Conselhos para investigar crimes de guerra

por Santiago Villa
Oct 26, 2023 em Reportagem de crise
Ruined streets in Syria

Das atuais atrocidades sendo reveladas na Ucrânia aos julgamentos de criminosos da guerra da Bósnia, o trabalho do jornalismo de investigar crimes de guerra é essencial para possibilitar a responsabilização. A decisão tomada em uma fração de segundo de tirar a foto de um ato de crueldade pode mais tarde se tornar a evidência documental para levar criminosos de guerra aos tribunais. Encontrar um celular de um soldado russo descartado em meio ao entulho pode levar à identificação de quem deu ordens para deportar crianças ucranianas de um lugarejo. 

Realizado durante a 13ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo(#GIJC23), o painel "Investigando Crimes de Guerra", moderado por Denis Džidić, diretor-executivo e editor da Rede de Reportagem Investigativa dos Balcãs na Bósnia e Herzegovina(BIRN BiH), teve como convidados Yanina Korniienko, jornalista ucraniana do Slidstvo.Info — plataforma de jornalismo anticorrupção que passou a cobrir crimes de guerra depós da invasão russa; Nick Waters, investigador digital do Bellingcat focado nos conflitos da Síria, do Yemên e da Ucrânia; Sophia Jones, jornalista premiada e atualmente investigadora de crimes de guerra e violações de direitos humanos da Human Rights Watch; e Ron Haviv, um dos principais fotojornalistas do mundo e fundador da VII Foundation, cujas fotografias foram a base para provar crimes de guerra na guerra da Sérvia, conforme descrito em seu documentário "Biography of a Photo", que será lançado em breve.

Haviv, Džidić e Waters também contribuíram com o Guia do Repórter para Investigação de Crimes de Guerra da Rede Global de Jornalismo Investigativo (GIJN na sigla em inglês), lançado no início deste mês, no qual vários jornalistas veteranos e especialistas escreveram sobre tópicos como o que é legal em uma guerra, violência sexual relacionada a conflitos, genocídio, desparecimentos forçados e armas proibidas e restritas.

Familiarizar-se com o direito humanitário internacional, saber o que é legal ou não e quais armas são proibidas ou restritas é um conhecimento que Nick Waters, do Bellingcat, insistiu ser essencial. "É muito importante pelo menos entender os princípios básicos quando você está tentando estabelecer se atrocidades ilegais estão sendo cometidas", disse. "Mesmo sob essas leis, podem acontecer coisas bem horríveis que são inteiramente legais." 

Esse conhecimento permite que jornalistas detectem nuances fundamentais. Por exemplo, o fósforo como uma arma incendiável é legal, mas quando seus gases tóxicos são usados para matar inimigos, é considerado uma arma química e é ilegal. Familiarizar-se com armamentos — por exemplo, se certos foguetes são muito precisos ou não, quais unidades usam quais tipos de artilharia e em qual ângulo caem certos projéteis — vai te dar informação que pode levar a revelar se um dado comandante deu uma ordem que constitui um crime de guerra. E a dica mais importante compartilhada por Waters: nunca mexa em nada que você encontrar em uma zona de guerra que uma equipe de artilharia explosiva não tenha confirmado que é seguro. Ou, como ele disse mais abertamente, "Não pegue as coisas".

Identificar soldados e comandantes russos que tenham cometido crimes de guerra é a especialidade diária de Korniienko e sua equipe desde que começou a invasão à Ucrânia. Depois de um ano e meio de conflito, o grupo desenvolveu uma metodologia para investigar pistas quando uma cidade ocupada pela Rússia é liberada. Os passos são:

  • Fazer reportagem em campo na cidade liberada o quanto antes;
  • Coletar e documentar evidências no local, incluindo balas, documentos, fotografias, vídeos e outros objetos físicos;
  • Identificar soldados russos e colaboradores que possam ter cometido crimes de guerra. Perfis nas redes sociais, bases de dados e investigação de código aberto pode dar informações muito detalhadas;
  • Entrevistar testemunhas de crimes de guerra, mas se assegurando de não publicar antes de ter 100% de certeza de que todas as fontes entrevistadas estão em segurança.

"Também estamos fazendo isso para mostrar ao mundo como é questionável a ideia de que essa é uma guerra do Puntin e de que os soldados não querem fazer isso. Quando abrimos as redes sociais deles, vemos que eles odeiam a Ucrânia por anos", diz Korniienko. Isso provaria que a guerra não foi uma decisão repentina e que o regime russo fomentava há anos o ódio à Ucrânia em meio à população russa.

Jones também ressaltou a importância de pesquisa de código aberto, o que ela recomenda combinar com pesquisa em campo, como faz a equipe do Slidstvo.Info. Ela também sugeriu que repórteres leiam o Protocolo de Berkeley para Investigações de Código Aberto (em inglês) do início ao fim. Jones compartilhou essas cinco dicas essenciais:

  • Entenda o básico da investigação de código-aberto;
  • Familiarize-se com novas ferramentas e tecnologias;
  • Faça pausas e priorize sua saúde mental;
  • Registre suas descobertas e padronize seu fluxo de trabalho. Use planilhas para criar arquivos;
  • Priorize o fluxo de trabalho de arquivamento para preservar evidências e maximizar a responsabilização.

Muitas evidências coletadas vão ser visuais. Fotografias tiradas no lugar certo na hora certa vão ser usadas em julgamentos de crimes de guerra, mesmo se tiradas logo depois do crime ser cometido. "Mesmo a fotografia sendo feita após o crime de guerra, ainda assim ela tem poder", disse Haviv, acrescentando que isso se estende a como algumas fotografias e imagens se tornam parte da vida e sociedade de pessoas em zonas de conflito, ao preservarem sua memória, identidade e dignidade.

Palavras semelhantes podem ser ditas sobre todo jornalismo que documenta crimes de guerra. Estabelecer a verdade do que aconteceu durante a guerra é, essencialmente, uma atividade de construção da sociedade e preservação, porque a maioria dos crimes de guerra no fim tem a intenção de destruir um modo de vida: uma cultura viva e que respira.


Este artigo foi originalmente publicado pela GIJN e republicado pela IJNet com permissão.

Foto por Mahmoud Sulaiman via Unsplash.