Jornalistas bielorrussas compartilham experiências ao lidar com traumas

Feb 8, 2024 em Reportagem de crise
Protest sign

Jornalistas independentes bielorrussos vêm passando por muita coisa desde 2020: a pandemia de COVID-19, protestos e repressão política e uma guerra na vizinha Ucrânia. Muitos jornalistas foram forçados a se exilar. Sem falar dos desafios gerais que eles enfrentam por trabalharem na mídia. 

A consequência é que muitos profissionais hoje precisam de ajuda com sua saúde mental.

Desde 2020, centenas de jornalistas se candidataram para receber esse tipo de ajuda da Associação de Jornalistas Bielorrussos, segundo o secretário de imprensa da entidade, Barys Haretski. "Os jornalistas perderam praticamente qualquer lembrança de estabilidade. Mas eu acho que a maioria não busca ajuda — eles só vêm em uma situação muito difícil, quando já não conseguem mais lidar por conta própria", diz.

Eu conversei com jornalistas bielorrussas sobre como as crises pelas quais elas passaram têm afetado sua saúde mental. Elas também compartilharam comigo como seguem vivendo e trabalhando em condições desafiadoras, e também como redações podem ajudar os jornalistas.

Victoria

Victoria* trabalha no jornalismo de Belarus há mais de seis anos.

Após o início da pandemia de COVID-19 em 2020 — enquanto o país se preparava e realizava eleições em meio à repressão e aos protestos que se seguiram —, ela se sentiu emocionalmente vazia. Ela sofria com ansiedade e insônia, e tinha pouco tempo para descansar, relembra.

"O ideal é que os jornalistas separem a si mesmos das informações que recebem, mas tudo que aconteceu em Belarus em 2020 afetou diretamente nossas vidas e trabalho no futuro", diz. "Estávamos bem cientes de que a 'vitória' de Lukashenko nas eleições afetaria cada um de nós. Quando vi centenas de milhares de pessoas nas ruas defendendo a liberdade e a democracia, eu senti uma explosão de emoções."

Entre essas emoções estava o medo constante: os protestos terminaram com explosões de granadas de atordoamento, manifestantes agredidos com cassetetes e prisões. 

"Você ia trabalhar e não tinha certeza se iria voltar para casa", diz. Quando ficou claro que Lukashenko não iria recuar, Victoria sofreu um grande trauma emocional. Ela perdeu peso, dormia mal e era atormentada por pesadelos constantes que não tinham cessado mesmo três anos depois.

Os medos de Victoria tinham fundamento, já que muitos de seus colegas jornalistas foram presos. "No começo de outubro de 2020, era comum escrever cartas para colegas na prisão, coletar pacotes e trabalhar nos protestos sem identificação para evitar se tornar um alvo. Eu me considero muito sortuda — fui presa apenas duas vezes e por períodos curtos. Não acabei na prisão, mas vivia em estado de combate ou em estado de fuga até eu sair de Belarus em junho de 2021", diz. 

Apesar da crescente segurança física que a mudança trouxe, deixar o país não diminuiu os danos na saúde mental de Victoria. Ela ainda tem dificuldade de lidar com a injustiça da situação em Belarus.

"Em 2021, foram até a casa dos meus pais com um mandado de busca ligado a um processo criminal contra mim. Isso pôs um fim aos meus sonhos de ver Belarus e minha família no futuro próximo", diz. "Durante meus dois anos exilada, dois parentes próximos morreram e a repressão no país continuou. Eu simplesmente tenho medo de outra busca e, Deus me livre, de alguém ser preso."

A guerra na Ucrânia trouxe a ansiedade de volta; o dia de um jornalista normalmente começa com notícias chocantes.

Tendo perdido contato com sua audiência em Belarus e trabalhando anonimamente por motivos de segurança, Victoria recorreu a um psicólogo para ter ajuda. Ela tenta se distrair e ver o lado bom da vida — viver o dia de hoje e esperar pelo melhor.

Olga

A história de Victoria não é incomum entre os jornalistas bielorrussos atualmente.

Olga* estudou jornalismo em Minsk em 2020 e ingressou na profissão durante os protestos daquele mesmo ano. A cobertura das manifestações enquanto ainda estudava gerou pressões, e no fim ela foi expulsa e mais tarde presa por 30 dias. No verão de 2021, ela saiu de Belarus com planos de ficar no exterior por um mês. Ela ainda não voltou.

Olga se mudou para Kiev, mas em 2022 teve início a guerra na Ucrânia e ela teve que se mudar outra vez. Ela se matriculou em uma universidade europeia e estudava intensamente. Na redação, trabalhava por várias horas cobrindo a desafiadora repressão em Belarus.

Em abril deste ano, Olga ficou de atestado devido a uma doença, internada em um hospital na Lituânia. Ela fez sessões de psicoterapia por um mês e hoje toma antidepressivos. Ela está trabalhando para melhorar sua vida, principalmente no campo profissional.

Natalya

Natalya* deixou Belarus no fim de 2020, poucos meses depois da eleição presidencial no país. Antes de sair, a polícia a manteve em uma cela sem janelas por mais de um dia. Eles a ameaçaram com acusações de crimes e as autoridades começaram a pressionar seus familiares também.

Natalya foi para um centro de reabilitação na Letônia por algumas semanas. Ela não conseguiu voltar para Belarus por causa de uma ameaça de processo criminal. Então, morou em um campo de refugiados por seis meses, o que a deixou fortemente impressionada: "eu nunca imaginei que me veria em um lugar assim. Mas no fim eu era bem capaz de sobreviver ali." 

A saúde mental da jornalista piorou depois que a guerra na Ucrânia começou. Além disso, seu pai faleceu em Belarus mais ou menos na mesma época.

"Já aprendi a viver com episódios depressivos", explica. "Eles não pararam desde 2020. É difícil, mas estou tentando aceitar que eu tenho que conviver com eles e me tratar com antidepressivos, psicoterapia, exercícios especiais e caminhadas." 

Sergei O.

O psicólogo e terapeuta de trauma Sergei O. trabalha com jornalistas bielorrussos.

"Os jornalistas chegam até mim com sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, incluindo o retorno de memórias dolorosas e dissociação emocional. Alguns voltavam mentalmente de forma obsessiva aos lugares onde tinham sido presos e revisitavam esses pensamentos. Outros, em comparação, evitavam contato com o trauma o máximo possível", diz.

Muitos dos jornalistas bielorrussos que Sergei encontrou foram feridos no exercício do trabalho. Ele sugere que a assistência para jornalistas deve incluir licenças, ajuste nas horas trabalhadas, indicação de psicólogos e atividade física.

"É importante lembrar que experiências pós-traumáticas não somem por conta própria", diz Sergei. "Elas podem ser reprimidas de forma seletiva, mas isso não reduz seu impacto negativo."


*Os nomes das jornalistas foram alterados para a segurança das mesmas. As autoridades de Belarus seguem perseguindo correspondentes independentes e pressionando os familiares que ficaram no país.

Foto por Jana Shnipelson via Unsplash.

Este artigo foi publicado originalmente na IJNet em russo.