e do aumento da temperatura. 

Eu também entrei em contato com cientistas que conhecia e que poderiam recomendar outros pesquisadores interessados no assunto, e foi aí que encontrei Simpson, conselheiro sênior do Africa Climate Mobility Initiative — uma parceria global entre a ONU, o Banco Mundial e a União Africana para tratar de deslocamentos e migração forçados pelo clima no continente africano.

Algumas dessas pesquisas podem ter impacto real. O estudo de agosto de 2022 foi aprovado pela SANParks — a agência do governo sul-africano que administra os parques nacionais — e espera-se que ele irá guiar as ações do órgão para proteger a Table Mountain e os parques nacionais Mapungubwe e Kruger.

Nem todo mundo passa dias vasculhando artigos científicos para aprender sobre a mudança climática. Mas jornalistas podem construir pontes entre a ciência e as pessoas.

Nosso trabalho pode dar pernas a essas pesquisas para que a mensagem sobre a realidade da mudança climática possa alcançar audiências em toda parte.


Este artigo foi originalmente publicado pelo Reuters Institute e republicado na IJNet com permissão.

Foto por Annie Spratt via Unsplash.