Já se passaram mais de sete meses desde a eclosão da guerra entre Israel e o Hamas, e não há uma solução no horizonte.
Com negociações de cessar-fogo malsucedidas, a ofensiva militar de Israel em Gaza, que já matou mais de 35.000 palestinos, continua, intensificando uma já calamitosa crise humanitária. Cento e vinte e oito reféns permanecem mantidos em cativeiro pelo Hamas, de acordo com Israel.
O conflito tem ameaçado se expandir na região. E no resto do mundo, manifestações em universidades demandam o fim da guerra.
Os jornalistas em Gaza têm sido fundamentais para levar relatos do que acontece em campo para audiências do mundo todo, sob sério risco às suas vidas e em meio à limitada liberdade de imprensa. Mais de 100 jornalistas, a grande maioria palestinos, foram mortos, de acordo com o Comitê de Proteção aos Jornalistas, naquilo que a Repórteres Sem Fronteiras chamou de "uma das guerras mais mortais de todos os tempos para a mídia". Muitos perderam familiares e foram desalojados, além dos estimados mais de 75% de palestinos em Gaza que foram forçados a fugir de suas casas.
Em Israel, a grande mídia vem amplamente se abstendo de comunicar a devastação da guerra. O governo israelense também adotou medidas para restringir reportagens críticas, ao mesmo tempo em que, junto com o Egito, segue bloqueando pontos de acesso a Gaza, impedindo a entrada de repórteres estrangeiros.
Em uma sessão do Fórum de Reportagem de Crise da IJNet realizada em parceria com o Media Diversity Institute, jornalistas da Palestina e de Israel discutiram suas experiências cobrindo a guerra e a crise humanitária em Gaza e os desafios que eles seguem enfrentando atualmente.
O painel, moderado pela premiada correspondente da NPR Jacki Lyden, reuniu Oren Persico, repórter da revista investigativa israelense The Seventh Eye; Ghousoon Bisharat, editora-chefe da +972 Magazine, comandada por jornalistas palestinos e israelenses; e Raed Othman, diretor-executivo do veículo palestino Ma’an Network.
Sob fogo em Gaza
Jornalistas que cobrem a guerra direto de Gaza enfrentam riscos sem precedentes à sua segurança pessoal em meio aos ataques aéreos e invasões por solo israelenses.
A redação do Ma’an Network foi bombardeada por Israel um dia após os ataques do Hamas, em 8 de outubro, disse Othman. Todos os jornalistas de sua equipe atualmente estão deslocados em diferentes partes de Gaza.
O chefe da redação do veículo em Gaza, Emad Eid, perdeu 28 parentes durante a guerra, incluindo a irmã e os sobrinhos, disse Othman, acrescentando que Eid pagou U$ 26.000 para enviar seus filhos para o Egito via um serviço privado de "viagem VIP". Atualmente, ele mora em uma barraca com dois outros jornalistas do lado de fora de um hospital em Rafah, onde continua fazendo reportagens com seu telefone e uma conexão de internet intermitente.
O fotógrafo da equipe, Ahmed Ghabayen, está incontactável desde o dia 7 de outubro, embora Othman acredite que ele ainda esteja vivo, já que o nome dele não foi listado entre as vítimas.
A jornalista Rawan Al-Sourani, que havia comprado um apartamento há um ano, agora mora em um acampamento entre Rafah e Khan Younis, disse Othman. "Eu não sei se você consegue imaginar o que isso significa: não tem banheiro, não tem chuveiro. Não tem nada."
Outra jornalista do Ma’an, Fida Helles, passou por diferentes campos de refugiados e no momento está em um na região central de Gaza. Othman faz contato com ela via mensagens de voz algumas vezes por semana.
A +972 Magazine trabalha com jornalistas freelance em Gaza e já fez reportagens sobre a luta dos profissionais por comida, água, abrigo e cuidado para suas famílias, explicou Bisharat. "Uma das nossas jornalistas, Ibtisam Mahdi, no momento está morando com os dois filhos em Khan Younis e trabalhando com o celular, o que é muito difícil pra ela e pra nós. Este é o quinto deslocamento dela desde outubro de 2023."
