Os desafios de gerenciar uma redação durante a pandemia

Dec 22, 2020 em Reportagem sobre COVID-19
Caneca branca com os dizeres "melhor chefe do mundo"

Gerenciar redações pode ser um ato de equilíbrio entre pessoas e conteúdo, e a pandemia da COVID-19 tornou esse desafio ainda mais difícil. Durante um recente webinar do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde da IJNet/ICFJ, Jon Laurence, produtor executivo da AJ+, contou como contornou essas dificuldades.

“Para qualquer gerente editorial, existem, em linhas gerais, duas partes do papel: o lado das notícias e o lado das pessoas. E a maneira como você normalmente se mantém são é dividindo sua carga de trabalho entre essas duas frentes", disse Laurence. Ele explicou que a maioria dos gerentes se concentra em um aspecto de cada vez.

“Um dos muitos problemas com a pandemia de COVID-19 é que provavelmente é a história mais importante jornalisticamente que qualquer um de nós vai cobrir, e também é provavelmente a que nos esgota mais pessoalmente num tempo em que não temos acesso aos nossos mecanismos normais de enfrentamento”, ele adicionou. “Não existe solução única para todas as necessidades, exceto adaptabilidade, flexibilidade e capacidade de escutar.”

 

Sobre criação de conteúdo durante uma pandemia:

“Por mais difícil que seja para um gerente saber que as coisas serão mais lentas, você tem que aceitar parte disso”, disse Laurence. “Em seguida, mude ligeiramente a forma como você encomenda reportagens, porque você sabe que deseja coberturas mais ponderadas e duradouras quando sabe que a recuperação não será necessariamente imediata.”

“Todos nós sentimos pressão em nossas vidas pessoais e profissionais para realmente fazer algo nesta pandemia”, disse Laurence. “Se sabe que isso não vai acontecer o tempo todo e tentar tirar um pouco da pressão das pessoas... é mais provável que a criatividade apareça.”

“Ao contratar freelancers evitamos colocá-los em situações de risco, escolhendo muitas histórias que poderiam ser feitas ao ar livre e com distanciamento social, e encontrando pessoas que pertençam às comunidades que queremos cobrir, o que foi bom tanto para o ponto de vista da segurança quanto para a autenticidade da cobertura”, disse ele. “E também, não pedir a um freelancer para fazer algo que não pediríamos a alguém da equipe.”

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Sobre como lidar com a saúde mental e física durante a reportagem: 

“Há cinco anos, quando comecei na posição de gerente, trauma era entendido como algo que você via no mundo real. Era muito mais uma coisa “no terreno”, e as apurações de notícias tinham protocolos para lidar com isso”, disse Laurence. “Mas, nos últimos anos, estamos vendo que você não precisa estar fisicamente presente em um evento para sofrer uma resposta traumática como resultado dele. Tentar construir procedimentos e processos que sejam tão robustos quanto aqueles no tipo de apuração de notícias tradicional tem sido uma prioridade para mim, mesmo antes da COVID-19 acontecer, mas acho que a COVID-19 tornou tudo ainda mais intenso.”

Se alguém está se sentindo mentalmente ou fisicamente sobrecarregado, “eu geralmente tento agendar um horário para conversar, especialmente se você não tem esse tipo de conversa individual com seu gerente regularmente, o que eu sei que muitos jornalistas não têm", observou. “Então eu diria que, se isso não funcionar, provavelmente faça um pedido por escrito. Outra coisa importante sobre como levantar essas preocupações é ser o mais focado possível nas soluções. Obviamente, seu gerente está lá para ajudá-lo com problemas e em uma posição sênior, mas acho que quando você vai até eles e diz 'tenho algumas ideias sobre como poderíamos resolver', e mostra disposição para dar e receber ao levantar esses problemas é realmente útil.”

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Sobre como resolver os problemas da equipe em tempos de incerteza:

“[Trabalhar em casa] ainda é uma área em evolução. No início, nosso instinto era querer que todos estivessem com suas câmeras ligadas o tempo todo. Na verdade, não percebíamos como isso era desgastante para as pessoas”, disse Laurence. “As regras, novamente, estão evoluindo um pouco em tempo real, e tudo bem porque as pessoas estão sentindo diferentes níveis de cansaço e sentindo diferentes níveis de opressão. O que fazia sentido no início pode não fazer sentido mais tarde.”

“Eu apenas tento usar minha posição para defender o máximo de transparência possível aqui, e quando essas decisões infelizes têm que ser feitas [como fazer cortes], então se trata basicamente de deixar claro como as expectativas de produção mudarão como resultado”, disse Laurence. “Em qualquer empresa em que trabalhei, [as pessoas] sempre pareceram mais obviamente preocupadas (e com razão) em serem solicitadas a fazer exatamente a mesma quantidade de trabalho, mas com menos gente. [Então] as pessoas estão sob o estresse de perder colegas que valorizavam e, em seguida, serem solicitadas a fazer exatamente o mesmo nível de trabalho.”

Sobre o futuro das redações:

“Também é uma discussão em desenvolvimento, mas acho que definitivamente uma maior flexibilidade tem sido importante para nós”, disse Laurence. “Tem havido muita conversa sobre como é um retorno ao normal. E, na verdade, assim como não acho que a sociedade vai voltar ao velho normal, acho que isso também vale para a imprensa... Acho que as mudanças no fluxo de trabalho que fizemos são mais eficientes em alguns casos.”


Chanté Russell é assistente de programas do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês).

Em parceria com a nossa organização-matriz, o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês), a IJNet está conectando jornalistas com especialistas em saúde e líderes de redação por meio de uma série de seminários online sobre COVID-19. A série faz parte do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde do ICFJ. Este artigo é parte de nossa cobertura online sobre COVID-19. Para ver mais recursos, clique aqui.

Imagem principal sob licença CC no Unsplash via Pablo Varela