Alimentados por fortes ventos e condições raras de seca, vários incêndios florestais se desencadearam no dia 7 de janeiro e varreram a região metropolitana de Los Angeles. Os incêndios deixaram pelo menos 29 vítimas e, em determinado momento, cerca de 200.000 pessoas estavam sob ordem de evacuação.
Juntamente com a devastação, informações falsas se espalharam desenfreadamente, inclusive entre comunidades nos EUA que falam chinês.
"A desinformação se espalhou como um incêndio", diz Jinxia Niu, gerente de programas da Piyaoba, plataforma chinesa de verificação de fatos. "As pessoas estavam confusas. Foi como se tanto o fogo quanto a desinformação fossem grandes demais para serem contidos."
Mensagens confusas
As redes sociais serviram como um vetor de informação falsa. "As redes sociais chinesas são únicas; a disseminação de desinformação é rápida em plataformas como WeChat e RedNote", diz Niu. Com mais de 1,3 bilhão e 350 milhões de usuários, respectivamente, verificadores de fatos têm dificuldade para acompanhar o ritmo e desmentir todo o conteúdo distorcido nas plataformas.
Essa rápida disseminação de desinformação em redes sociais chinesas é particularmente preocupante para imigrantes chineses recém-chegados aos EUA, que se veem diante de sistemas desconhecidos, como o de seguros, cuja complexidade é agravada por barreiras linguísticas e jargões. A precificação opaca, a falta de padronização e a elevada carga administrativa transformam a tarefa de protocolar reclamações em algo assustador.
Uma conta de notícias sobre negócios publicou um artigo no WeChat que ligava falsamente 180.000 pessoas que haviam sido evacuadas a imóveis sem seguro e criava sensacionalismo com a situação ao alegar que empresas de seguro estavam se recusando a fazer pagamentos devido à alta demanda. O artigo teve mais de 100.000 visualizações.
O texto também exagerava ao dizer que mais de 530.000 lares no condado de Los Angeles não tinham seguro de propriedade, quando na verdade a estimativa real era de pouco mais de 154.000 em 2023, de acordo com uma análise do LendingTree, empresa especializada em seguro imobiliário. Estatísticas infladas são uma tática comum de desinformação, pois elas provocam choque e urgência, deixando os leitores mais propensos a compartilhar sem verificar a informação.
A matéria também omitia um contexto fundamental: a maior empresa de seguros da Califórnia, State Farm, removeu 1.600 apólices na área de Palisades em julho, meses antes do incêndio, não durante. Além disso, o artigo simplificava a forma como os incêndios afetaram pessoas de diferentes origens socioeconômicas e ignorava fatores cruciais como programas do governo de assistência em situações de desastres e de ajuda financeira.
Outras matérias e postagens nas redes sociais intensificaram alegações sobre a falta de liderança durante a crise. Especificamente, a prefeita de Los Angeles, Karen Bass, estava em uma viagem diplomática em Gana quando o fogo se espalhou pelo condado. Ao retornar, ela pareceu ter sido pega de surpresa quando questionada sobre supostos cortes orçamentários na cada dos milhões de dólares no Corpo de Bombeiros de Los Angeles (LAFD). A situação alimentou uma desinformação segundo a qual recursos do LAFD tinham sido redirecionados para esforços de diversidade, equidade e inclusão, como a contratação da primeira comandante mulher e abertamente gay dos bombeiros, Kristin Crowley, e para programas de apoio a imigrantes ilegais. Essas narrativas se espalharam rapidamente nas redes sociais chinesas e incitaram hostilidade contra comunidades LGBTQ e de imigrantes.
Na realidade, embora a prefeita Bass tenha proposto um corte de 2.7% no orçamento do LAFD na revisão inicial do orçamento 2024-2025, o conselho municipal acabou aprovando um contrato sindical de US$ 76 milhões que aumentou o salário e os benefícios de bombeiros sindicalizados em 2024 e 2025 e também alocou US$ 58 milhões adicionais para a compra de equipamentos de combate a incêndios.
