Como fazer o jornalismo de soluções ser parte do DNA da redação

Nov 18, 2021 em Temas especializados
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Quando a pandemia de COVID-19 chegou à Nigéria, em fevereiro de 2020, o Nigeria Health Watch rapidamente adaptou sua cobertura para focar na crise global. No lugar de uma reportagem tradicional sobre números e estatísticas, a organização sem fins lucrativos voltada para a comunicação e defesa da saúde usou uma abordagem original e crescente conhecida como jornalismo de soluções. A cobertura tratou dos efeitos da pandemia nos nigerianos e como as pessoas estavam reagindo com suas próprias soluções, frequentemente inovadoras.

Vivianne Ihekweazu, diretora executiva do Nigeria Health Watch, falou recentemente sobre como a organização tem usado o jornalismo de soluções para cobrir saúde e a pandemia, em um webinar do Fórum de Reportagem para a Crise Global de Saúde do ICFJ. Ela também deu dicas para jornalistas e veículos interessados em incorporar essa abordagem na sua cobertura. 

 

Por que usar o jornalismo de soluções?

O jornalismo de soluções é uma inovação relativamente recente no jornalismo. Com foco em como comunidades, negócios e pessoas reagem a desafios com suas próprias soluções, ele não deve ser confundido com a simples cobertura de "boas notícias". Em vez disso, a abordagem tem o objetivo de cobrir de que modo as soluções são sustentáveis, escaláveis e eficazes.

O Nigeria Health Watch começou a usar esse método por volta de 2013 para cobrir questões de saúde, um tema com pouca cobertura no país à época. "Havia a percepção de que, no setor de saúde, nós enfrentávamos tantos desafios, mas não tinha ninguém falando sobre quantos programas estavam funcionando, a diferença que eles estavam fazendo e como eles estavam encarando desafios que nem mesmo o governo conseguiu resolver", Ihekweazu disse. "O que nós fizemos foi olhar para intervenções que estavam fazendo a diferença."

[Leia mais: Como dados reforçam jornalismo de soluções]

 

Para Ihekweazu, o benefício do jornalismo de soluções é duplo. Primeiro, ele lança luz sobre comunidades afetadas em vez de apenas olhar para um problema geral. Ele faz isso mostrando a ação por meio da qual elas reagem, identificam e implementam soluções. Segundo, ele ajuda a cobrar a prestação de contas do governo ao destacar sua responsabilidade na resolução de problemas.   

Por exemplo, Ihekweazu apontou como a cobertura de seu veículo sobre uma iniciativa de mulheres da área rural da Nigéria de comprar um táxi para transportar mulheres em trabalho de parto para as regiões com hospitais destacou a inovação, ao mesmo tempo em que também colocou em foco as falhas do governo nigeriano. "Embora a solução tenha sido boa, o fato dela chegar a ser necessária também mostrou o fracasso da responsabilidade do governo em fornecer serviços de saúde", disse Ihekweazu.

Como as redações podem cobrir soluções

Quando o Nigerai Health Watch começou a praticar o jornalismo de soluções, as técnicas ainda eram relativamente novas. Hoje, está ganhando o reconhecimento do mainstream, com muitos veículos inclusive criando editorias dedicados especificamente à produção de reportagens de jornalismo de soluções.

Para jornalistas novatos na reportagem de soluções, Ihekweazu recomenda quatro pilares importantes para orientar o trabalho:

  • O que você está cobrindo? Ao identificarem nitidamente o problema em questão — como um surto de cólera em uma comunidade local — jornalistas podem determinar se já há uma intervenção do governo ou de uma ONG internacional para tratar o problema.
  • Se não há intervenção externa aparente, a segunda tarefa é verificar se há pessoas na comunidade que estão reagindo ao problema. Podem ser negócios, líderes comunitários ou organizações locais sem fins lucrativos comprometidas com a criação de uma solução.
  • Uma vez identificada a solução, é importante que os jornalistas "não façam apenas divulgação", ressaltou Ihekweazu, mas sim realizem reportagem quantitativa e qualitativa para verificar se a solução está de fato fazendo a diferença. Delineie o que as pessoas na comunidade estão dizendo e encontre números verificados. Isso pode incluir dados sobre vidas salvas ou evidências quantitativas de menos pessoas adoecendo que possam ser ligadas à solução.
  • Finalmente, e talvez mais importante, verifique o quão escalável ou sustentável é a solução. Ela tem um efeito de longo prazo ou simplesmente cria uma mudança temporária que diminui depois de poucos meses? Há maneiras dessa solução ser adotada por outras comunidades para resolver problemas parecidos ou as condições relacionadas à solução a tornam única somente para aquela comunidade específica?

[Leia mais: Uma esperança na cobertura de conflitos da Nigéria]

 

Com esses pilares em mente, é igualmente importante que os jornalistas de soluções saibam por que eles estão fazendo uma reportagem. "A razão para fazê-lo é encontrar soluções para problemas sociais. Essa precisa ser sua estrela guia", disse Ihekweazu. "Por que você quer fazer isso? Você quer fazer isso para oferecer empoderamento e a esperança de que nem todos os problemas são insuperáveis."

Um olhar para o futuro do jornalismo de soluções

O jornalismo de soluções pode ainda não ser dominante, mas está ganhando força. Um dos primeiros a adotá-lo, o Nigeria Health Watch agora oferece cursos para grandes redações no país. "Elas o identificaram como algo relativamente novo, algo que poderia ajudá-las a se diferenciar de outros veículos", conta Ihekweazu.

Isso não significa apenas aprender em um nível profissional. De acordo com Ihekweazu, universidades estão buscando desenvolver módulos inteiros em jornalismo de soluções. O resultado pode ser uma nova geração de jornalistas que incorporam uma perspectiva de soluções em sua cobertura de forma eficaz, estabelecendo-o como um novo padrão na área.

Redações interessadas em criar conteúdo que desempenhe um papel importante na resolução dos desafios atuais podem considerar investir no jornalismo de soluções. "No fim, quando ele for ganhando força, vai acabar se tornando central na cobertura", disse Ihekweazu.


Foto por Christina @ wocintechchat.com no Unsplash


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Jornalista freelancer

Devin Windelspecht

Devin Windelspecht é editor da Rede de Jornalistas Internacionais (IJNet). Antes de trabalhar na IJNet, ele era jornalista freelancer e cobria preservação e direitos humanos.