Jornalistas da Indonésia colaboram entre si para fazer denúncias

Jan 5, 2022 em Jornalismo colaborativo
Red and white flag blowing in the wind.

A reportagem investigativa tem tradicionalmente ficado em segundo plano na Indonésia, já que os veículos frequentemente competem entre si para serem os primeiros a darem as notícias quentes. Investigações podem exigir tempo e recursos significativos para revelar questões por baixo dos panos, e as empresas jornalísticas podem correr um risco maior de processos ao realizá-las.

A colaboração pode remediar esses problemas, como alguns jornalistas no país estão começando a provar. "Se trabalhamos juntos, riscos legais e custos podem ser compartilhados", diz Abdul Manan, repórter da Tempo Magazine.

Desde a conscientização sobre o abuso sexual em universidades à revelação da coleta insuficiente de dados sobre a COVID-19, repórteres indonésios estão colaborando para investigar novas questões diariamente.

Durante a pandemia, Haris Firdaus, jornalista no Kompas Daily Newspaper, ficou incomodado com as discrepâncias entre os dados sobre a COVID-19 na província de Yogyakarta divulgados pelo governo e o que ele descobria em suas reportagens. Com uma equipe de colegas jornalistas, ele buscou facilitar a coleta de dados enquanto trabalhava de casa e em meio à falta de transparência do governo. "Cada membro da equipe tem sua própria especialidade. Por exemplo, há aqueles que são fortes em networking, análise de dados e por aí vai. Nós complementamos uns aos outros", afirma Firdaus.

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Desde que o governo anunciou o primeiro caso de COVID-19 no país, em março de 2020, a mídia tem destacado a imprecisão dos dados oficiais, especificamente em relação ao número de casos e mortes. Por exemplo, embora, de acordo com o governo, o número total de casos na Indonésia esteja em torno de 4,2 milhões, com mais de 144.000 mortes, estima-se que o número de mortes seja muito maior.

Firdaus e sua equipe produziram uma série de seis reportagens colaborativas sobre a pandemia. Ele explica que o trabalho revelou o número de vítimas suspeitas de COVID-19 que foram enterradas como se tivessem contraído o vírus, mas não foram registradas como vítimas do surto, e também os serviços de saúde que quase colapsaram devido ao crescente número de pacientes em Yogyakarta.

Depois da publicação das reportagens, Firdaus afirma que as autoridades públicas foram mais proativas na condução do surto e que o monitoramento de dados melhorou.

A importância de colaborar

Em momentos críticos, a competição na mídia deve ficar de lado, explica Firdaus. "Nós sacrificamos a exclusividade pelo interesse maior do interesse público", diz.

Evi Mariani, jornalista que já trabalhou para o The Jakarta Post, concorda que jornalistas precisam desinflar seus egos quando se envolvem em reportagens colaborativas. "Se quisermos que a cobertura tenha impacto e alcance uma audiência maior, então a escolha é colaborar", diz.

Quando era repórter no The Jakarta Post em 2019, por exemplo, Mariani trabalhou com repórteres do Tirto.id, da Vice Indonesia e da BBC News Indonesia para coletar depoimentos de 174 sobreviventes de violência sexual em 79 universidades em 29 cidades para sustentar as descobertas da apuração. Intitulada "Campus Reputation" (Reputação do Campus), a série obteve atenção significativa do público. O Ministério da Educação da Indonésia recentemente publicou um decreto ministerial para proteger estudantes da violência sexual em campi, um movimento ousado em meio à oposição de grupos conservadores.

A série ganhou o prêmio de Excelência em Jornalismo de Serviço Público da Sociedade de Editores da Ásia e, em 2020, o prêmio Tasrif da Aliança de Jornalistas Independentes da Indonésia. O trabalho foi reconhecido por sua habilidade de descrever a escala aguda do problema, localizar sobreviventes e estimular o debate público.  

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IndonesiaLeaks

Houve também um esforço anterior de reportagem colaborativa na Indonésia chamado IndonesiaLeaks. A plataforma facilita que delatores ou informantes públicos enviem de forma anônima documentos confidenciais para nove veículos jornalísticos para que eles possam investigar e publicar o que descobrirem.

Um dos criadores do IndonesiaLeaks, Manan explica que a colaboração pode oferecer um estímulo a reportagens sobre questões críticas. No caso da série "Reputação do Campus", a violência sexual — um problema que não era muito debatido — recebeu ampla atenção do público, tanto online quanto offline, porque o assunto foi publicado simultaneamente por vários veículos e apresentado com o detalhe e contexto necessários.

Diante das muitas reportagens colaborativas realizadas recentemente e seu impacto no debate público, Manan está otimista de que mais jornalismo investigativo será produzido na Indonésia no futuro. "Eu acho que a necessidade de colaboração para fazer matérias é inevitável", ele diz.


Foto por Nick Agus Arya no Unsplash.