A maioria das pessoas no mundo todo se identifica com um grupo religioso. E a religião pode ditar, influenciar e/ou orientar significativamente o comportamento e as interações das pessoas umas com as outras, seja consciente ou inconscientemente.
Consequentemente, é um componente necessário a ser considerado pelos jornalistas ao documentarem e explicarem o mundo para seus leitores.
Confira a seguir o que três repórteres que cobrem religião e questões religiosas têm a dizer sobre a relevância do tema para jornalistas e como fazer uma cobertura melhor a respeito:
Por que religião é importante
Muitas pessoas confiam na religião – assim como fazem com o jornalismo – para dar sentido ao mundo, observa Ekpali Saint, repórter freelancer que mora na Nigéria. "Assim como o jornalismo funciona como uma luz para as pessoas e as ajuda a tomar decisões embasadas, as pessoas também recorrem à religião para obter orientação e significado para certos fenômenos", diz.
Um entendimento da religião pode ajudar os jornalistas a identificarem melhor como e por que pessoas de diferentes grupos se comportam de formas distintas. "Os jornalistas têm que entender a interação entre questões sociais e religiosas, e como crenças e práticas religiosas moldam uma pessoa e influenciam suas relações com os outros", diz Saint.
Em muitas partes do mundo, ignorar a religião foge da responsabilidade jornalística.
"O púlpito é uma grande plataforma para mobilizar as pessoas", diz Kamran Chaudhry, correspondente da UCA News no Paquistão. "Cobrir uma pauta sem as vozes desses líderes religiosos não faz justiça."
A repórter freelancer Meagan Clark Saliashvili, que cobre religião, aponta que normas importantes no protestantismo, como o individualismo, influenciaram a história e a sociedade dos Estados Unidos. "A religião afeta como pensamos sobre nós mesmos, nossos valores, escolhas morais, nossa política, [...] ideologias e nossas sociedades", diz.
Como abordar religião
Assim como acontece com o bom jornalismo, cobrir religião requer primeiro que os jornalistas pesquisem. Chaudhry sugere usar as redes sociais: considere, por exemplo, entrar em grupos religiosos online para avaliar como pessoas de uma religião em particular estão reagindo a uma questão. Podcasts e vídeos do YouTube com foco em religião também podem ajudar os jornalistas a entenderem as questões em jogo em grupos religiosos. Seguir perfis em redes sociais de intelectuais de diferentes religiões, entrevistar líderes religiosos e pedir a opinião de amigos dentro de religiões também são formas pelas quais repórteres podem aprender mais sobre o assunto.
"Além de pesquisa e entrevistas, dedique tempo a observar e vivenciar a comunidade em celebrações e eventos, mesmo sem ter uma pauta em mente", diz Saliashvili.
Ela também alerta para que se esteja ciente de quaisquer suposições e vieses anteriores que você venha a ter, principalmente ao informar sobre crenças que não são as suas. "Aprenda sobre o que você não sabe e cultive uma variedade de fontes confiáveis naquela religião. Tente não relacionar outras religiões à sua própria fé ou experiência com uma crença em particular, e simplesmente entenda a religião primariamente nos próprios termos dela, dentro da própria história dela", aconselha. "Faça muitas perguntas às fontes sobre o que você encontrou na sua apuração até aquele momento e realmente ouça as respostas delas."
Devido às nuances profundas da religião, Saint encoraja os jornalistas a manterem a mente aberta e abordarem as fontes com respeito. "Jornalistas precisam sempre estar prontos para aprender com líderes religiosos e autoridades, e ir atrás de explicações deles quando necessário para evitar mal-entendidos e até conflitos dos grupos", diz.
Como cobrir religião
Como jornalistas, nosso trabalho é fornecer notícias imparciais e precisas - não tirar conclusões de forma definitiva. Isso se aplica à cobertura da religião também.
"Às vezes, a forma como jornalistas cobrem ou representam uma crença ou prática religiosa em particular pode ser diferente de como os membros daquele grupo religioso enxergam. Isso pode resultar em mal-entendidos", explica Saint. "Jornalistas que não são teólogos devem deixar para especialistas e autoridades religiosas a interpretação de textos sagrados, palavras específicas, tradições, dogmas, práticas e sistemas de crença."
Pergunte às fontes quais são os estereótipos prejudiciais existentes e como você pode evitá-los, sugere Saliashvili. Pedir opinião das fontes também pode ajudar os jornalistas a identificar pautas sobre religião para produzir e criar confiança.
"Entenda a história de como esses estereótipos surgiram [...] e por que eles falham em capturar as nuances e realidade da religião — sua variedade de culturas, opiniões políticas, diferenças regionais, divisões raciais, diferenças teológicas, etc.", diz Saint.
Cobertura de conflitos religiosos
Uma compreensão imparcial da religião é principalmente importante na cobertura de conflitos religiosos.
É fundamental contextualizar e mostrar a perspectiva histórica que ajuda a explicar a natureza do conflito ao mesmo tempo em que se evita generalizações. Saint alertou contra "generalizar ações de um representante específico de um grupo religioso como a tradição e crença da religião".
Para Chaudhry, o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos destacou a necessidade de sensibilidade religiosa no jornalismo. "O terrorismo foi carimbado em uma religião específica por aqueles que não se importam muito com crenças religiosas", diz, referindo-se em particular aos países ocidentais.
Saliashvili sublinhou a importância de buscar diferentes perspectivas para embasar sua cobertura de conflitos religiosos. "Entenda que é muito comovente para alguém afetado pelo conflito ler uma visão enviesada ou desinformada na mídia — pode ter o efeito de um outro ataque, fazendo com que as pessoas se sintam desamparadas e sem voz para compartilhar, de sua perspectiva, qual é a história verdadeira."
Se religião não for sua especialidade
Mesmo se você não for um repórter que cobre religião, ela ainda pode estar presente em suas pautas de um jeito ou de outro. A religião é inseparável da vida cotidiana de muitas pessoas, e é importante não subestimar sua influência.
"Quando a religião surgir na sua cobertura normal, não ignore-a. Debruce-se sobre o assunto e faça mais perguntas", diz Saliashvili. "Assim como raça, status socioeconômico ou bagagem cultural podem afetar uma pauta, a identidade religiosa de uma pessoa também pode afetar."
Deixar de considerar a religião ao informar é um jogo perigoso. "Ignorar ou não entender a religião em uma pauta pode fazer com que o repórter dissemine ou reforce involuntariamente estereótipos negativos sobre um grupo, [...] subestime o impacto de uma pauta em diferentes grupos religiosos e, no geral, resulte em uma matéria incompleta ou mesmo enganosa", diz Saliashvili.
Foto por Pedro Lima via Unsplash.