Mídia online do Haiti enfrenta desinformação: muitas vezes não é feita por jornalistas

Oct 11, 2024 em Jornalismo multimídia
Vue sur Pétionville

A mídia online do Haiti explodiu e hoje soma mais de 100 veículos. O crescimento desse setor mudou profundamente a forma como os haitianos consomem informação: um estudo de 2020 descobriu que 98% dos participantes dependem da internet para ter acesso a notícias.

Enquanto alguns enxergam veículos exclusivamente digitais como adições valiosas ao cenário de mídia do Haiti, outros argumentam que eles contribuem significativamente com a proliferação de conteúdo falso, por meio de manchetes enganosas e a publicação de desinformação.

Desafios específicos da mídia online no Haiti

A mídia online no Haiti enfrenta dois desafios principais: financiamento e qualidade da internet. Muitas instituições, por exemplo, são céticas em relação ao potencial comercial da mídia digital e preferem financiar veículos mais tradicionais. A má qualidade da internet, por sua vez, frequentemente gera atrasos na publicação de informações.

Apesar desses obstáculos, mídia online e tradicional coexistem e se influenciam mutuamente. Muitos veículos tradicionais estão descobrindo que suas audiências estão se fragmentando e estão se esforçando para manter uma presença online e se manterem relevantes. 

Guerking Souffrant, CEO do site de notícias Passion Info Plus, argumenta que a mídia online beneficia os haitianos ao oferecer acesso imediato e em tempo real à informação. No entanto, ele reconhece que nem todos os veículos online são legítimos.

"A mídia online é um pacote: você precisa registrar, criar um site e ter plataformas adicionais nas redes sociais para distribuir a informação. Uma pessoa não pode alegar ter um veículo online se ela só tem uma página no Facebook ou uma conta para compartilhar conteúdo", diz.

Paralelamente, pessoas conhecidas como "os homens telefone" – gente que usa o celular para disseminar conteúdo que na maioria das vezes carece de padrões jornalísticos – frequentemente alimentam a propagação de desinformação. Essas pessoas, observa Souffran, tratam o Facebook como um negócio, gerando todo tipo de conteúdo para turbinar a audiência e ganhar dinheiro. "Não é preciso ser um jornalista para se envolver com isso", diz, acrescentando que, apesar disso, muitas pessoas talvez enxerguem esses indivíduos como jornalistas. 

Eddy Trofort, editor-chefe do Haiti Press Network e pioneiro da mídia online no país, acredita que o crescimento desregulado do jornalismo online está desvalorizando o trabalho noticioso por meio de "práticas amadoras". Mas ele também observa que a mídia digital ajudou a aumentar a transparência.

"A expansão da mídia online alterou significativamente a retenção de informação", diz. "A circulação veloz de notícias torna cada vez mais difícil para os órgãos oficiais esconderem certos fatos. A informação pode ser rapidamente transmitida com um smartphone, forçando as autoridades a responderem em tempo real."

Regulamentação e ética

Godson Lubrun, presidente da Associação Haitiana de Mídia Online (AHML), diz que o governo haitiano, em colaboração com a sociedade civil, deveria criar um marco legal para regulamentar a mídia online.

"Atualmente, o proprietário de um veículo online não precisa seguir nenhuma norma para se estabelecer e operar como um um veículo oficial de mídia online. Além disso, o estado ainda não tem definidos os critérios para se tornar um jornalista no Haiti. Essa ausência de um marco legal para a mídia online e para os jornalistas profissionais é um grande desafio", diz.

Troford diz que esse não é um problema exclusivo da mídia online. "A mídia tradicional enfrenta tantos abusos quanto o setor de comunicação online moderna", diz. Ele sugere que a mídia em geral realize reuniões de trabalho com profissionais do direito para desenvolver propostas de legislação.

Associações de mídia também devem oferecer capacitação aos jornalistas em assuntos como o combate à desinformação e processamento de informação, defende Souffrant. A capacitação deve não só empoderar os profissionais, mas também aprimorar sua capacidade de envolver os cidadãos em assuntos de interesse público. Lubrun diz que "é crucial capacitar os jornalistas em questões ligadas ao bem comum, o que não deve ser uma responsabilidade unicamente dos tomadores de decisão".

A AHML planeja organizar uma série de atividades para capacitar jornalistas haitianos, fornecer equipamentos de proteção, apoiar iniciativas para desenvolver um marco legal para a mídia e defender a imprensa online responsável.


Foto por Heather Suggitt via Unsplash.

Este artigo foi originalmente publicado no site da IJNet em francês.