Imagens geradas por IA dificultam combate à desinformação

May 25, 2023 em Combate à desinformação
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Imagens geradas por inteligência artificial (IA) têm provocado controvérsia nos últimos anos, e a decisão da Midjourney, uma ferramenta de IA popular, de descontinuar sua versão gratuita, instigou discussões entre jornalistas sobre quem controla o uso de IA. 

"Devido a uma combinação extraordinária de demanda e abuso na versão gratuita, estamos desabilitando temporariamente essa versão até implementarmos as próximas melhorias no sistema", disse David Holz, fundador da Midjourney, em março.

Embora Holz não tenha sido específico sobre qual abuso provocou a decisão, ele anunciou a mudança poucos dias depois de uma série de imagens falsas, incluindo uma do ex-presidente Donald Trump sendo preso e outra do Papo Francisco usando um casaco da moda, viralizarem online.

A decisão de cancelar o acesso gratuito à Midjouney destaca como imagens geradas por IA contribuem para a disseminação de desinformação online e os desafios que jornalistas enfrentam com novas tecnologias de IA. A seguir estão alguns pontos que jornalistas devem saber:

Uso de ferramentas de IA por jornalistas

Jornalistas usam imagens geradas por IA para criar ilustrações e visualizações que podem aprimorar matérias e engajar a audiência. Por exemplo, um jornalista pode usar a Midjourney para criar a imagem de um personagem com base na descrição da resenha de um livro ou gerar a paisagem de um cenário hipotético (como um exoplaneta) baseado em um estudo científico. 

"Na maioria dos casos, os usos que eu vi de imagens geradas por IA para o jornalismo são mais uma agregação de valor, em casos onde é bom ter as imagens e seria caro criá-las, mas elas não são um elemento necessário e central do trabalho", diz Brandon Roberts, jornalista de dados independente dos Estados Unidos. 

No entanto, embora jornalistas, no geral, façam um uso responsável das imagens geradas por IA, outros usos têm sido muito mais controversos. Por exemplo, Eliot Higgins, fundador do Bellingcat, coletivo de jornalistas investigativos, usou a Midjoruney para criar imagens de políticos para contar histórias hipotéticas porém fictícias.  

No dia 20 de março, Higgins tuitou uma série de imagens que ele fez usando a Midjourney. As imagens retratavam Trump resistindo à prisão com a legenda: "fazendo imagens de Trump sendo preso enquanto espero a prisão de Trump". Quatro dias antes, ele também tinha tuitado uma imagem de Vladimir Putin, presidente da Rússia, sendo acusado em um tribunal. As imagens viralizaram rapidamente, e embora ele tenha dito que as imagens eram fictícias e geradas por IA, a Midjourney reagiu bloqueando Higgins do servidor da plataforma no Discord. 

"A imagem da prisão de Trump simplesmente mostrava o quão boa e ruim a Midjourney é em reproduzir cenas reais", disse Higgins em um email para a Associated Press

Impactos de imagens geradas por IA no jornalismo

A decisão da Midjourney de descontinuar o acesso gratuito é o elemento mais recente no debate sobre como usar a IA com ética no jornalismo, o que foi acelerado pela popularização de outra ferramenta de IA, o Chat GPT. Enquanto alguns jornalistas veem a Midjourney como uma ferramenta útil, outros enxergam uma ameaça em potencial, argumentando que a plataforma e outros geradores de imagem por IA, como o DALL-E, dificultam a verificação da autenticidade e precisão de imagens por checadores de fatos.

Isso é especialmente importante considerando que o conteúdo visual repercute mais entre o público, escreveu Marilín Gonzalo, colunista de tecnologia da Newtral, organização de verificação de fatos da Espanha, em resposta às imagens falsas do Papa Francisco e de Trump. "Você pode conversar com uma pessoa por uma hora e dar a ela 20 argumentos sobre um assunto, mas se você mostrá-la uma imagem que faça sentido, vai ser muito difícil convencê-la de que não é verdade", escreveu Gonzalo.

Porém, embora o olho humano possa ser facilmente enganado, imagens geradas por IA podem ser detectadas com o uso de ferramentas, argumentou Gonzalo.

"Se a tecnologia é usada para criá-las, também pode ser usada para detectá-las", escreveu.

Desafios à verificação de fatos trazidos pela emergência de novas tecnologias não são novos, diz Felix Simon, jornalista e pesquisador no Reuters Institute for the Study of Journalism. "A relação entre imagem e verdade sempre foi instável", diz. "Pode-se dizer que o que vemos com a IA generativa é apenas uma continuação disso. Muitos pessoas vão se acostumar."

Efeitos do paywall

Tendo em vista que a versão paga da Midjourney ainda está disponível, Charlie Backett, professor e especialista em IA no jornalismo da London School of Economics, acredita que a decisão de descontinuar a versão gratuita não vai ter uma impacto tão grande quanto alguns jornalistas acreditam.

"Eu não acho que a decisão da Midjourney vai ter tanto impacto nos jornalistas responsáveis que querem fazer experimentos. Pode encarecer muito o processo para algumas pessoas, mas como dizem, se um produto é de graça, você é o produto", diz Beckett.

Porém, com a decisão de encerrar a versão gratuita, permanecem questões sobre a utilidade da Midjourney para jornalistas no futuro. Quando comparada a outras ferramentas de imagem gerada por IA, como a DALL–E, da OpenAI, cujas políticas impedem que os usuários criem certas imagens violentas ou imagens de políticos reais, especialistas consideram a Midjourney mais permissiva. Mas a decisão de descontinuar a versão gratuita da Midjourney prova que as coisas estão mudando.

Em uma entrevista ao The Verge, Holz disse que a Midjourney já baniu algumas palavras "relacionadas a temas em diferentes países com base em reclamações dos usuários desses países". Por causa das falsas imagens de Trump, o termo "preso" foi adicionado à lista de palavras restringidas que não podem mais ser usadas para gerar conteúdo na plataforma.

Kunle Adebajo, editor investigativo na HumanAngle, acredita que é melhor que ferramentas como a Midjourney, com seu potencial de disseminar desinformação, não sejam gratuitas para todos. "Você deveria ter que pagar para usá-las porque nesse caso você vai ter mais cuidado sabendo que está gastando seu dinheiro, e vai ter mais cautela com a finalidade para a qual está usando a ferramenta", diz.

"Mas é claro que pessoas que estão espalhando desinformação deliberadamente não vão se importar em gastar algum dinheiro para acessar esse serviço. Por isso, a Midjourney ainda tem que implementar certas medidas para assegurar que vão reduzir essa possiblidade para o mínimo possível."


Foto por Jonathan Kemper via Unsplash.