A equipe transfronteiriça que investigou grupos armados e mercados ilegais na Amazônia brasileira

por Jeanneth Valdivieso, Juan Torres and Bram Ebus
Mar 19, 2024 em Jornalismo investigativo
Waterfall in the Amazon rainforest in Brazil

Nota do editor: Bram Ebus foi bolsista, em 2022, da Rainforest Investigation Network (RIN), uma iniciativa do Pulitzer Center. Leia a reportagem dele aqui


Uma equipe de 37 jornalistas e profissionais de mídia de 11 países trabalhou em conjunto por 16 meses para produzir o projeto Submundo da Amazônia, uma investigação transfronteiriça orientada por dados que obteve revelações sobre grupos armados e mercados ilegais nas regiões de fronteira de seis países da região amazônica.

Nós criamos um mapa interativo dos grupos armados nas regiões e uma série de reportagens aprofundadas sobre vários aspectos das empreitadas criminosas da região, muitas das quais recebem pouca ou nenhuma cobertura da mídia.

A investigação também foi publicada pelo InfoAmazonia no Brasil, La Liga Contra el Silencio na Colômbia e Armando.info na Venezuela. A base de dados e o mapa, construídos com dados coletados por meio de métodos quantitativos e qualitativos que cobrem 348 municípios em seis países da Amazônia, estão sendo usados por ONGs e outros veículos de mídia para planejar seu trabalho de campo com segurança.

 

Map

Captura de tela do mapa interativo do projeto Submundo da Amazônia. Crédito: Submundo da Amazônia

 

A seguir estão algumas das nossas estratégias e metodologias para concluir esse projeto ambicioso, colaborativo e de alto risco, bem como as lições aprendidas.

Como colaborar entre fronteiras

Quatro elementos foram fundamentais para coordenar a colaboração entre seis países com idiomas, moedas e estilos de gestão de projeto diferentes: escuta, estímulo à confiança, planejamento e aceitação da flexibilidade. Mais importante ainda, as condições regionais dos países influenciam fortemente o nosso trabalho de campo e entender isso é crucial para o sucesso da pesquisa e a segurança dos jornalistas. Por exemplo, nós precisávamos saber se uma seca afetava um rio específico essencial para navegação, como grupos armados estavam presentes na região e seus laços com autoridades, quais fontes e pessoas locais podíamos confiar em caso de emergência. 

 

Men on a boat

Fotógrafo Andrés Cardona e jornalista Bram Ebus viajam na região de fronteira da Amazônia brasileira e colombiana para registrar operações ilegais de garimpo de ouro. Crédito: Alex Rufino

Como apurar informação em uma região tão grande como a Amazônia

Um dos desafios mais significativos de trabalhar na Amazônia é ter acesso a fontes em áreas remotas e obter informação confiável. Nós tivemos que criar nossa estratégia de reportagem com informações tais como a localização de centros de saúde e pistas de decolagem e pouso para rotas de saída.

Para apurar informação em uma região maior que a União Europeia, com estradas, áreas urbanas e conectividade digital limitadas, nós fizemos centenas de solicitações de acesso a dados públicos e passamos meses criando a base de dados de grupos armados usando o Excel e o Notion. Essa base de dados, compilada transnacionalmente com uma metodologia uniforme, se baseou principalmente em fontes primárias, incluindo entrevistas locais em campo ou via telefone e documentos oficiais, principalmente dos poderes executivo e judiciário de cada país. 

Tendo em vista o viés em potencial de documentos com motivações políticas ou mal pesquisados por instituições estatais, essas fontes foram cuidadosamente examinadas e aprovadas antes de serem adicionadas à base de dados.

 

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Captura de tela da base dados colaborativa compilada transnacionalmente com uma metodologia uniforme. Crédito: Submundo da Amazônia

Com investigar balsas de garimpo ilegal

O objetivo de uma das nossas reportagens era identificar a quantidade de balsas de garimpo, monstros metálicos que escavam sedimentos de rios ricos em ouro e os processam com mercúrio tóxico. Nós focamos no rio Puruê, no Brasil, que começa em um parque nacional na vizinha Colômbia.