A desinformação também foi além de questões orçamentárias, com postagens virais no RedNote alegando que a reserva Santa Ynez, em Palisades, estava vazia há quase um ano, deixando muitos hidrantes secos e colocando a vida dos bombeiros em risco. Imagens falsas geradas por IA e vídeos manipulados alimentaram ainda mais essa alegação imprecisa.
É verdade que a reserva de Santa Ynez ficou em obras por quase um ano, mas funcionários do Departamento de Água e Energia (DWP) esclareceram que essa não foi a principal razão para a falta de água durante os incêndios. "A reserva de Santa Ynez teria ajudado? Sim, até certo ponto. Ela teria sido a salvação? Acho que não", disse Martin Adams, ex-diretor-geral do DWP, de acordo com o LA Times. Um porta-voz do DWP observou que a infraestrutura hídrica urbana, incluindo a de Los Angeles, não foi criada para lidar com incêndios que consomem vizinhanças inteiras.
A desinformação se politizou ainda mais com figuras de direita pedindo a renúncia da prefeita Bass e com o presidente Donald Trump amplificando a narrativa e repetindo sua ameaça anterior de cortar a ajuda à Califórnia destinada a incêndios.
O uso de IA em informações falsas
Muitos influenciadores criaram e publicaram no WeChat e no RedNote vídeos com IA generativa que exploravam a incerteza e o alarmismo em torno dos incêndios. Os vídeos tinham imagens de lugares consumidos por chamas, como o icônico letreiro de Hollywood. Outros mostravam falsamente imagens de saques, como o de um homem negro carregando sacolas com fumaça ao fundo, e dois homens levando uma TV para dentro de uma casa.
Todas essas imagens e vídeos foram posteriormente desmentidas pela Piyaoba e o USA Today.
"Uma tática comum que os influenciadores usam é criar primeiro uma narrativa e depois buscar imagens relacionadas", diz Niu. Segundo ela, essas narrativas muitas vezes perpetuam o sentimento antinegros e anti-imigrantes, já que esses assuntos tendem a obter mais visualizações e engajamento nas redes sociais.
Ambiente de mídia insalubre
Quando a Piyaoba foi lançada em 2022, a plataforma identificou 150 contas nas redes sociais, incluindo X, WeChat, Telegram e YouTube, dedicadas a espalhar desinformação em chinês. Entre elas estavam dois dos maiores gigantes de mídia direcionados à população dos EUA de origem chinesa: o Epoch Times e o Guo Media Group, este último cofundado pelo bilionário Wengui Guo e o ex-estrategista do governo Trump Steve Bannon. Ao mesmo tempo, a Piyaoba encontrou menos de 10 contas à época dedicadas à verificação de fatos e publicação de informações de credibilidade em chinês.
"As teorias da conspiração e as plataformas são partes do ecossistema de informação; elas vivem uma da outra", diz Niu, destacando as dificuldades de combater a desinformação, principalmente depois do anúncio recente da Meta de remover seus programas de verificação de fatos.
Quanto mais tempo um usuário passa se engajando com assuntos polêmicos nas redes sociais, mais conteúdo relacionado será mostrado para ele.
Em contraste com a mídia em inglês, que ainda oferece uma variedade de informações de fonte aberta que são bem pesquisadas e que geralmente são aderentes aos padrões jornalísticos (apesar de variações na inclinação política), a mídia chinesa sofre uma erosão de confiança de longo prazo. Ela é na maioria das vezes dominada por narrativas desequilibradas que deixam pouco espaço para o discurso crítico, dificultando cada vez mais o acesso do público a reportagens baseadas em fatos e com nuances. "O ambiente de mídia chinês carece de redações independentes e profissionais", alerta Niu.
A dinâmica ficou evidente na disseminação de desinformação relacionada aos incêndios em Los Angeles. Matérias e posts sensacionalistas, alimentados pela falta de pontos de vista diversos, distorceram fatos sobre o incêndio e suas consequências. Em vez de fornecer uma perspectiva equilibrada, a cobertura unilateral da mídia intensificou medos, reforçou narrativas falsas e aprofundou divisões políticas.
Isso não só desorientou o público como também enfraqueceu a confiança nas orientações oficiais, potencialmente obstruindo uma reação eficaz aos incêndios bem como a preparação e os esforços para responsabilizar os poderosos.
Foto por John Wayne.