"Para você que me lê hoje."
É assim que a primeira edição do La Disparition se dirige ao leitor. Este novo veículo, cujo lema é "epistolar e político", conta a história de desaparecimentos do nosso mundo, seja uma profissão, uma árvore ou a esperança.
A cada quinze dias, os leitores recebem algo bem raro: uma carta física pelo correio (o tipo que traz alegria, não um boleto ou um aviso de um pacote perdido na agência dos correios).
O La Disparition foi lançado oficialmente em Marselha, na França, no fim de janeiro deste ano. Cerca de 1.200 pessoas receberam a primeira edição desta iniciativa de mídia "hiperfocada" que aborda o desaparecimento em todas as suas formas. Para a primeira edição, Quentin Müller, jornalista com experiência no Iêmen, relatou em dez páginas o dragoeiro, uma planta ameaçada na ilha de Socotra.
Um inventário de tudo que se foi
O La Disparition é criação de Annabelle Perrin e François de Monès, ambos jornalistas de profissão que se formaram juntos na Escola de Jornalismo de Toulouse. "Sempre quisemos criar um veículo; sonhávamos com isso desde a faculdade", diz Perrin, editora-chefe. Depois de se formarem, eles trabalharam como freelancers, com destaque para o Le D'oc, um veículo investigativo local em Montpellier.
A pandemia serviu de gatilho. "Quando os atestados de exceção para circulação durante o lockdown foram implementados na França, percebemos que poderíamos ser privados de algo que tínhamos como dado, como a liberdade de ir e vir. Nós nos perguntamos: 'por que não fazemos um inventário de desaparecimentos?'", recorda Perrin.
O La Disparition tem um foco superpreciso — e mesmo assim há espaço para muitas histórias serem contadas. Por exemplo, o desaparecimento de motoristas de caminhão nos Estados Unidos ou de pessoas em busca de asilo em Mayotte, no litoral de Moçambique. Cada edição da revista destaca artigos escritos por um jornalista freelancer de língua francesa — as sugestões de pauta podem ser feitas aqui.
Transparência
Os assinantes recebem um pacote atrativo com cada edição que inclui um cartão postal com uma ilustração da matéria principal, uma nota em que os cofundadores contextualizam a escolha do tópico daquela edição, uma tirinha, palavras cruzadas e o cartão de visitas do jornalista autor da matéria. Tudo é impresso em Toulouse, França, em papel de alta qualidade, o que facilita a leitura.
O formato de carta nem sempre foi uma escolha óbvia. "A ideia de um veículo em formato epistolar veio muito mais tarde", afirma Perrin. "Primeiro consideramos uma revista impressa, mas era complicado demais, principalmente para gerir a distribuição nas bancas de revistas." Foi quando pegavam suas correspondências que a dupla de fundadores teve a ideia. A abordagem oferece um compromisso com a transparência, o que em muitos aspectos é um ponto positivo para o veículo e sua audiência.
Os leitores do La Disparition financiaram o lançamento do veículo por meio de uma campanha de pré-venda em dezembro de 2021 no site de crowdfunding Kiss Kiss Bank Bank. "Atingimos o dobro da nossa meta, 850 colaboradores", conta Perrin — um número encorajador para um veículo emergente pioneiro em um novo formato.
De comunidade a newsletter até o lançamento final
A agência parisiense Studio Médianes, que ajuda a desenvolver novos veículos de mídia como a revista La Déferlante, apoiou Perrin e de Monès no lançamento do La Disparition. A agência aconselhou os fundadores a começarem com uma newsletter e uma conta nas redes sociais antes do lançamento. Agora, a cada quinze dias, 2.700 assinantes recebem o conteúdo digital.
O La Disparition também tem cerca de 2.500 seguidores no Twitter até o momento — um grupo de entusiastas iniciais com quem os cofundadores compartilharam os vários estágios de preparação da primeira edição da publicação.
Essa proximidade com a audiência é parte de uma tendência persistente na mídia em 2022. "Não podemos mais fazer jornalismo mantendo a audiência à distância", disse Eric Scherer, diretor de inovação e relações internacionais da France Télévision, durante um webinar realizado pelo Fórum de Reportagem para Crise Global do ICFJ em francês.
Retenção dos primeiros leitores
A comunidade que o La Disparition cultivou antes do lançamento permitiu que o veículo recebesse apoio substancial durante a publicação da primeira edição. Para obter lucratividade, "o objetivo é desenvolver lealdade, principalmente com as assinaturas, que custam 11 euros por mês", explica de Monès.
O modelo de negócios é baseado inteiramente em assinaturas. Há muitas opções, incluindo um período de teste para receber duas cartas por 15 euros durante um mês. "No fim de cada período, os assinantes vão ter a oportunidade de comprar as cartas que eles perderam, diz o editor.
Há algo de revigorante neste veículo baseado em uma comunidade. Ele traz o lado bom da nostalgia. Uma aparição.
Imagem principal: Theo Giacometti.