ChatGPT para notícia sobre o clima: o que jornalistas devem saber

Apr 12, 2023 em Combate à desinformação
Chat GPT website in purple text on a computer screen

Informar sobre a mudança climática exige que jornalistas aprendam sobre fatos e conceitos científicos, e como comunicá-los com clareza e eficácia. Para facilitar esse processo, jornalistas podem vir a usar ferramentas de inteligência artificial (AI) que geram textos baseados em informações disponíveis na internet, como o atualmente popular ChatGPT

Mas o problema é que o ChatGPT, embora útil, pode promover desinformação. Até mesmo a empresa que o criou, a Open-AI, alerta: "O ChatGPT às vezes escreve respostas que soam plausíveis, mas são incorretas ou sem sentido."  

Quando a informação falsa está ligada à mudança climática, ela pode enfraquecer os esforços para lidar com a crise do clima.

Para evitar a disseminação de informações falsas ou enganosas geradas por AI sobre esse problema urgente, jornalistas devem ter em mente os conselhos a seguir:

Não se contente com respostas genéricas 

Embora ferramentas de IA sejam capazes de gerar informações que podem acelerar o processo de reportagem para jornalistas com pouco tempo, elas também tendem a deixar passar detalhes importantes que contribuem para o entendimento aprofundado das questões climáticas.

Jill Hopke, professora-assistente de jornalismo e especialista em mídia climática na Universidade DePaul, notou esse problema quando perguntou ao ChatGPT sobre formas de resolver a mudança climática. Como resposta, o robô listou somente ações vagas, genéricas e individuais, tais como "reduzir a emissão de gases de efeito estufa", "promover a sustentabilidade" e "apoiar a adaptação climática", as quais cientistas do clima dizem não serem suficientes para resolver a crise climática. 

"Como frequentemente dizem cientistas do clima e acadêmicos como eu, ações individuais são com certeza importantes, mas nem de longe a coisa mais importante", explica Hopke.

Além disso, informar com rigor sobre soluções climáticas "não se trata de torcer para esta ou aquela abordagem", aconselham as organizações de mídia Covering Climate Now e Solutions Journalism Network. "É sobre questionar essas abordagens para informar o público e formuladores de políticas sobre o que funciona e o que não funciona." Este é um papel que os jornalistas estão exclusivamente preparados para desempenhar e uma área em que o ChatGPT está aquém.   

O robô também tem dificuldades para explicar o significado e implicações locais de conceitos globais. Por exemplo, quando Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, think tank brasileiro focado em política climática, perguntou ao ChatGPT em português o que significa "truque de contabilidade climática", o robô deu uma definição genérica e condenou a prática, mas não deu um contexto específico do Brasil que pudesse ajudar para aprofundar o entendimento. 

Um "truque de contabilidade climática" normalmente diz respeito a práticas adotadas por governos para parecer que estão comprometidos com a redução de emissões. No Brasil, especificamente, o conceito se refere a uma mudança feita pelo governo federal em 2020 no relatório sobre o cumprimento do Acordo de Paris, o que, teoricamente, permitiria ao país aumentar em vez de diminuir as emissões. Desde então, organizações da sociedade civil processaram autoridades brasileiras e o governo tem sido pressionado a aumentar sua ambição. Unterstell explicou a questão em detalhes – algo que o ChatGPT não foi capaz de fazer. 

Cuidado com propaganda sutil e lavagem verde (greenwashing)

Jornalistas também devem ficar de olho em formas sutis de propaganda de combustíveis fósseis e lavagem verde corporativa que podem vir a se embrenhar nas respostas do ChatGPT. Por exemplo, quando estava pesquisando sobre uma pauta, eu perguntei ao robô: "os grandes poluidores estão ficando mais ricos?"

O primeiro parágrafo da resposta do ChatGPT era relevante e preciso: "Depende da indústria e empresa específicas em questão, mas em geral alguns grandes poluidores seguem lucrando apesar do dano ambiental que causam. Por exemplo, a indústria de combustíveis fósseis há muito tempo é associada a lucros altos, apesar do fato de que a queima de combustíveis fósseis é uma grande responsável pela mudança climática." 

Porém, o segundo parágrafo tinha sinais reveladores de lavagem verde: "No entanto, é importante observar que também há empresas dentro desses setores que estão investindo em energia renovável e trabalhando para reduzir sua pegada de carbono." Ainda que essa informação não esteja errada, ela mascara o fato de que empresas de combustíveis fósseis têm muita responsabilidade na mudança climática, ao mesmo tempo em que gastam bilhões de dólares há décadas para enganar o público a fim de proteger seus interesses corporativos – outro detalhe que não foi mencionado pelo ChatGPT em sua resposta. 

A maior parte da desinformação online promovida hoje por empresas de combustíveis fósseis – e nas quais o ChatGPT pode estar baseando suas respostas – é "muito sutil", observa Hopke. "Uma grande empresa de petróleo, por exemplo, pode falar nas redes sociais sobre redução de emissões de escopo 1 e escopo 2 como uma forma de zerar as emissões de carbono em suas operações diárias nas refinarias, o que parece uma coisa boa até alguém lembrar ou aprender o que são de fato as emissões de escopo 3."

Pesquisas mostram que emissões de escopo 3 normalmente correspondem a mais de 70% da pegada de carbono de um negócio e lidar com elas envolve a mudança de práticas em toda a cadeia de suprimentos. "Por isso, o foco somente nas emissões de escopo 1 e 2 deixa muita coisa de fora", explica Hopke.

Verifique os fatos e informe como um humano

Embora o ChatGPT seja uma das ferramentas de IA generativa mais avançadas da atualidade, a precisão e confiabilidade da informação fornecida ainda é incerta e exige checagem de fatos. 

Bavarian Broadcasting e o Science Media Center da Alemanha, por exemplo, testaram o uso do robô para criar blocos informativos com dados científicos sobre a mudança climática que complementariam reportagens. Mas eles encontraram erros nas informações fornecidas, incluindo "números fictícios", "fatos conectados incorretamente" e "alucinações" ou informações falsas. Por causa disso, a equipe teve que verificar todas as informações, o que acabou levando mais tempo do que ter um jornalista escrevendo manualmente os blocos informativos. 

"O ChatGPT pode ser uma ferramenta para complementar, mas não substituir, a reportagem original", aconselha Hopke. Ela diz que mesmo que jornalistas se deparem com uma ideia de pauta ou um novo ângulo para uma matéria, eles ainda vão precisar verificar a informação recebida, assim como já fazem com qualquer outra informação. 

Estamos em meio a uma emergência climática: como informamos e falamos sobre o meio ambiente importa, pelo bem da humanidade.


Foto por Jonathan Kemper via Unsplash.