Entrevista: Construindo uma carreira de jornalismo em plena pandemia

Mar 10, 2021 em Reportagem sobre COVID-19
Matthews posa para uma foto, sorrindo na frente de um prédio

Este artigo é o primeiro de uma série de perfis sobre o trabalho de jornalistas negros na mídia. Começamos a discutir esse tema numa série para o Mês da História Negra nos EUA em fevereiro, mas percebemos que o valor de destacar as vozes negras se estende muito além de um mês. Estamos usando esta série para manter a conversa. Se você gostaria de compartilhar sua própria experiência como jornalista negro, envie um e-mail para tmulcahey@icfj.org.


O ano passado foi desafiador para jornalistas, enquanto chamadas de Zoom, demissões e cortes de orçamento se tornaram comuns no setor. Mas em meio à crise, jovens jornalistas estão se preparando para causar um impacto ousado no jornalismo. Um desses jornalistas é Korey Matthews, produtor de notícias da CNBC News.

Matthews começou em tempo integral na CNBC em janeiro, apoiando a produção de TV, criando recursos como tabelas ou gráficos, editando vídeos e verificando os feeds dos convidados. Embora ele ainda não tenha começado a escrever ou produzir seus próprios segmentos, ele espera chegar lá em breve.

“Eu me interessei por [jornalismo] porque queria fazer uma variedade de coisas”, disse Matthews. “O jornalismo me permitiu explorar coisas diferentes e estudar coisas diferentes porque sempre fui uma pessoa que gosta de aprender, descobrir como as coisas funcionam e entender por que as coisas acontecem.”

Ele também gosta de conversar com as pessoas, outra fator que o atraiu para o jornalismo. Mas este ano, isso não aconteceu da mesma forma que no passado e ele teve que começar sua carreira sem uma redação para onde ir.

Depois de concluir a graduação na Morgan State University, Matthews começou na Faculdade de Pós-Graduação de Jornalismo da City University de Nova York em 2019, graduando-se em dezembro passado. Mais da metade da sua pós-graduação foi em modalidade remota.

“Tem sido um desafio”, disse Matthews. “E não tem sido o que eu chamaria de ideal. Mas sou grato pelas lições que aprendi com isso.”

Matthews participou de nosso programa de estágio IJNet Back in the Newsroom em 2019, contribuindo com artigos e nos ajudando a lançar nosso podcast, IJNotes. Agora, temos a oportunidade de entrevistá-lo sobre como iniciar uma carreira em meio a uma pandemia, os desafios que os jornalistas negros enfrentam e os conselhos que ele dá a outros jornalistas iniciantes e as redações que contratam jovens.

[Leia mais: Dicas para focas no jornalismo durante a pandemia]

IJNet: O que atrairia você a uma redação para ajudá-lo a se sentir incluído? O que as redações podem aprender sobre o que os jornalistas mais jovens precisam agora?

Matthews: Adotar a mídia social é importante porque os jornalistas mais jovens estão pensando o tempo todo sobre como essa indústria vai permanecer relevante e como vão continuar crescendo. E é importante a redação mostrar que realmente se preocupa com a mídia social: não apenas estando nela, mas entendendo como ela funciona e como as pessoas nas redes sociais querem consumir seu conteúdo. Quando os jornalistas mais jovens veem isso, não veem apenas que a empresa coloca um estagiário lá para "postar" coisas, mas uma redação que tenta desvendar o funcionamento das redes.

Outra coisa que os jornalistas mais jovens gostam de ver nas redações é que seu público seja levado a sério. Às vezes, a mídia diz que se preocupa com seu público, mas fica atolada nas histórias que costuma fazer e às vezes perde de vista o que seu público realmente quer. Continuar a fazer pesquisas e outras formas de engajamento que realmente se conectem com o público mais jovem que está tentando alcançar e manter o público estabelecido é algo que os jovens querem ver. Isso é particularmente o que eu quero ver: [veículos] inovando e crescendo e não descansando sobre os nossos louros.

A side photo of Matthews smiling

Como foi se formar e iniciar um emprego durante uma pandemia? Que desafios você encontrou?

Eu diria que o maior desafio é não poder falar com as pessoas cara a cara. Era isso que eu amava no ICFJ, poder ir ao escritório. Só de poder ver as pessoas, ir até as mesas das pessoas, conversar com elas e almoçar era muito divertido. Não poder fazer isso na CNBC tem sido realmente difícil.

