Mídia impressa do Haiti está à beira da extinção

Sep 20, 2024 em Sustentabilidade da mídia
Homme lisant un journal devant un mur de journaux

A mídia impressa do Haiti está praticamente extinta atualmente. A última baixa foi o único jornal impresso diário remanescente até então, o Le Nouvelliste.

O jornal suspendeu sua edição impressa depois que gangues armadas atacaram a redação no centro de Port-au-Prince, em abril. "A mídia impressa estava quase extinta; o Le Nouvelliste era o último de pé", diz Max Chauvet, diretor de operações da publicação, acrescentando que o Le Nouvelliste espera retomar a edição impressa em algum momento no futuro. "É muito preocupante para um país estar sem mídia impressa."

Embora Port-au-Prince tenha alguns jornais semanais produzidos por profissionais em diáspora, a circulação é limitada.

"A ausência de mídia impressa no Haiti vai gerar sérias consequências para a divulgação de conhecimento no país", alerta Jacques Desrosiers, secretário geral da Associação de Jornalistas Haitianos.

"A mídia impressa funciona também como os arquivos do país", diz. "Se você precisar aprender sobre um evento que aconteceu há muito tempo, você recorre a um jornal impresso. Embora a tecnologia ofereça possibilidades de arquivamento, ainda não chegamos a esse nível no Haiti."

A fragilidade dos arquivos digitais

O ataque à redação do Le Nouvelliste foi a gota d'água para os diretores da publicação decidirem migrar totalmente para o digital.

"No momento, não conseguimos produzir a versão em papel. Isso não significa que nós a abandonamos completamente. Se a ordem for restaurada e pudermos obter acesso novamente à redação, vamos retomar a produção", diz Chauvet.

Embora sites possam fornecer acesso à informação na ausência da mídia impressa, há limitações quando o assunto é retenção de dados. "Tome como exemplo o [jornal haitiano] Le Matin, que era publicado online. Agora que ele não existe mais, o conteúdo não está mais disponível na internet", observa Desrosiers. 

Após o ataque, o Le Nouvelliste realocou sua redação de Port-au-Prince para Pétion-Ville, subúrbio nas proximidades. Mesmo assim, é muito dispendioso mover todo o equipamento do jornal pela cidade, diz Chauvet, e a necessidade de reparos e de repor suprimentos é uma preocupação adicional. 

"Nós vamos precisar fazer reparos e encomendar suprimentos antes de as prensas voltarem a funcionar. Mas mesmo assim, como vamos chegar a assinantes que mudaram, seja em Martissant ou em Carrefour-Feuilles?", diz Chauvet, referindo-se às cidades nos arredores de Port-au-Prince. "São esses desafios que levaram à suspensão temporária da versão em papel."

Continua havendo também grande preocupação com a segurança. "Não só muitas pessoas mudaram, mas também muitos carteiros não queriam assumir o risco de entregar os jornais", diz Chauvet.

Em conjunto, essas circunstâncias tornaram praticamente impossível entregar os jornais impressos aos assinantes. "Os caminhões não conseguiam mais abastecer, não conseguiam mais entregar o jornal, nós não conseguíamos receber os insumos, nossos funcionários não conseguiam sair na rua", diz Chauvet.

Transição para o digital

O Le Nouvelliste já tinha reduzido a circulação da edição impressa antes do ataque, tendo em vista que muitos assinantes deixaram suas casas em meio à crise política em curso no Haiti. Outro optaram por receber as notícias somente online.

"Cada vez mais, a demanda por conteúdo online está nos pressionando a focar no digital. Agora, sem receita por termos perdido nossos assinantes do impresso, estamos trabalhando na implementação de um paywall para que o acesso online, atualmente gratuito, passe a ser cobrado", diz Chauvet. Ele alerta que o jornal vai ter que fechar completamente se não conseguir achar uma forma de monetizar as assinaturas online. 

De acordo com Desrosier, a mídia impressa vai precisar de ajuda para se recuperar. Ele defende que os veículos haitianos recebam apoio estatal em troca da adesão a um modelo regulatório bem elaborado.

A mudança para o digital não é de todo negativa; ela oferece a oportunidade de o jornal se tornar mais independente, diz Chauvet. "A vantagem de ter um site com assinantes pagos é que a nossa responsabilidade se volta totalmente para eles." 


Foto por Ian Maina via Unsplash.

Este artigo foi originalmente publicado na IJNet em francês.