Conselhos para fotografar grupos vulneráveis com ética e compaixão

May 23, 2023 em Jornalismo multimídia
Two women photographers.

Com mais informação do que nunca ao alcance das mãos graças à internet e às redes sociais, a representação honesta e precisa por meio de imagens precisa ser uma prioridade. Com isso em mente, fotojornalistas devem adotar precauções para evitar publicar imagens que possam prejudicar ou explorar grupos vulneráveis.

A seguir estão algumas dicas de fotojornalistas da África.

Contexto legal e segurança

Ao trabalhar com populações vulneráveis, considere o contexto legal e se a segurança das pessoas nas suas fotos pode estar em perigo por causa do seu trabalho.

Por exemplo, em Uganda é ilegal se identificar como LGBTQ. As punições incluem prisão perpétua ou pena de morte. Publicar fotografias que exponham a identidade de pessoas LGBTQ pode colocar a vida delas em risco.

"Mesmo que haja pessoas que estejam prontas para assumir qualquer risco para lutar por sua liberdade, é importante ter em mente que mesmo que uma matéria seja publicada em um idioma estrangeiro, não significa que as pessoas em Uganda não vão conseguir acessá-la. Eu sempre aconselho a fazer fotos anônimas que escondam a identidade da pessoa", diz Sofi Lundin, jornalista radicada no Sudão.

Luke Dray, fotojornalista que recentemente documentou uma comunidade LGBTQ em Uganda, explicou como ele construiu uma base de confiança e transparência para o projeto. "Eu me apresentei para todos em um lugar seguro e contei porque estava ali. Mostrei meus trabalhos anteriores com grupos marginalizados e pessoas sob ameaça dos mesmos agentes estatais", diz. "Eu também deixei que vissem as fotos enquanto eu seguia fotografando ao longo do dia, para demonstrar como eu estava usando luz e composição para esconder a identidade delas. A segurança dessas pessoas era a minha prioridade máxima." 

As imagens que você fizer nunca devem sacrificar o direito das pessoas à privacidade e segurança. Considere o seguinte quando estiver fotografando as pessoas:

  • Há um motivo forte para identificá-las ou é mais seguro contar a história delas anonimamente?
  • A pessoa entendeu as implicações de compartilhar a história dela e como a matéria pode chegar até os grupos de convivência e a família dela?
  • As pessoas conseguem acessar e dar uma opinião sobre as imagens antes da publicação?

Dinâmica de poder

Considere a dinâmica de poder na relação entre você atrás das câmeras e quem você está fotografando.

Um fotógrafo em meio a um grupo desfavorecido com uma câmera nos ombros vai inevitavelmente estar em uma posição de poder: ele vai determinar como as pessoas são vistas. É o fotógrafo que conta a história, escolhe o que contar e como contar. 

"Ao trabalhar com grupos vulneráveis, estabelecer as bases de confiança, conforto e consenso em primeiro lugar é fundamental para garantir que as pessoas se sintam empoderadas ao longo do processo", diz Luis Tato, fotógrafo que trabalha para a Agence France-Presse. "Eu priorizo o envolvimento com as pessoas iniciando um diálogo e conversando com elas o máximo possível antes de começar a fazer as fotos. Isso me ajuda a explicar com clareza minhas intenções e o propósito das imagens, bem como entender as preocupações e perspectivas delas. Eu também me certifico de ouvir as opiniões e sugestões delas e de respeitar seus limites e escolhas. Isso inclui dar a elas o poder de decidir o que é apropriado para ser fotografado." 

Fazer um esforço para entender como as pessoas que você está fotografando gostariam de ser representadas é importante. Eu gosto de perguntar às pessoas onde elas gostariam de ser fotografadas, se têm um lugar favorito em casa ou no local de trabalho e se precisam de se arrumar para fazer as fotos. Você também pode pedir a elas que escolham as fotos que consideram representá-las melhor. Ao permitir que as pessoas contribuam com a maneira como são representadas, você transfere um grau de poder a elas e cria espaço para uma narrativa mais complexa.

