Poderosos são responsabilizados por corrupção em Gana

Mar 29, 2022 em Liberdade de imprensa
Stormy weather over a Ghana city

A corrupção tem sido um grande impedimento ao crescimento econômico, boa governança e desenvolvimento social em países no mundo todo. Infelizmente, com frequência isso recebe pouca cobertura.

Na África, políticos, grandes empresários e outros grupos poderosos corruptos têm intimidado jornalistas e tentado enfraquecer sua credibilidade profissional — especialmente quando eles cobrem questões como assassinatos com motivação política, violência contra grupos minoritários, extremismo, dentre outros. Essas pressões podem fazer os jornalistas sentirem a necessidade de omitir fatos e informações relevantes na hora de produzir suas matérias, por medo de se exporem a ataques.

Pegue o caso do jornalista investigativo nigeriano Elijah Akoji, por exemplo. Depois de ele divulgar como o ex-presidente da Câmara dos Deputados da Nigéria, Yakubu Dogara, desperdiçou 1 bilhão de nairas que eram destinados a projetos escolares em seu distrito eleitoral, Dogara processou o veículo, exigindo 2 bilhões de nairas por danos. "Ele até mandou capangas atacarem a mim e ao meu editor, insistindo que deveríamos abandonar a pauta, mas nós escapamos", diz Akoji.

Ameaças e violência contra jornalistas funcionam para abalar o papel de vigilante que a mídia desempenha na sociedade e podem fazer com que o público perca a confiança em reportagens críticas. Diante desses desafios, reportagens sobre prestação de contas se tornam ainda mais vitais.

"Houve casos de jornalistas presos, detidos e às vezes torturados, e nada acontece”, diz o jornalista investigativo Manasseh Azure. "Em Gana, um jornalista foi assassinado em 2019 depois de ter sido abertamente ameaçado por um líder do partido governista, e o caso ainda não teve solução."

Azure se refere a Ahmed Hussein-Suale, um repórter disfarçado que foi assassinado em Madina, no subúrbio da capital do país, Acra, quando voltava de carro para casa.

Partindo para a ação

Na esperança de mudar essa realidade, em março de 2021, a Media Foundation for West Africa (MFWA) lançou o The Fourth Estate, um projeto independente e sem fins lucrativos de jornalismo de interesse público e prestação de contas em Gana que busca ressuscitar a reportagem que responsabiliza os poderosos, melhora a transparência do setor público e amplifica vozes e assuntos marginalizados.

"É uma resposta ao cerco cada vez mais fechado de agentes estatais contra o jornalismo crítico, que rouba dos jornalistas a liberdade de exercer livremente seu papel de vigilante", disse Azure, editor-chefe do veículo.

Oito jornalistas administram o The Fourth Estate atualmente, sendo responsáveis pelo site e por um canal no YouTube. A equipe trabalha sob a orientação de um conselho editorial, que consiste em ex-repórteres, editores e acadêmicos experientes e bem-sucedidos, e também um advogado que revisa todas as matérias antes da publicação.

Reportagens que geram mudança

No ano passado, o Fourth Estate produziu matérias de impacto sobre corrupção, direitos humanos, meio ambiente e saúde.

Uma investigação intitulada "O predador sexual licenciado" revelou como um profissional de saúde habilitado em Acra, Gana, usou seu consultório para assediar sexualmente as suas pacientes. A matéria resultou na prisão do profissional, e no momento ele está sendo processado. Em 2021, a Rede Global de Jornalismo Investigativo nomeou a reportagem uma das dez principais reportagens investigativas da África Subsaariana.

O The Fourth Estate também expôs como o governo ganense desperdiçou recursos públicos no combate à pandemia e como a falta de um serviço de saúde adequado no país resultou em um número maior de mortes por COVID-19.

Adwoa Adobea-Owusu escreveu uma matéria ampla sobre atividades fraudulentas em alguns laboratórios de testes de COVID-19, incluindo a unidade de saúde dentro do complexo penitenciário de Gana. A reportagem, que investigou como os funcionários desses laboratórios emitiam resultados falsificados de testes de COVID-19, fez o governo abrir uma investigação sobre a questão. O veículo também investigou episódios de propina na Agência de Alimentação e Medicamentos de Gana, fazendo com que a instituição despedisse sua chefe de serviços jurídicos, Cynthia Dapaah-Ntow.

Uma reportagem ambiental escrita por Edwin Appiah e Clement Edward chamou a atenção para a erosão do mar que está destruindo algumas comunidades costeiras em Gana. Outras histórias abordaram a exportação ilegal de espécies de madeira proibidas e como a falta de regulamentação de prédios nas encostas ao longo da rodovia Acra-Aburi poderia provocar degradação ambiental e perda de vegetação.

Direito à informação

Um veículo ainda jovem, o The Fourth Estate também mostrou como o jornalismo pode ajudar a promover a transparência e a prestação de contas do setor público, usando a legislação de Direito à Informação (RTI).

"Nos primeiros cinco meses da nossa operação – março a julho de 2021 – fizemos 36 pedidos de RTI a 33 instituições públicas e 11 petições perante a Comissão de RTI, contra instituições estatais que se recusaram ou deixaram de conceder [acesso às] informações solicitadas, e aqueles que exigiam taxas consideradas muito altas ou ilegítimas", diz Azure.

No ano passado, o The Fourth Estate se estabeleceu como uma das fontes de notícias mais confiáveis ​​de Gana e provou que o jornalismo pode realmente servir ao interesse público e responsabilizar os poderosos.

"Mais projetos de jornalismo desse tipo podem ajudar a revitalizar o jornalismo de vigilância de qualidade na África para inspirar esperança e confiança na mídia; e reforçar o papel indispensável da mídia no desenvolvimento democrático dos países africanos", diz Azure.


Foto por Etornam Ahiator no Unsplash.