Devido à comunicação ineficiente e irregular com os jornalistas em campo, a verificação de fatos leva mais tempo, o que na maioria das vezes impede que a +972 publique sobre um acontecimento enquanto ele ocorre, observou Bisharat.
Parcialidade e censura em Israel
Em Israel, a cobertura tem sido obstruída pelas conexões pessoais dos jornalistas com a guerra e o trauma causado pelos ataques do Hamas, explicou Persico.
"Os jornalistas israelenses são parte da sociedade israelense e a sociedade israelense está em um estado bastante pós-traumático. A atenção ainda está muito dedicada ao que aconteceu em 7 de outubro e a situação com os reféns", disse. "Os repórteres estavam no exército ou seus filhos estão lutando em Gaza. Como parte da sociedade israelense, eles preferem cobrir coisas que não vão prejudicar o esforço da guerra."
Persico acrescentou que os jornalistas tendem a se afastar da cobertura da crise humanitária em Gaza. "O que você vê são principalmente judeus israelenses vítimas da guerra e a vitimização dos israelenses", disse. "Há muita autocensura e muitas escolhas que os jornalistas em Israel fazem que impedem muitas informações de chegarem ao público israelense."
Enquanto isso, Israel tem buscado filtrar as notícias que chegam aos cidadãos, um esforço que tem se prolongado aos veículos estrangeiros que funcionam no país. Em abril, o Parlamento de Israel aprovou uma lei permitindo ao governo banir temporariamente veículos considerados uma ameaça à segurança nacional. A lei acabou de ser usada neste mês para fechar a Al Jazeera, o importante veículo jornalístico com origem no Catar.
Persico lembrou que ele era o único repórter no tribunal quando o juiz analisou a ordem do governo israelense de fechar a Al Jazeera. "Isso te mostra a falta de interesse dos jornalistas israelenses no que está acontecendo com a Al Jazeera. Eles não enxergam a Al Jazeera como colegas ou nem mesmo como uma ferramenta de propaganda, mas como uma parte do mecanismo de terror", disse.
Restrições que impedem os jornalistas de entrar em Gaza também fizeram com que alguns veículos recorressem à incorporação às Forças de Defesa de Israel. A cobertura resultante desse arranjo carece de autenticidade e precisão, disse Persico. "Quando você está incorporado, é difícil informar com precisão sobre o que está acontecendo e, obviamente, é difícil entrevistar um cidadão quando você está cheio de soldados armados nas suas costas."
Os jornalistas palestinos também estão lutando contra a censura do Hamas ao seu trabalho independente, observou Persico. "Você não tem permissão para criticar abertamente o Hamas em Gaza. E os repórteres sabem disso e têm medo", disse.
Amplificando vozes
A +972 cobriu as manifestações que eclodiram pelo mundo, incluindo os protestos antiguerra e pró-Palestina em universidades nos EUA e como eles são retratados pela mídia israelense.
"Os protestos são percebidos por nossos leitores, e particularmente em Gaza, com um otimismo muito cauteloso", disse Bisharat sobre as manifestações estudantis nos EUA. "Esses manifestantes não vão conseguir parar a guerra, mas ao menos vão conscientizar sobre o sofrimento do povo palestino em Gaza."
A revista também fez a cobertura de protestos em Israel, incluindo aqueles que pedem ao governo para resgatar os reféns capturados pelo Hamas, e manifestações antiguerra de judeus israelenses condenando o ataque militar em Gaza.
"Nós amplificamos as vozes de famílias de reféns que estão pedindo cessar-fogo. Nós amplificamos as vozes de mães e pais de soldados que morreram na guerra em Gaza pedindo cessar-fogo, paz e reconciliação duradouras", disse Bisharat.
Ela reforçou a necessidade de jornalistas se unirem diante das condições fatais e da repressão à liberdade de imprensa que afeta o trabalho da imprensa.
"O nível de solidariedade entre jornalistas israelenses e palestinos, jornalistas independentes que estão se opondo à guerra, é extremamente alto", disse Bisharat. "Eu acho que nós precisamos disso hoje mais do que nunca."
Foto por Abdel Hady Nabil Farhat.