O que jornalistas precisam saber para combater a desordem de informação

Dec 26, 2022 em Combate à desinformação
Abstract web

De afirmações sem provas de fraude eleitoral a conspirações sobre vacinas, o estado de "desordem informacional" consumiu o ecossistema online nos últimos anos. O fenômeno é composto por desinformação, informação enganosa e informação maliciosa e pode ser difícil de ser compreendido, estudado e combatido por jornalistas. 

Drª. Claire Wardle, codiretora do Information Futures Lab na Universidade Brown, discutiu sobre a desordem informacional no setor de saúde e para além dele durante uma aula especial do projeto Disarming Disinformation, do ICFJ, feito em parceria com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.  

Wardle, que também é cofundadora do site educativo sobre desinformação First Draft, deu conselhos essenciais para jornalistas que querem pesquisar e combater o problema.

Informação enganosa, desinformação e informação maliciosa

Embora sejam usadas de forma intercambiável, informação enganosa, desinformação e informação maliciosa são componentes distintos da desordem informacional. "Se não entendermos bem as categorias [ao defini-las], não conseguimos estudá-las", alertou Wardle.

  • Informação enganosa "é o compartilhamento de conteúdo falso ou enganoso por conta de uma crença de que ele irá ajudar", disse Wardle. Pessoas comuns são as principais disseminadoras de informação enganosa: elas podem compartilhar a informação sem antes verificar se ela é exata ou não, ou porque elas genuinamente acreditam que é verdade.
  • Informação maliciosa diz respeito à informação que tem intenção de causar dano. Por exemplo, um documentário lançado após as eleições de 2020 dos Estados Unidos incluía vídeos de urnas que os produtores do filme ligaram às alegações sem fundamento de fraude eleitoral. Combinados com essas alegações, os vídeos promoveram narrativas falsas de uma "eleição roubada".
  • Desinformação está na interseção entre a informação enganosa e a informação maliciosa. Ela envolve informação falsa divulgada e compartilhada com a intenção de causar dano. Frequentemente, pessoas que espalham desinformação o fazem por razões políticas, lucro ou para provocar caos.

Como há nuances entre as categorias, Wardle recomendou que os jornalistas avaliem os conteúdos em uma série de três espectros: exatidão do conteúdo, a crença de uma pessoa no conteúdo e a intenção da pessoa de causar dano ao espalhar o conteúdo. A crença de uma pessoa em uma narrativa falsa, em especial, pode mudar como a informação se espalha e afeta o mundo offline.

"As pessoas que invadiram o Capitólio [dos Estados Unidos] em 6 de janeiro achavam que estavam preservando a democracia. Elas achavam que estavam salvando a Constituição", disse Wardle, se referindo à tentativa de insurreição de 2021 nos Estados Unidos. "Isso nem sempre é tão fácil como pensávamos em 2016. As táticas estão evoluindo, o cenário está evoluindo e temos que estar cientes dessas mudanças no nosso ecossistema informacional." 

Jornalistas como cúmplices

Jornalistas podem involuntariamente desempenhar um papel na disseminação de desinformação em ampla escala. Por exemplo, a equipe de Wardle descobriu que os grandes canais de notícias dos Estados Unidos, MSNBC, CNN e Fox News, transmitiram mais de 32 horas de cobertura especificamente em torno dos tweets de Donald Trump, exibindo visualmente 1.954 deles na tela, entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021. Frequentemente com esforço insuficiente para desmentir o conteúdo, os canais de TV ajudaram a assegurar que Trump e suas alegações falsas dominassem as narrativas sobre a eleição.

Agentes mal intencionados sabem hoje que eles podem usar repórteres em benefício próprio para conseguir cobertura da mídia. "A primeira vez que o QAnon foi mencionado nos Estados Unidos foi depois de uma campanha do Trump, na qual apoiadores apareceram usando camisetas e segurando cartazes", disse Wardle. "Eles discutiram no 4Chan onde ficar para poderem aparecer diante das câmeras." 