Para a nossa reportagem, era crucial contar a quantidade de balsas, o que nos permitia estimar o dano ambiental, produção de ouro e receita ilegal da guerrilha colombiana e de funcionários corruptos da polícia brasileira, que recebem sua parte. Inicialmente, nós tentamos desenvolver um algoritmo com a ajuda do Pulitzer Center do Earth Genome. Mas a ideia não deu certo por causa do clima nublado persistente e do risco de contagem dupla devido à movimentação das balsas. 

Nós fizemos uma parceria com uma ONG que trabalha na proteção da Amazônia e agendamos dois voos, nos quais contamos um total de 168 balsas. Isso trouxe questionamentos, considerando que apenas um mês antes, uma operação legal supostamente destruiu um número significativo de balsas.

Usando imagens de satélite do Planet, nós observamos uma mudança na cor do rio, que por anos foi marrom claro, parecido com café com leite, devido à dragagem intensa. Cerca de cinco dias antes da operação, o rio voltou para o seu tom mais escuro, significando o fim da atividade das balsas. Ao conversar com moradores, incluindo os próprios garimpeiros, ficou evidente que eles conseguiram esconder a maior parte das balsas antes da operação. Quando fizemos a pesquisa aérea de acompanhamento várias semanas depois, o número de balsas tinha aumentado drasticamente, já que os garimpeiros tinham voltado.

 

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Durante um sobrevoo no início de julho, foram observadas 159 dragas de garimpo ao longo do rio Puruê. Crédito: Jaap van 't Kruis

Estratégia de segurança

Quando o projeto começou, uma das primeiras reuniões foi uma oficina de segurança em campo com o objetivo de preparar a equipe para aprender como analisar o contexto e identificar riscos, estabelecer protocolos de segurança física e digital e reagir a situações de emergência.

 

Photo

Polícia de Barcarena revista suspeito durante uma patrulha noturna. Crédito: Wagner Almeida

 

Todas as viagens para realizar reportagens no Brasil, na Colômbia, no Peru e na Venezuela foram monitoradas, e protocolos de segurança foram criados antes de cada missão. Esses protocolos incluíam informação contextual sobre condições de segurança tais como presença de grupos armados ilegais, possibilidades de comunicação (sinal de celular, acesso via dados, etc), contatos-chave para emergências e detalhes de lugares e pessoas para entrevistas em cada lugar. Nós entendíamos que o plano no papel podia mudar, mas ele serviu como nossa base segura para o trabalho. Nós pré-estabelecemos a frequência de ligações ou mensagens para relatar que tudo estava bem ou para perguntar sobre quaisquer atualizações.

 

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Rios no sul da Venezuela são usados como rotas de tráfico de combustível e outros suprimentos para o garimpo. Crédito: María Ramírez Cabello

 

Entre as ferramentas usadas para monitoramento e comunicação em cada país estava um aparelho de GPS Garmin. Ele ajudou a monitorar rotas, localizar equipes em locais estabelecidos e gerar relatos breves via telefone ou email sobre o progresso da reportagem em campo. Ele também facilitou o envio e recebimento de mensagens de alerta.

Houve um incidente no rio Puruê, próximo à fronteira com a Colômbia. Quando a equipe estava navegando pelo rio, foi confrontada por um grupo da polícia militar de Japurá, que confiscou aparelhos que armazenavam fotos e vídeos.

Ao sermos alertados sobre a situação, imediatamente ativamos o protocolo combinado e entramos em contato com pessoas de confiança que nos ajudaram, em questão de horas, a notificar as autoridades. No mesmo dia, a nossa equipe foi novamente abordada pela polícia militar, que devolveu os aparelhos confiscados. O monitoramento continuou e o contato ficou mais frequente para acompanhar de perto a situação, que acabou sem outros incidentes até a equipe retornar para a Colômbia.


Este artigo foi originalmente publicado pelo Pulitzer Center e republicado na IJNet com permissão.

Foto por Renan Bomtempo via Pexels.