Conselhos para cobrir traumas de forma ética

Jan 13, 2022 em Temas especializados
Man sitting with his hand on his head.

Cobrir assuntos nos quais as fontes podem lembrar-se de intenso trauma emocional e psicológico que elas tenham vivido pode ser uma tarefa difícil para qualquer jornalista. Além de assegurar que estão cobrindo estes temas com exatidão, os profissionais de mídia também devem considerar o bem-estar e a segurança de vítimas e sobreviventes, que frequentemente são suas fontes primárias.

Nicole Froio, jornalista de origem colombiana e brasileira radicada no Rio de Janeiro, cobre violência sexual e de gênero há 10 anos. Ao longo de sua carreira, ela desenvolveu habilidades e técnicas úteis para fazer matérias nas quais o trauma pessoal é um componente importante.

Em um webinar recente do ICFJ, Froio compartilhou dicas sobre como realizar matérias sobre trauma que sejam embasadas. Confira alguns dos pontos principais a seguir.

 

Coloque o bem-estar do sobrevivente em primeiro lugar

Jornalistas escrevem para contar uma história, e contar histórias de sobreviventes de eventos traumáticos pode ser poderoso, tocante e impactante. Ter uma matéria publicada, porém, nunca deve se tornar mais importante do que o bem-estar dos próprios sobreviventes. Isso significa que repórteres devem levar a sério as queixas de suas fontes e nunca usar suas histórias para ganhar crédito ou impulsionar engajamento.

"Você tem que deixar seu ego para trás para fazer esse tipo de trabalho — você não pode colocar o crédito que vai ter pela matéria na frente do que a história é [ou] do bem-estar das pessoas que estão compartilhando algumas das partes mais perturbadoras de suas vidas", disse Froio.

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Isso também significa dedicar um nível de honestidade e transparência aos seus entrevistados que você pode não considerar para outras pautas. Durante os estágios iniciais da matéria, é importante ser claro sobre por que você está fazendo a reportagem, qual papel o sobrevivente desempenha nela, qual tipo de proteção você pode oferecer e se a identidade da fonte vai ser revelada.

O que mais importa é "consenso, consenso, consenso", disse Froio. Isso inclui interromper uma entrevista a qualquer momento se o sobrevivente pedir, e permitir longos intervalos de tempo entre entrevistas (se necessário) até que sua fonte esteja pronta para falar sobre a experiência dela novamente.

Há outras formas de jornalistas colocarem o bem-estar de suas fontes em primeiro lugar. Froio tem sempre à mão recursos que podem ser fornecidos ao sobrevivente se necessário — recursos como os canais de denúncia de violência doméstica ou organizações especializadas em trabalhar com as experiências específicas de um sobrevivente. Tudo isso é fundamental para minimizar o impacto negativo que recontar um evento traumático pode ter nas suas fontes. 

Escreva a partir de um lugar de cuidado

Saber por que você está escrevendo uma matéria que trata do trauma de um sobrevivente é tão importante quanto implementar suas melhores práticas de reportagem, disse Froio.

Escrever a partir de um lugar de cuidado não só afeta a qualidade da matéria como também o modo como as queixas dos sobreviventes são percebidas na sua reportagem. Froio usou um artigo publicado no extinto Babe.net sobre uma acusão de má conduta sexual contra o ator Aziz Ansari (um artigo desde então removido da internet) como um exemplo no qual estimular o engajamento pode ter impactado como os leitores entenderam as queixas de quem escreveu o artigo. Froio destacou como certas decisões de escrita, como o artigo ter sido escrito como uma confissão em vez de em um estilo jornalístico, ou o pouco tempo dado a Anzari para responder às acusações antes da publicação, impactaram a percepção de validade da história.

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Em vez disso, Froio recomendou que jornalistas vejan a cobertura da New Yorker sobre as acusações de assédio sexual contra Harvey Weinstein. Ao produzir a matéria, o autor Ronan Farrow passou 10 meses fazendo verificação de fatos e obtendo evidências de assédio sexual para dar suporte às histórias das sobreviventes e para oferecer evidências consistentes para sustentar as acusações. Além disso, o trabalho de Farrow focou não em uma ou duas acusações, mas no amplo padrão de comportamento que mostrou como as acusações não poderiam ser descartadas como "uma coisa inaceitável", disse Froio. 

Para Froio, a dicotomia entre esses dois textos está na diferença entre escrever de um lugar de cuidado e de investimento nas histórias dos sobreviventes e simplesmente usar uma história para cliques ou retuítes — a primeira levando não só a um jornalismo melhor como também a mais cuidado com os sobreviventes.

Escute os sobreviventes

"O ponto principal que eu quero que todo mundo extraia disso é que nós não estamos falando de histórias, mas de humanos e humanidade. Você tem que estar aberto para ouvir antes de estar pronto para escrever a matéria. Ser capaz de ouvir ajuda muito", disse Froio.

Durante as entrevistas, jornalistas também devem estar cientes da linguagem utilizada. Culpabilizar a vítima e fazer perguntas inflamadas, mesmo que não intencionais, não ajudam nesse contexto e podem causar danos aos sobreviventes.

"Por fim, use seu bom senso: como você gostaria de ser tratado se estivesse nessa situação?", disse.


Foto por Nik Shuliahin on Unsplash.


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Jornalista freelancer

Devin Windelspecht

Devin Windelspecht é editor da Rede de Jornalistas Internacionais (IJNet). Antes de trabalhar na IJNet, ele era jornalista freelancer e cobria preservação e direitos humanos.