Se você tem apenas alguns segundos, leia estas linhas:
- A desinformação costuma se expandir mais em contextos de mudança e de incerteza
- Isso ocorre, em partes, porque nós temos aversão à ambiguidade e precisamos saber
- Ser transparente sobre o que se sabe e o que não se sabe, prestar atenção aos formatos e ter cautela com os números são conselhos para comunicar de forma mais efetiva em contextos incertos
Após a vitória contundente de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos em 5 de novembro, e considerando os anúncios feitos por ele sobre deportações em massa, corte de programas sociais e outras mudanças drásticas nas políticas de educação e saúde, a incerteza e a ansiedade são dois sentimentos crescentes em parte da comunidade de hispânicos e latinos. E não é para menos.
Há evidência (ficou muito claro durante a pandemia de COVID-19) que a desinformação se aproveita das nossas emoções e costuma se difundir mais em contextos de mudança e de falta de certezas. Quando as pessoas têm dúvidas e existem vazios informativos, os desinformantes (aqueles que lucram com as mentiras) tiram proveito e aparecem com respostas e soluções geralmente simples e até, pode-se dizer, "mágicas".
Por isso, queremos te contar como funciona a psicologia humana e te dar alguns conselhos para que você se proteja e não seja pego por conteúdos falsos e alarmistas nem compartilhe-os.
Há cerca de uma semana, os veículos parceiros do Factchequeado e os usuários do nosso chatbot do WhatsApp nos enviam diariamente conteúdos e consultas sobre possíveis medidas que o candidato republicano eleito supostamente adotará assim que assumir o cargo na Casa Branca em 20 de janeiro de 2025. Ficaríamos felizes por responder todas as dúvidas e, quem dera, dissipar temores, mas costumamos repetir que a transparência em relação ao conhecimento que temos e o conhecimento que não temos é um dos pilares do jornalismo de verificação de dados.
Como destaca o relatório "Como comunicar a incerteza", publicado em 2020 pelo Chequeado, Full Fact e Africa Check: "como verificadores de fatos, motivamos as pessoas e as organizações a respaldarem suas afirmações com provas e a garantirem que seus dados são corretos. Ajudamos o público a entender o significado dessas provas, resumindo-as e analisando sua veracidade e importância. Isso implica um equilíbrio cuidadoso entre sermos explícitos sobre a incerteza e as nuances que podem haver, e sermos claros se acreditamos que as provas apontam para um direção em particular. No entanto, ainda que reconhecer a incerteza seja fundamental para uma verificação de fatos confiável, também é importante a maneira como a comunicamos, pois isso afeta a forma como o público a entende e altera a confiança nos números e nos comunicadores em si".
Se você é comunicador ou jornalista, ou se também é a pessoa que costuma levar evidências para as conversas em família ou no grupo de WhatsApp, abaixo estão recomendações para comunicar em um contexto de incerteza.
O estudo citado analisou em sua maioria literatura produzida nos EUA sobre a comunicação da incerteza e estas são algumas das conclusões:
- Os formatos são fundamentais. As formas usadas para comunicar a incerteza afetam o que as pessoas podem entender e interpretar;
- Seres humanos precisam saber e têm aversão à ambiguidade. As pessoas estudadas por pesquisadores dos EUA e da Europa Ocidental compartilham uma preferência por apostas cujos resultados elas já conhecem. Porém, o nosso conhecimento tem limites. É inevitável que haja certo nível de incerteza devido às limitações nas mensurações que caracterizam os dados sobre o passado e o futuro pelo simples fato de que qualquer previsão sobre o futuro é feita com base em um espectro de probabilidade;
- É mais fácil entender palavras do que números, mas palavras são menos precisas. Certas dificuldades, como cálculo, jargões ou grandes quantidades, como "bilhão", são difíceis de imaginar e podem fazer com que algumas pessoas fiquem desinteressadas quando se trata de comunicação numérica;
- É preciso ser explícito sobre expressões que se referem a intervalos para comunicar a incerteza com clareza. As expressões verbais de quantidade também têm suas limitações. Não basta apenas incluir palavras como "estimado" para que as pessoas entendam que não se trata de um número específico, como o crescimento do desemprego ou a queda da criminalidade, porque isso engloba um leque de cenários possíveis.
- O público tende a acumular expressões verbais de probabilidade. Quando expressamos a probabilidade de resultados futuros, termos como "provável" podem ser interpretados de formas diferentes: para alguns, pode representar 60%, para outros, 30%. Sobretudo, conforme acontece ultimamente com a mídia e redes sociais nos EUA, ler em várias fontes que algo é "provável" leva à interpretação de maneira errônea de que determinada situação é "muito provável". Portanto, atenção! O fato de você ler várias vezes que vão ocorrer deportações em massa ou que o Ministério da Educação será fechado não aumenta a probabilidade disso ocorrer. Ainda que também não se possa descartar que isso vá ocorrer.
Segundo explica a antropóloga Dora-Olivia Vicol, ficou comprovado em uma série de experimentos que as expressões verbais de incerteza (frases como "os números podem ser mais altos ou mais baixos") diminuem levemente a confiança dos leitores nos dados em questão e nos jornalistas que os informam.
Também há provas que demonstram que a confiança diminui quando o resultado de algo que era considerado provável é diferente do que se esperava com base em uma previsão e quando a incerteza não é especificada.
Em resumo, as formas de comunicar a incerteza afetam a confiança do público nos números e nos profissionais que os compartilham. No entanto, é possível atenuar essas limitações.
Sermos específicos sobre nossa incerteza, sobre o que sabemos e se há um grau de desacordo cumpre com o compromisso da transparência sem agregar um manto de dúvida à mensagem inteira.
Recomendações
Estas são as recomendações para comunicar em um contexto de incerteza:
- Ser transparente
- Ser específico sobre o que é incerto
- Indicar a incerteza nos dados existentes e escrever o valor principal com intervalos numéricos entre parênteses
- Ter cuidado ao usar números grandes e jargões
- Ter em mente que é preciso analisar como se pode ajudar o público a processar melhor a incerteza
O Factchequeado é um veículo de verificação que constrói uma comunidade em espanhol para combater a desinformação nos EUA. Quer fazer parte? Junte-se a nós e verifique os conteúdos que você recebe enviando-os para o nosso WhatsApp +16468736087 ou para factchequeado.com/whatsapp.
Imagem cedida por Factchequeado.