Conselhos de bolsistas do ICFJ para jornalistas

Dec 21, 2021 em Inovação da mídia
2022

Jornalistas no mundo todo enfrentaram mais um ano desafiador ao cobrirem as questões mais urgentes da atualidade. Com o mundo ainda abrindo caminho em meio à pandemia de COVID-19, eles assumiram a difícil missão de cobrir as variantes do vírus e de desmascarar a desinformação em torno das vacinas. Eles também mantiveram os leitores informados sobre crises, como a insurreição de 6 de janeiro nos Estados Unidos e a retomada do poder pelo Talibã no Afeganistão, dentre muitas outras. Eles fizeram tudo isso em meio à intensificação da repressão à liberdade de imprensa, de Belarus e Mianmar à Nicarágua e Hong Kong.

No contexto desses desafios, muitos jornalistas inovaram para engajar suas audiências com mais eficácia, descobrindo, ao longo do caminho, novos métodos para melhorar seu trabalho.  

Nós conversamos com os atuais bolsistas do ICFJ Knight sobre o que esse ano os ensinou e quais conselhos eles têm para os profissionais de mídia em 2022.

Fabiola Torres

América Latina

Vamos criar novas formas de escutar e de prestar atenção às necessidades dos diferentes grupos em nossas comunidades. Sabemos que nosso trabalho de desenvolvimento de audiência requer esforço de equipe e não pode ser o projeto de uma única pessoa. Nossa equipe do Salud Con Lupa criou vários projetos para escutar e prestar atenção às necessidades dos diferentes grupos na nossa comunidade:

  • "Los Otros Pacientes", uma coletânea de reportagens feitas por membros da nossa audiência sobre suas demandas de saúde não atendidas;
  • "In Memoriam", um espaço para o luto virtual e coletivo para as vítimas da COVID-19;
  • "En Primera Linea", uma coletânea de depoimentos de trabalhadores da linha de frente na luta contra a COVID-19.

Vamos transformar o jeito que fazemos jornalismo de saúde. Nossa cobertura deve ajudar as pessoas da audiência a entenderem seus problemas e ao mesmo tempo a resolver esses problemas. Para dar alguns exemplos, nosso site pode apresentar uma investigação que exponha a corrupção de funcionários públicos da saúde ao mesmo tempo em que destaca um relato em primeira mão de uma pessoa que sofreu um ataque de pânico. Apesar da diversidade dos tópicos que cobrimos, todo o nosso conteúdo é ancorado em dois elementos: ele desmistifica a saúde e a ciência e é um conteúdo com o qual nossa audiência pode se identificar.

Vamos investir na saúde mental das nossas equipes. Estresse, ansiedade, depressão, distúrbios de sono e alimentares e burnout são apenas alguns dos problemas de saúde que muitos jornalistas que cobrem a pandemia sofrem diariamente. A pandemia colocou os profissionais de mídia sob uma tensão sem precedentes, testando nossas condições psicossociais e as habilidades de editores e diretores de identificar e dar apoio a esses trabalhadores.

[Leia mais: Vencedores do Nobel da Paz reforçam papel do jornalismo no combate ao autoritarismo]

Hannah Ajakaiye

Nigéria

A necessidade por informação com credibilidade no enfrentamento mundial à pandemia de COVID-19 e o autoritarismo crescente são questões importantes que a mídia precisa [reconhecer] em 2022. Meu conselho para os verificadores de fatos e gestores de mídia é experimentar com novos formatos para fazer chegar informação verificada às pessoas nas redes sociais. Experimentar com novos formatos como áudio ou conteúdo humorístico para checagem de fatos e letramento midiático é uma ótima maneira de atingir uma audiência maior. No avanço do combate à desinformação, é preciso levar em consideração as nuances locais e padrões de consumo de notícias únicos a cada contexto cultural. Aliado a isso está a necessidade de priorizar soluções não tecnológicas para alcançar audiências carentes.

Com os preparativos para eleições em países como Brasil, Nigéria, Quênia e Filipinas, é vital que, em 2022, os jornalistas desenvolvam habilidades para investigações nas plataformas digitais. É provável que casos de panfletagem computacional e campanhas de desinformação de larga escala se destaquem de forma proeminente em algumas dessas eleições. Familiaridade com inteligência open source (OSINT na sigla em inglês), um campo de investigação que usa informações acessíveis publicamente, é fundamental para jornalistas que querem desmascarar a desinformação nas eleições nesses países.

Sérgio Spagnuolo

Brasil

O jornalismo precisa de inovação e precisa rápido. Enquanto as empresas de redes sociais avançam com novos produtos e formatos para dominar o mundo do conteúdo, o jornalismo resiste — mas ainda está amarrado às mesmas velhas receitas: blocos de texto, galerias de foto, edições impressas.

Essas receitas funcionam bem e são eficazes para entregar informação complexa para audiências altamente engajadas. Mas ainda não encontramos um jeito melhor de entregar notícias para audiências mais jovens e não criamos uma abordagem melhor para produtos digitais.

A partir da minha experiência, essas são algumas áreas que podem aproximar o jornalismo dos concorrentes de tecnologia:

  • O desenvolvimento de aplicativos tem sido uma força motriz para grandes redações no mundo todo. Isso dá mais liberdade às organizações para monetizar e fazer experiências com seu conteúdo. Ao mesmo tempo, traz a tecnologia para o mundo do jornalismo — não como um complemento, mas como o próprio jornalismo;
  • A curadoria de notícias tem um grande valor, mas isso não pode ser feito somente por máquinas. Os jornalistas devem desempenhar um papel integral para uma agregação de reportagens de alta qualidade;
  • Tente alcançar sua audiência onde ela estiver e ao mesmo tempo traga-a para o seu site sempre que puder. Visualizações de página e visitantes únicos são métricas importantes, mas gerar ação e impacto é muito mais.

[Leia mais: Lições-chave para ter uma "start up" de mídia]

Rawan Jayousi

Oriente Médio e Norte da África

A liberdade e a independência da mídia estão enfrentando ameaças crescentes e desafios sem precedentes no mundo todo. Mudanças múltiplas e rápidas emergiram na sociedade — pelo menos nos últimos dois anos; eu posso dizer com segurança que é nosso papel, enquanto jornalistas, acompanhar o ritmo de mudanças e fazer o nosso melhor para ter certeza que nosso trabalho é uma virtude, não um vício.

Meu conselho para jornalistas em 2022 é começar a inovar o quanto antes possível. Para mim, optar por começar uma nova incubadora de mídia durante a pandemia não foi uma decisão fácil. Porém, minha força propulsora foi proteger a profissão na região por meio do estabelecimento de um ecossistema de mídia que apoia jovens jornalistas mulheres a encontrarem novos caminhos e soluções para firmar suas startups de mídia. Neste ano, aprendi muito e percebi a necessidade crucial de se fazer mais pesquisas sobre o jornalismo na região árabe se quisermos salvar os veículos existentes e ajudar os novos.

Dito isso, acredito que, em um mundo que se tornou virtual, com novos e antigos desafios diante do jornalismo, desigualdade de gênero e desemprego entre jornalistas, é preciso criar novas soluções.

O futuro não está tão distante mais. É por isso que inovação e digitalização não são mais um luxo.


Foto por Rina Filatova no Unsplash.