Enquanto jornalista, é imperativo considerar se a sua reportagem vai desempenhar um papel que os agentes de desinformação querem que você exerça. Mesmo tentativas bem intencionadas de desmascarar mitos podem fazer com que informações sobre uma conspiração ou informações enganosas se espalhem. Por exemplo, no início do ano a FDA divulgou um vídeo alertando as pessoas a não cozinharem frango usando o medicamento Nyquil. A moda não era particularmente popular, mas depois da FDA abordar o assunto, as buscas sobre o tema dispararam no TikTok.

"Você precisa conhecer sua audiência e precisa tomar uma decisão: até que ponto é preocupante o bastante para o meu público para que eu precise intervir e deixar claro que [a informação enganosa] não é verdadeira?", disse Wardle. "Reconheça que há agentes mal intencionados que às vezes estão deliberadamente tentando fazer com que você desminta algo porque eles querem que você os dê oxigênio. Há muito espaço para educar sua audiência sobre isso em vez de esperar até ela ver uma informação falsa para dizer a ela que está equivocada." 

Agentes mal intencionados vão tirar vantagem de tendências jornalísticas de ganhar legitimidade para suas conspirações. Como jornalista, sempre preste atenção: "Como você pode informar de uma forma que não dê oxigênio a comunidades de nicho para acabar sendo uma ferramenta de recrutamento?", disse Wardle. 

Como evitar ser usado e revelar a verdade

Há algumas táticas que jornalistas podem empregar para identificar melhor e lutar contra a desordem informacional. Entender e combater uma narrativa, em oposição a mirar em indivíduos ou rumores, por exemplo, é essencial. 

"Nós estudamos um vídeo do YouTube, um post no Facebook, um tweet. Mas temos que ser melhores em entender as maneiras pelos quais essas peças constituem individualmente o modo como as pessoas dão sentido ao mundo", disse Wardle. "É mais difícil estudar essas narrativas, por isso acabamos lidando superficialmente com exemplos isolados em vez de entender como tudo se encaixa."  

Ela explicou como sua equipe de pesquisadores categorizou as principais queixas sobre a vacina da COVID-19 feitas pelas pessoas online em seis narrativas essenciais. Receios de que as vacinas não fossem seguras não eram o principal problema para a maioria das pessoas. Infrações contra a liberdade estavam no topo da lista de receios dos falantes de inglês. Para os falantes de espanhol, narrativas morais e religiosas sobre a vacina eram as mais prevalentes. Falantes de francês estavam mais preocupados com motivos políticos e econômicos.

"É isso que precisamos entender; como nós respondemos à forma real com que as pessoas estão falando sobre vacinas?", disse Wardle. "Muitas pessoas, não só agentes de desinformação, são obcecadas com essas outras formas de pensar."

Outra forma de combater a desordem informacional? Comece a fazer memes. Muitas pessoas como nós — pesquisadores, jornalistas, verificadores de fatos, cientistas  — adoram textos. Nós nos sentimos estranhos por sermos emotivos, mais pessoais, visuais porque não é a forma como fomos treinados", disse Wardle. "Mas é nisso que precisamos ser melhores porque esse é o jeito que nossos cérebros funcionam. O outro lado entendeu isso muito, muito, muito melhor do que nós."

No entanto, talvez o maior dilema esteja no timing. Para Wardle, jornalistas focam demais em desmentir inverdades em vez de preencher lacunas de informação antes que teóricos da conspiração o façam. Por exemplo, se as pessoas tivessem sido educadas sobre o que exatamente é o mRNA, e que ele é um componente de algumas vacinas da COVID, agentes mal intencionados nunca teriam conseguido forçar a narrativa segundo a qual vacinas de mRNA podem mudar o DNA.

"Jornalistas querem focar na loucura, no bizarro, no conspiratório: Bill Gates colocando microchips nas vacinas. Mas precisamos pensar sobre a cadeia de suprimento como um todo e nos déficits de dados, quando as pessoas têm perguntas que não estão sendo respondidas", argumentou Wardle.


O projeto Disarming Disinformation é realizado pelo ICFJ com financiamento da Scripps Howard Foundation, organização afiliada do Scripps Howard Fund, que apoia os esforços de caridade da The E.W. Scripps Company. O projeto de três anos vai empoderar jornalistas e estudantes de jornalismo para lutar contra a desinformação no noticiário.

Foto por Uriel SC via Unsplash.