Sempre tenho medo de não me fazer entender, e isso tem sido agravado porque é muito difícil botar o tom certo num e-mail. Por isso, sempre tento ser mais cauteloso ao me expressar. Obviamente, isso é algo com que você não se importa pessoalmente porque a pessoa pode ouvir você dizer e ver você, mas quando você envia um e-mail não é a mesma coisa.

Mas também, trabalhar remotamente me deu uma apreciação por certas coisas e realmente me deu uma nova maneira de descobrir como trabalhar: coisas que acho que vou aproveitar depois que a pandemia acabar.

[Leia mais: Como jornalistas podem gerenciar estresse e sobrecarga digital]

Como um jovem jornalista negro, há desafios específicos que você encontrou ou conselho que deu para outros negros que estão entrando na indústria?

Às vezes, pelo menos para mim, tenho cuidado com algumas das pautas que apresento porque me preocupo em ser rotulado como aquele jornalista que sempre quer falar sobre raça, ou sempre quer falar sobre cultura ou algo assim. Isso me deixa um pouco com medo de propor certas matérias. E embora você queira ser cauteloso, não deve se preocupar com isso, porque uma história é uma história. Se é uma boa história, não importa. Isso é algo que tive de equilibrar em minha carreira e sobre o qual conversei com mentores em geral.

Eu também sinto que, como um jornalista negro nesta época, tenho tido um pouco de sorte porque tem havido muito foco em raça nos últimos anos com os protestos de George Floyd e Black Lives Matter. Acho que abriu algumas portas, pois as empresas estão realmente procurando oportunidades e tentando dar mais ênfase para promover a diversidade. Isso é algo que sinto que os jornalistas negros, e eu em particular, podemos usar e realmente tirar proveito, porque é uma espécie de destaque do trabalho que estamos fazendo.

Esse seria o conselho que eu daria a outros jornalistas negros: não diga: “Eu sou negro, farei o trabalho”, mas realmente tire proveito de sua experiência e da experiência única que você pode ter como um jornalista negro, e apresente-a se estiver procurando um emprego.

Você tem alguma prática em vigor que o ajudou a lidar com o esgotamento e essa diluição da linha entre o trabalho e a vida?

Na verdade, isso é algo em que ainda preciso melhorar, não vou mentir. Uma pequena coisa que minha mãe sempre me diz é para sair. Tento sair de casa pelo menos uma vez por dia porque sei que teve um tempo em novembro quando estive super ocupado terminando a faculdade, super ocupado com meu estágio e eu simplesmente podia trabalhar sem parar e percebi que não saía. Eu pensei: “Isso não é saudável”. Eu tento malhar, ir para a academia e fazer um bom treino porque acho isso saudável também.

Tento realmente desligar meu e-mail de trabalho em um determinado momento, especialmente se sei que não deveria receber mais e-mails importantes porque acho isso importante. Eu [também] tento equilibrar meu consumo de notícias. Ainda sou um grande fã de notícias, mas tento não olhar muito para as notícias, especialmente tarde da noite, quando estou prestes a ir para a cama, porque gosto de liberar minha mente nessa hora e fazer coisas de que gosto. Tenho na cabeça que fiz tudo que podia nesse dia e que estarei de volta na manhã seguinte.

Essas são três coisas que me ajudam a evitar o esgotamento, mas preciso fazer muito mais.

Você tem algum conselho final?

A maior coisa que eu sempre penso é: não tenha medo de sua experiência e não tenha vergonha de sua experiência. Uma coisa que aprendi nos últimos anos, durante esta pandemia, também, é que cada pessoa traz algo único para a mesa que só ela pode trazer.

É óbvio dizer, mas quando você realmente pensa sobre isso, é realmente algo especial: “Eu posso ser a única pessoa que poderia abrir esta empresa ou iniciar este meio de comunicação ou este boletim informativo, porque eu sou a única que tem a experiência que eu tenho”. Quando as pessoas realmente abraçam isso, e quando realmente pensam sobre isso, pode levá-las a produzir coisas incríveis.

Esta entrevista foi editada e resumida. 


Taylor Mulcahey é editora-gerente da IJNet.

Todas imagens são cortesia de Matthews