Jornalistas bielorrussos falam sobre volta ao trabalho após prisão

Oct 3, 2024 em Segurança Digital e Física
A man holding the national flag of Belarus, the march on Freedom Day of Belarus 2023 in Warsaw

Mais de 40 jornalistas e profissionais de mídia estão presos atualmente em Belarus.

A lista inclui jornalistas que já não trabalham mais, como Larisa Shchiriakova, condenada a três anos e meio de prisão em agosto de 2023, e Ales Liubenchuk, sentenciado a três anos de prisão em 2022.

Outros jornalistas que já foram detidos acabaram fugindo de Belarus e hoje trabalham no exílio.

Eu conversei com eles sobre o retorno ao trabalho depois de passar pela experiência de perseguição política.

Olga Loiko

Até sua prisão em maio de 2021, Olga Loiko era editora-chefe de política e economia no Tut.By, maior veículo independente de Belarus à época e que foi fechado por autoridades bielorrussas naquele mesmo ano.

Loiko passou dez meses em um centro de detenção até ser libertada. Seis meses depois, o governo a incluiu na lista de pessoas envolvidas em atividades terroristas, forçando-a a fugir do país. 

Loiko via no retorno ao trabalho jornalístico o único caminho possível para seguir adiante. "Enquanto eu tiver o status de terrorista, todos os outros tipos de trabalho estão fora de questão, seja eu uma funcionária contratada ou envolva outras pessoas em minhas atividades 'criminosas', de acordo com o regime. Não estou preparada para arriscar as vidas das pessoas em Belarus que estão prontas para me dar um trabalho ou trabalhar para mim", diz Loiko. "Como o estado me rotulou como terrorista, preciso fazer jus ao título."

Foi importante para Loiko ter dado apoio aos colegas do Tut.By que também fugiram de Belarus. "As pessoas estão realmente em perigo enquanto estão em Belarus. Todo mundo fica falando que elas têm que ir embora, mas para onde elas devem ir? Nosso trabalho não é adequado para realocação; somos especializados em Belarus", diz. "Foi importante pra mim garantir que os colegas pudessem contar com alguém. Simplesmente dizer que eles precisam ir embora é uma coisa, mas quando você oferece um trabalho, isso é importante, e as pessoas concordam porque elas têm para onde ir."

A jornalista diz que não pode ficar parada sem fazer nada enquanto a repressão continua em Belarus. Além da repressão do regime de Lukashenko contra os cidadãos, a cobertura da cumplicidade do governo com a guerra da Rússia contra a Ucrânia é ainda mais importante, segundo Loiko.

Alexander Otroshchenkov

Alexander Otroshchenkov descreve seu trabalho antes da prisão em 2010 como uma interseção entre jornalismo, relações públicas, ativismo e direitos humanos.

Como jornalista ele fez matérias para o veículo independente Charter 97; também trabalhou como secretário de imprensa do Zubr, movimento de protesto jovem, da campanha European Belarus e do candidato à presidência Andrei Sannikov.

Ele foi detido um dia após as eleições de 2010 enquanto cobria protestos alegando que os resultados das urnas tinham sido falsificados. Ele foi acusado de participação nas manifestações e condenado a quatro anos de prisão. À época, Otroshchenkov já havia sido detido cerca de 50 vezes e cumprido várias sentenças curtas que variavam de cinco a 15 dias.

"Eu sabia muito bem o que estava fazendo, o que estava arriscando e que, naquele dia, eu ia acabar na prisão. Mas eu tive sorte o bastante para ser preso em épocas relativamente brandas", diz Otroshchenkov. "É claro que havia pressão, tortura e – embora eu não tenha provas – uso de drogas psicotrópicas, mas era um regime bem leve em comparação com o inferno que os presos políticos têm que passar atualmente."

Otroshchenkov foi solto depois de nove meses na prisão, quando o regime Lukashenko foi ameaçado com sanções internacionais. Quase que imediatamente após sua soltura, enquanto ainda estava em Belarus, ele voltou ao trabalho. "Eu percebi que seria objeto de atenção crescente por algum tempo, então tentei usar essa atenção o máximo possível para chamar a atenção para quem ainda estava atrás das grades. Naquela época, o que eu mais fazia era viajar, fazer palestras e colaborar com o Charter 97, mas era mais ativismo, defesa de causas e direitos humanos em vez de jornalismo puro", diz.

Otroshchenkov deixou Belarus um ano após ser solto e tempos depois parou de trabalhar para o Charter 97 e a campanha European Belarus. "Eu estava esgotado e deprimido, precisava recomeçar, então passei a trabalhar como taxista", diz. "Mesmo assim, não abandonei o jornalismo totalmente. Eu continuei trabalhando como freelancer e participei de projetos de pesquisa. Ter dado esse tempo ajudou, e eu voltei a ser curioso."

