Dois ícones globais da liberdade de imprensa receberam o Prêmio Nobel da Paz, em Oslo, na Noruega, marcando a primeira vez desde 1936 que jornalistas foram reconhecidos com o prêmio de maior prestígio do mundo.
Ressaltando a importância do jornalismo no combate ao autoritarismo e outras tendências destrutivas, o Comitê do Prêmio Nobel homenageou Maria Ressa, cofundadora e editora do Rappler, site de notícias independente das Filipinas, e Dmitry Muratov, editor-chefe de longa data do Novaya Gazeta, jornal independente da Rússia.
Ambos os laureados e seus colegas foram vítimas de assédio, intimidação e violência por seu trabalho expor injustiça e abuso nos níveis mais altos.
No seu discurso de aceitação, Ressa, que já foi vencedora do principal prêmio internacional do ICFJ, observou que ela foi apenas a 18ª mulher a receber o Prêmio Nobel da Paz. Ela disse que mulheres jornalistas estão no "epicentro do risco" e acrescentou que "essa pandemia de misoginia precisa ser combatida já".
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Ressa notou que, ao receber o prêmio, ela representa todo jornalista "forçado a sacrificar tantas coisas para manter-se firme, permanecer fiel aos nossos valores e missão: trazer a verdade para vocês e responsabilizar os poderosos." Ela citou uma longa lista de jornalistas que foram mortos, presos ou perseguidos pelo seu trabalho, de Malta à Arábia Saudita a Hong Kong.
Ressa criticou severamente as empresas de redes sociais por ganharem dinheiro alimentando a violência e o ódio, mencionando o Facebook como o maior distribuidor do mundo de notícias e também de desinformação. "Essas corporações destrutivas se apropriaram do dinheiro de empresas jornalísticas e agora representam uma ameaça fundamental aos mercados e às eleições."
Ela pediu a regulamentação do que taxou de "economia da vigilância que lucra com ódio e mentiras" e clamou os Estados Unidos a "reformar ou revogar a seção 230, lei que trata as plataformas de redes sociais como serviçoes".
Ressa, repórter veterana da CNN, também disse que o jornalismo precisa ser reconstruído para o século 21, com ecossistemas de informação baseados em fatos. "Precisamos ajudar o jornalismo independente a sobreviver, primeiro dando proteção ampla a jornalistas e enfrentando Estados que perseguem jornalistas."
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Em seu discurso de aceitação, Muratov disse que o jornalismo na Rússia está "atravessando um vale sombrio. Mais de cem jornalistas, veículos de notícias, defensores dos direitos humanos e ONGs foram recentemente classificados como 'agentes estrangeiros'. Na Rússia, isso significa 'inimigos do povo'. Muitos dos nossos colegas perderam seus empregos. Alguns tiveram que deixar o país. Alguns foram privados da oportunidade de viver uma vida normal por um período indeterminado. Talvez para sempre."
Ao afirmar que a tortura é o crime mais sério contra a humanidade, Muratov anunciou planos para um tribunal internacional contra a tortura. Ele disse que a instituição agregaria informações sobre tortura em diferentes partes do mundo e identificaria autoridades responsáveis por tortura. Ele disse que a iniciativa dependeria de jornalistas investigativos no mundo todo.
"Com cada vez mais frequência, ouvimos falar de tortura de condenados e detentos. As pessoas estão sendo torturadas no limite, para tornar a sentença de prisão ainda mais brutal. Isso é uma barbárie."
Neste ano, o ICFJ trabalhou com Ressa e Rappler para publicar um grande estudo de caso baseado em dados que detalhou a intensidade e ferocidade da violência online contra Ressa ao longo de cinco anos. A pesquisa encontrou evidências de que alguns dos ataques contra Ressa são coordenados ou orquestrados — uma marca distintiva de campanhas de desinformação estatais.
Ressa também é objeto de múltiplos processos que objetivam silenciar a jornalista e seus colegas. Ela enfrenta a possibilidade de passar décadas atrás das grades se for condenada em todas as acusações. O ICFJ e a coalização #HoldTheLine continuam a apelar para que essas acusações espúrias sejam derrubadas. O ICFJ colidera a aliança, um grupo com mais de 80 organizações em defesa de Ressa e da liberdade de informação nas Filipinas, em conjunto com o Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) e Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Ressa agradeceu a Coalizão bem como todos os grupos de direitos humanos "que nos ajudam a lançar luz".
Imagem principal: captura de tela da cerimônia do Prêmio Nobel da Paz.
Este artigo foi originalmente publicado pelo International Center for Journalists, organização da qual a IJNet faz parte.