Mídia na Indonésia amplia letramento e combate desinformação

por Hanaa' Tameez
May 2, 2023 em Combate à desinformação
A man sitting at the edge of a cliff looking at a red and white flag.

Uma noite, Park Yana assistia TV sentado no sofá de sua casa na Indonésia quando recebeu uma chamada de vídeo da filha. Ela disse ao pai que ele precisava tomar a dose de reforço da vacina contra a COVID-19 para que pudesse visitá-la quando o neto dele nascesse. Irritado e cético, Park Yana entregou o telefone de qualquer jeito para a esposa Bu Iroh em troca do controle remoto da TV.

Bu Iroh estava decidida a ver seu neto e a fazer com que seu marido parasse de acreditar em qualquer mensagem encaminhada pelo WhatsApp em detrimento de informações factuais. Vestida com um casaco vermelho e um chapéu, e com uma lupa gigante nas mãos, ela saiu com o marido pela cidade enquanto ouvia e desmentia as falsas ideias das pessoas sobre as vacinas.

Essa história  — retirada de um vídeo no YouTube de 22 minutos em estilo de série de comédia — é uma das ferramentas que a Mafindo (um acrônimo para Sociedade Indonésia Anticalúnia) está usando para combater a desinformação e ampliar o letramento de mídia na Indonésia, a terceira maior democracia do mundo.

A Mafindo tem uma equipe principal de nove pessoas, além de milhares de voluntários na Indonésia que ajudam a realizar cursos, verificação de fatos e fazer com que a população se aproxime mais do trabalho da organização.

A Mafindo oferece vários recursos além do vídeo com o objetivo de gerar conversas, identificação e ir onde as pessoas estão. O grupo da organização no Facebook tem mais de 98.000 membros; no site TurnBackHoax.id, a Mafindo mantém um arquivo de todo o conteúdo de desinformação desmascarado pelo grupo. A organização realiza cursos sobre os perigos reais de desinformação eleitoral. Ela também criou um robô de chat do WhatsApp para verificar informações dúbias e um aplicativo para desmentir boatos. É parceira de verificação de fatos do Facebook e recebeu financiamento do Google News Initiative para realizar um programa de letramento de mídia.

O ambiente de mídia da Indonésia é complicado. Apesar de veículos independentes serem tecnicamente livres para funcionar, as leis do país relativas a calúnia e difamação são vagas, colocando tanto jornalistas quanto cidadãos desinformados em risco. No ano passado, o parlamento indonésio aprovou uma lei que proíbe "insultar" instituições estatais, "regula o ato criminal de transmitir ou disseminar notícias ou notificações falsas" e "regula atos criminais contra qualquer pessoa que transmita notícias que sejam incertas, exageradas ou incompletas". A ONU alertou que a lei pode reprimir a liberdade de expressão e silenciar o dissenso, e a Human Rights Watch chamou a lei de "um completo desastre para os direitos humanos na Indonésia."

Em 2022, 68% dos indonésios afirmaram que sua fonte primária de notícias eram as redes sociais, e somente 39% afirmaram que confiavam nos veículos jornalísticos. Nas eleições presidenciais de 2019, quase metade das informações falsas compartilhadas sobre os candidatos vieram do Facebook, conforme identificou a BBC.

Essas leis fazem com que as chances de compartilhar desinformação, mesmo acidentalmente, sejam incrivelmente altas (em 2019, a Mafindo fez várias oficinas de verificação de fatos com donas de casa depois de algumas mulheres serem presas por compartilhar notícias falsas). De acordo com Harry Sufehmi, fundador da Mafindo, as leis em questão também não vão na raiz dos problemas, como os algoritmos das plataformas que impulsionam conteúdo falso porque engajam mais. Em vez disso, a legislação pune as pessoas que não têm domínio das ferramentas digitais.

"A maior parte das pessoas que disseminam boatos não é criminosa", disse Sufehmi por email. "Elas são vítimas na verdade. Não as prenda; em vez disso, faça uma reabilitação com elas e se esforce mais para educar o público. Foque nos agentes por trás dos boatos, principalmente nos patrocinadores deles. Siga o dinheiro."

É por isso que a Mafindo foca nos cidadãos. Um dos princípios fundamentais da organização é que a disseminação de informação falsa é um problema social, não algo que possa ser resolvido de cima para baixo pelo governo. Em um evento da Organização Mundial da Saúde em 2021, Santi Indra Astuti, membro da diretoria da Mafindo, descreveu a crença ampla da organização segundo a qual as soluções para a desinformação devem "evitar a intervenção do governo o máximo possível" (a Mafindo fez uma parceria com a força tarefa de COVID-19 do governo indonésio para iniciativas de verificação de fatos, mas não aceita financiamento governamental).

A Mafindo nasceu de um grupo do Facebook que desmascarava desinformação criado por Sufehmi em 2014. Depois de ver parentes e amigos brigarem por causa de informações falsas que compartilhavam sobre a a eleição presidencial daquele ano, ele quis fazer algo para ajudar. O grupo, cujo nome pode ser traduzido para Fórum Contra Difamação, Provocação Boato, chegou a dezenas de milhares de membros nos dois primeiros anos, o que levou Sufehmi a criar a Mafindo como uma organização de base em 2016.

Ao completar oito anos em atividade, a Mafindo chegará à próxima eleição presidencial, em 2024, com foco em seus programas atuais centrados no pré-desmascaramento, ou seja, estimular as pessoas a pensarem criticamente sobre a informação que recebem e consomem, principalmente antes de compartilhar conteúdo. 

"Quando desmascaramos algo, é como se uma casa já estivesse pegando fogo e a gente está apagando o incêndio", diz Sufehmi. "Mas com o pré-desmascaramento, esperamos na verdade conseguir prevenir o incêndio." 

O objetivo da Mafindo é ser justa, neutra e empática com seu trabalho e com sua comunidade, de acordo com seu código de ética. Esse princípio foi reforçado em 2020, no começo da pandemia de COVID-19. Naquela época, Astuti conta que a Mafindo já tinha os métodos e ferramentas para desmascarar a desinformação, mas os fatos não eram o bastante.

"As pessoas não queriam nos ouvir quando as alertávamos sobre desinformação", disse Astuti por email.

O que a Mafindo fez foi colocar seus representantes para trabalhar com as comunidades de modo a ajudá-las com suas necessidades mais imediatas.

"Unimos forças com as pessoas para arrecadar doações, alimentos, refeições, remédios e qualquer coisa que pudesse ajudá-las a sofrer menos", relembra Astuti. "Durante essas atividades, de repente surgiam janelas de oportunidade para falar sobre desinformação. Era durante uma conversa casual em uma situação informal que as pessoas voltavam a nos ouvir."

A Mafindo descobriu que trabalhar com comunidades em crise em suas necessidades mais imediatas também cria confiança no trabalho da organização. As pessoas precisam de suprimentos básicos antes de precisarem de verificação de fatos. Mas Astuti diz que "sem mergulhar na vida cotidiana, eu acho que vamos perder oportunidades de ouvir e sentir as emoções e percepções das pessoas e o motivo para tais percepções existirem." 


Este artigo foi publicado originalmente pelo Nieman Lab e republicado na IJNet com permissão.

Foto por Anggit Rizkianto via Unsplash.