Após um ano, como a BBC e outras mídias cobrem a guerra Israel-Hamas

por Colleen Murrell 
Oct 16, 2024 em Reportagem de crise
Blue and white sign reading "to Gaza"

Os últimos doze meses de conflito em Gaza receberam uma cobertura da mídia com bravura extraordinária, em sua maior parte feita por jornalistas locais. Autoridades israelenses não permitem a presença da imprensa estrangeira no território ocupado, a não ser em viagens curtas em que os profissionais de mídia são acompanhados pelo exército.

De acordo com a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), as forças israelenses mataram mais de 130 jornalistas palestinos. A RSF também afirma que 32 deles foram atacados deliberadamente, e protocolou quatro denúncias no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra.

Israel vem usando seus poderes para reprimir o que vê como dissidência para fechar redações da Al Jazeera em Ramallah, Nazaré e Jerusalém Oriental. Em abril, o canal foi tirado do ar em Israel. 

Empresas de mídia e correspondentes britânicos têm se manifestado veementemente pedindo acesso a Gaza, mas sem sucesso. Em julho, o Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) fez uma carta assinada por 70 empresas de mídia e ONGs clamando que Israel dê aos jornalistas "acesso independente a Gaza".

Apesar desses desafios, a BBC, a ITN, o Channel 4 e a Sky, dentre outros, conseguiram mesmo assim manter o assunto diante da audiência do Reino Unido por meio de uma cobertura feita em Israel, nos territórios ocupados e no Egito. Com a expansão do conflito para o Líbano, a BBC deslocou mais repórteres especialistas em Oriente Médio para cobrir o conflito ao vivo do território libanês e do norte de Israel.

A equipe de reportagem inclui a repórter síria Lina Sinjab, que é correspondente do Oriente Médio, a correspondente bilíngue Sally Nabil, a correspondente sênior internacional Orla Guerin e o editor internacional Jeremy Bowen.

Nos últimos anos, a audiência da BBC se familiarizou com cenas de grandes equipes apresentando o noticiário ao vivo direto de zonas de guerra. Lyse Doucet e Clive Myrie entraram ao vivo do terraço de um hotel em Kiev por um longo período logo após a invasão da Rússia à Ucrânia. É eficaz, mas caro e muitas vezes perigoso.

Com o tempo, a equipe de reportagem em Kiev foi reduzida, deixando para trás apenas alguns poucos repórteres na Ucrânia ou nas proximidades, mobilizando mais profissionais quando os acontecimentos mostraram ser necessários. Isso pode muito bem acabar sendo o caso de Beirut dentro de algumas semanas.

Acusações de parcialidade 

Apesar dos esforços impressionantes para cobrir os atuais conflitos do Oriente Médio o mais perto possível, a BBC tem sido acusada de parcialidade por ambos os lados. As palavras e técnicas de entrevista dos correspondentes vêm sendo submetidas a fortes questionamentos.

A BBC chegou a receber 1.500 reclamações de sua cobertura somente na primeira semana após o ataque do Hamas em outubro de 2023. As queixas, de acordo com o que foi divulgado, "dividiram-se quase que igualmente entre aqueles alegando que a cobertura tinha um viés contrário a Israel e aqueles dizendo que o viés era contrário aos palestinos".

Em março, o diretor geral da BBC, Tim Davie, e o diretor de política editorial, David Jordan, foram convocados para responder perguntas de um comitê selecionado do Parlamento do Reino Unido sobre a cobertura da emissora. À época, Jordan disse que o número de reclamações tinha subido para 8.000 e que, novamente, elas ficavam em torno de 50%-50% em termos de parcialidade a favor ou contra Israel.

 

A BBC convocou jornalistas em Gaza bem como seus correspondentes internacionais para cobrir a guerra

 

Durante a audiência, Davie respondeu a uma pergunta sobre a equipe da BBC árabe ter retuitado comentários vistos como "essencialmente a favor do Hamas", de acordo com o parlamentar conservador Damian Green. Davie explicou que "alguns dos retuítes que vimos são inaceitáveis, tomamos medidas a respeito e vamos continuar a fazê-lo". 

Houve também reclamações recorrentes diante da recusa da BBC de classificar criminosos responsáveis por violência como "terroristas" a não ser que o termo tenha sido usado por uma fonte. A BBC explicou repetidas vezes a sua lógica, que remonta aos seus princípios originais de não usar linguagem pesada.

Em talvez uma das reclamações mais absurdas, durante a cobertura dos Jogos Olímpicos, o apresentador Hazel Irvine foi acusado de falta de imparcialidade e viés pró-Palestino por mencionar "o sombrio conflito em Gaza" enquanto a delegação palestina navegava pelo rio Sena durante a cerimônia de abertura.

O departamento de reclamações da BBC rejeitou a queixa, afirmando que "não era um requisito de imparcialidade que os comentários dos apresentadores sobre as várias delegações devessem ser precisamente equivalentes".

Na mesma semana, o Conselho de Judeus Britânicos, o Conselho de Liderança Judaica e o Fundo Comunitário de Segurança fizeram um relatório acusando a BBC de ser "institucionalmente hostil a Israel".

Embora a BBC tenha prometido analisar o documento, uma porta-voz da emissora disse que "o conflito Israel-Gaza é uma pauta polarizada e difícil de cobrir, e entendemos que há uma gama de pontos de vista. A BBC vem se concentrando em cobrir o conflito com imparcialidade, levando à audiência as últimas notícias, insights e análises, e refletindo todas as perspectivas". 

Conforme dito anteriormente, a logística da cobertura da linha de frente de um conflito (além dos desafios de acesso particulares a Gaza) torna impossível para a BBC vencer essa guerra de palavras.

Em momentos assim, a tendência é recorrer a uma linguagem neutra, verificação de fatos e cobertura cuidadosa dos dois lados. Sob o comando da atual CEO da BBC News, Deborah Turness, a emissora está tentando ser mais transparente com a audiência em relação à sua cobertura.

Recentemente, Turness acusou os críticos de estarem presos em câmaras de eco nas redes sociais. "A BBC não reflete nem pode refletir um único ponto de vista sobre o mundo", disse, acrescentando que "nesta guerra, não podemos ser um lugar onde um dos lados sente que a sua perspectiva prevalece".

Um conflito em expansão

Veículos menores também estão cobrindo o conflito com credibilidade apesar das circunstâncias limitantes. Também há uma dependência forte das agências de notícias globais – Reuters, AP e AFP – que vêm continuamente empregando jornalistas locais em Gaza como repórteres e fotógrafos.

Com o foco da mídia mudando de uma visão à distância de Gaza para uma guerra regional em expansão que envolve o Irã, a cobertura vai ficar mais difícil. Mesmo nos períodos mais pacíficos, o acesso dos jornalistas que desejam trabalhar em Teerã é altamente limitado.  

O Irã ocupa a posição 176 de 180 países no ranking de liberdade de imprensa da RSF. A mídia é controlada pelo governo e há muitos casos de jornalistas críticos sendo presos.

Com a batalha de Israel e do Irã pelo controle da narrativa, a tarefa dos jornalistas de fazer uma cobertura precisa e completa continua sendo crucial, mas não vai ser mais fácil.


Colleen Murrell é professor de jornalismo na Universidade da Cidade de Dublin.

Este artigo foi republicado do The Conversation como uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

Foto por Emad El Byed via Unsplash.