Produção

A forma como produzimos imagens tem um impacto nas histórias que contamos. Fotografar uma criança de um ângulo elevado, por exemplo, pode transmitir uma mensagem de vulnerabilidade e impotência. Fotografar uma mãe segurando seu bebê com uma pilha de lixo no fundo pode retratá-la como desamparada e desesperada. Tenha cuidado com imagens que falham em capturar o contexto mais amplo da vida das pessoas.

É aceitável mostrar pessoas em uma posição de carência se essa é a realidade delas, mas isso não deve ser a única forma como são vistas. Imagens que só focam nas necessidades das pessoas não ajudam o público a entender as questões que contribuíram para essas necessidades antes de tudo.

Nós devemos fazer um esforço para entender e transmitir a complexidade das situações das pessoas que fotografamos, levando em conta tanto a necessidade quanto a autonomia. Perguntas que eu me faço quando fotografo são:

  • Eu ficaria feliz de me ver ou ver membros da minha família retratados dessa forma? 
  • Essa é a única história que eu consigo contar?

Representação

Quando usamos imagens nas nossas matérias, temos um poder significativo de moldar como a audiência vai enxergar as pessoas fotografadas. É importante estar ciente disso e evitar imagens que reforcem estereótipos negativos existentes.

Gordwin Odhiambo é fotojornalista de Kibera, um bairro de baixa renda e alta densidade populacional em Nairóbi, no Quênia. Ele acredita que a narrativa visual em torno de sua comunidade muitas vezes não tem conexão com a realidade, exacerbando aquilo que falta e negligenciando os elementos valorizados por quem vive lá: o forte senso de comunidade, a vida social vibrante, o calor das pessoas, a alimentação e moradia de baixo custo. "Kibera está mudando. Não é só sobre pobreza. Pesquise, veja o que as pessoas estão fazendo pela comunidade, entenda o cenário como um todo", diz.

Já Tato prioriza o contexto para evitar distorção. "Isso significa pesquisar e se envolver em conversas com as pessoas para obter um entendimento mais profundo dos fatos sociais, culturais e históricos que moldam as experiências delas", diz. "É crucial ouvir a perspectiva das pessoas e ter consciência do impacto das minhas fotografias nas pessoas e comunidades que eu documento."

Contexto, legendas e publicação responsável

Sempre que produzimos e compartilhamos imagens, é nosso trabalho se assegurar que estamos contextualizando o máximo possível por meio de legendas bem redigidas e informativas. Sem elas, os leitores podem ter a impressão errada sobre o que está acontecendo na foto.

A redação de ótimas legendas começa no local onde as fotos são feitas. A seguir estão algumas dicas para considerar: 

  • Tenha curiosidade com o que está acontecendo ao seu redor e junte o máximo de informação possível; 
  • Não faça suposições sobre o que sentem ou pensam as pessoas fotografadas por você ou qual foi o catalisador da situação atual na qual se encontram. Em vez disso, pergunte-as diretamente;
  • Carregue um bloco de anotações ou um gravador para coletar aspas. Isso vai te ajudar a escrever legendas precisas e detalhadas;
  • A primeira frase de uma legenda deve descrever quem ou o quê a foto retrata e quando e onde a foto foi tirada. A segunda frase deve contextualizar a pessoa fotografada e descrever porque a foto é importante. 

Compaixão

O objetivo do registro visual deve ser humanizar – e não de desumanizar – as pessoas que fotografamos. É nosso trabalho retratar as pessoas de forma respeitosa e digna.

Jornalistas são seres humanos com vieses inconscientes que podem influenciar o julgamento de pessoas e situações. Isso pode mudar a forma como cobrimos uma pauta e retratamos pessoas. Identificar estratégias para remover esses vieses das nossas narrativas é um passo adiante crucial para assegurar uma cobertura justa e empática. 


Foto por Tam Nguyen via Unsplash.