Em 2018, juntamente com Fyodor Pavlyuchenko, Otroshchenkov fundou o site de notícias Reformation, onde ele ainda trabalha. Eles também apresentam juntos um programa no YouTube chamado "Sasha, what are you on about?", que faz análises políticas de Belarus com humor.

Inna

Inna* não quis revelar detalhes de sua identidade, situação na justiça nem trabalhos anteriores por motivo de segurança. Embora esteja fora de Belarus há um tempo, as autoridades ainda têm meios para exercer pressão sobre ela e sua família.

Antes de sua prisão, Inna trabalhava com jornalismo e comunicação. Depois de passar vários meses atrás das grades, ela deixou o país e seis meses depois voltou a trabalhar como repórter.

Enquanto esteve presa, Inna teve sentimentos de injustiça e mágoa, perguntando a si mesma por que tinha acabado atrás das grades se trabalhava tão duro? Mas viver no exílio também não é nada fácil, segundo ela. "Ainda há um sentimento de amargura, e acho que não sou a única a pensar assim. Simplesmente não se fala sobre isso. Mas eu ainda me sinto como uma refém nessa situação."

Inna diz que voltou a trabalhar com jornalismo depois de solta por desespero financeiro. "Eu sou contra a glorificação de jornalistas e de qualquer outra pessoa. Não somos heróis, somos apenas pessoas cujos destinos foram colocados em um moedor de carne."

Quando foi solta, lhe disseram que era preciso entender que "sua profissão estava completamente banida". Inna inclusive foi convidada para trabalhar com a máquina de propaganda do governo.

Ficou claro para a jornalista que não a deixariam viver em paz em Belarus, por isso ela saiu do país. "Eu não sei o que está reservado para o jornalismo bielorrusso e para as pessoas que fazem todos os esforços e usam todos os seus recursos enquanto ganham tão pouco", diz.

Yevgenia Dolgaya

Até 2020, Yevgenia Dolgaya cobria principalmente questões sociais, como o sistema penitenciário em Belarus e as condições de prisão das mulheres.

Ela cobriu os protestos de 2020 em Belarus para veículos estrangeiros que não podiam enviar seus próprios jornalistas. Ela foi presa diante da filha de oito anos e passou três dias atrás das grades. Na prisão, foi ameaçada com uma sentença de 15 anos e as autoridades diziam que mandariam sua filha para um orfanato.

Um tempo após ser solta, Dolgaya foi diagnosticada com transtorno de estresse pós-traumático. Até hoje ela ainda pensa frequentemente na cela onde ficou detida.

Uma semana após ser liberada, Dolgaya deixou Belarus e foi para a Ucrânia, onde começou a escrever sobre estudantes bielorrussos que fugiram do país por causa da repressão, o assassinato de Raman Bandarenka em Minsk e sobre presos políticos e suas famílias.

Ela admite pensar constantemente em deixar o jornalismo, embora não consiga fazê-lo. "Eu acredito que todos os nossos jornalista têm a 'síndrome do salva-vidas'", diz. "Parece pra mim que, se eu parar de escrever, vou trair as pessoas que foram presas e ainda estão na prisão: Marfa Rabkova, Katya Andreeva, Nasta Loiko. Acho que é importante perseverar para o bem deles.”

Dolgaya diz que muitas vezes considera como a história foi registrada na época dos campos de concentração soviéticos e nazistas.

"Eu não paro de pensar: 'não acredito que ninguém assumiu a responsabilidade de gravar tudo que estava acontecendo'. Há muitos livros sobre pessoas que sobreviveram ao Gulag [campo de concentração soviético]. Mas há bem poucos registros e memórias sobre pessoas que viram seus vizinhos serem levados embora, que descreveram como as famílias afetadas viveram depois disso. Como não teve uma pessoa sequer que viveu perto de um campo de concentração e gravou tudo que viu?", diz.

"No futuro, nós precisamos pelo menos conseguir explicar para os nossos netos como é a repressão de hoje em dia. Por que se nós não assumirmos no mínimo a responsabilidade de registrar o que está acontecendo, o círculo vicioso vai continuar."

Atualmente, Dolgaya escreve sobre mulheres que são presas políticas em Belarus, descrevendo a vida delas atrás das grades.

As condições são muito semelhantes às de um Gulag, segundo ela: as mulheres não recebem alimentação e tratamento médico adequados, e são forçadas a trabalhar duro em tarefas perigosas, o que gera problemas de saúde.  


*Inna não é o nome real da jornalista.

Foto por Andrew Keymaster via Unsplash.