Recurso ajuda a usar linguagem apropriada em reportagens

por Sarah Scire
Jul 28, 2022 em Diversidade e Inclusão
Think before you speak

Produzir reportagens envolve tomar inúmeras decisões sobre linguagem, enquadramento e terminologia na hora de escrever, editar e apresentar o conteúdo. Faça a escolha errada e a sua redação corre o risco de se equivocar com a pauta, alienar leitores e fontes e ter uma repercussão focada muito mais na escolha das palavras do que na informação que a matéria traz.

"Language, Please", um novo projeto da Vox Media, pretende ajudar com isso. Com financiamento do Google News Initiative, ele reuniu uma longa lista de lideranças do jornalismo para escreverem um guia de estilo com mais de 275 verbetes contendo definições detalhadas, notas sobre o uso e fontes adicionais. (A Vox não informou o valor exato do financiamento concedido pelo Google.)

Sobre a missão do projeto, de acordo com o site oficial:

Você pode ser um redator em busca do histórico mais aprofundado de uma palavra sensível; um repórter repensando quem a sua editoria está servindo; ou um gestor tentando tomar uma decisão difícil sob a pressão dos prazos. O desafio é o mesmo: a linguagem está sempre em evolução e as palavras que escolhemos usar podem ter resultados duradouros e com consequências.

Em uma época de mudança dos padrões, nosso objetivo é oferecer um contexto amplo desses debates, aprofundar na história que talvez você não conheça de um termo, conectar termos relacionados e embasar tomadas de decisão cuidadosas.

O site também inclui um teste de edição interativo, dicas para melhorar a diversidade na cobertura jornalística e um diretório abrangente de leitores (a Vox não verifica os leitores).

"Nosso objetivo foi muito inspirado por duas ideias interconectadas", diz Christopher Clermont, chefe de diversidade, equidade e inclusão da Vox Media. "Uma era que queríamos criar uma ferramenta que pudesse ajudar as redações a fazer uma cobertura melhor de tópicos sociais, culturais e relativos a identidade. A outra era que queríamos suprir uma necessidade grande de recursos humanos de não depender das pessoas marginalizadas que trabalham na redação para fazer esse trabalho."

Clermont diz que, na época do assassinato de George Floyd, jornalistas estavam pedindo ajuda para melhorar as matérias e verificar a linguagem usada. Foi encorajador, segundo Clermont, mas também totalmente insustentável no longo prazo.

"Quando surge uma notícia de última hora, as redações correm para descobrir como criar padrões em torno de tópicos complexos e sensíveis", diz. "Essa era a verdadeira premissa em torno do  ‘Language, Please’ — um recurso gratuito e vivo para jornalistas que querem produzir suas matérias com cuidado."  

Os criadores de “Language, Please” enfatizaram em entrevistas o aspecto vivo da ferramenta. Eles observaram que o site vai continuar a evoluir e que seu conselho de membros (que são remunerados) se comprometeu a atualizar a ferramenta no ano que vem para refletir mudanças nos padrões e nos debates. Já é possível ver parte do trabalho que está sendo feito; verbetes como “epidemia de opioides” “deformação” e “acondroplasia”, síndrome que afeta os ossos e causa o nanismo, ainda aparecem como "em breve". 

Tanya Pai, editora de estilo e padrão da Vox, ajudou a conduzir a linha editorial do projeto. Ela conta que tudo começou com uma pesquisa na redação, recolhendo dúvidas sobre linguagem e perguntando aos jornalistas e editores o que eles queriam saber.

"Algumas pessoas falaram: 'eu só quero saber qual a palavra 'certa' a ser usada' e algumas realmente queriam entender a nuance desses debates. Elas queriam o contexto mais amplo. Por que tal terminologia está mudando?", diz Pai. "Quando começamos o trabalho, queríamos de fato nos debruçar sobre o porquê das coisas. Não queremos simplesmente chegar e falar 'essa é a regra'. Há tanta nuance envolvida e nós queríamos verdadeiramente criar uma ferramenta que entrasse no contexto e desse às pessoas as condições necessárias para tomar decisões por conta própria, pelas redações e audiências." 

Diferentemente de verbetes de manuais de redação, como o da AP, o  “Language, Please” estruturou seus verbetes de modo que a mensagem principal venha ao final da explicação — depois do contexto mais amplo e da história — e inclui links para leituras externas para aprofundamento. Vários verbetes recomendam determinadas expressões, mas mesmo assim ressalta que não há uma resposta universalmente aceita.

De fato, grande parte dos conselhos e orientações presentes no  “Language, Please” podem ser resumidos a isso: tenha cuidado. Desafie o conhecimento adquirido e a forma de redigir. Pergunte às pessoas sobre as preferências delas. 

"Nós realmente focamos em tentar escrever de uma modo que deixe espaço para debates", diz Pai. "O debate em torno da palavra Latinx, por exemplo — muitas redações usam o termo no momento, mas ele não necessariamente faz sentido para todo mundo que ele supostamente descreve. Queríamos deixar isso claro. Pode ser que o seu estilo use Latinx, mas não vai haver 100% de consenso a respeito." 

Que tal alguns trechos para te dar uma ideia? O verbete “Me Too / #MeToo” diz o seguinte:

Embora possa ser comum em conversas do dia a dia as pessoas usarem o termo como um verbo ou na voz passiva (por exemplo, "A pessoa X sofreu um MeToo" ou "A pessoa Y fez um MeToo contra o Sr. X"), expressar-se desse jeito deixa de fora o contexto e especificidades. A construção passiva também pode ser entendida como uma forma de colocar o abusador na condição de vítima.

Se você buscar por "pronomes", vai encontrar o seguinte:

Dizer que alguém "usa o pronome ela/elu" (em vez de "prefere os pronomes ela/elu") afirma que os pronomes de uma pessoa e a identidade gênero não são uma escolha e sim são entendidos como parte profunda da identidade.

O verbete "portador" orienta para ter cuidado com a compaixão automática na hora de entrevistar fontes que têm alguma doença ou deficiência:

Pode parecer normal dizer "Sinto muito por isso" quando uma pessoa revela ter uma deficiência ou doença. Porém, tal reação pode carregar o pressuposto do quão "ruim" é essa experiência. Reflita: se a pessoa descreve a si mesma ou as experiências dela em termos neutros ("Eu tenho uma doença crônica", "Tenho uma deficiência há alguns anos"), pode não ser apropriado expressar simpatia. 

Você pode consultar o “Language, Please” aqui.


Este artigo foi originalmente publicado no Nieman Lab e republicado com permissão.

Foto por Kyle Glenn no Unsplash.